Os conhecimentos sobre o relevo terrestre vêm assistindo a reinterpretações à luz de novas explicações teóricas que ganharam terreno nas últimas décadas do século XX. No caso específico do relevo brasileiro não é diferente. Novas lógicas que ajudam a compreender seu dinamismo estão presentes não somente no mundo da ciência, mas também aparecem trabalhadas na Geografia escolar. Além da atualização dos conhecimentos, as novas interpretações sobre o relevo brasileiro e sua dinâmica obrigam a uma mudança de postura: perde sentido aquele tipo de saber sustentado na memorização e avança um conhecimento analítico do processo, que contribui para que construirmos recursos de observação e análise dos fenômenos naturais. Isso nos qualifica a refletir sobre as relações entre os diversos elementos da natureza, assim como sobre as relações do ser humano (das sociedades) com a natureza.
No capítulo ?Natureza e riscos ambientais?, no 3º. bimestre, trabalhamos com as estruturas e formas do planeta Terra, as diferentes funções dos agentes internos e externos na formação das condições superficiais do planeta, o conjunto de explicações sobre a dinâmica da litosfera de modo genérico, tendo em vista o planeta como um todo. É importante resgatar agora o essencial, para tratar do caso brasileiro.
Vamos explorar um acontecimento que ficou marcado na nossa memória: no dia 22 de abril de 2008, às 21h27, a cidade de São Paulo foi atingida por um tremor de 5.2° na escala Richter. Um tremor também é conhecido como terremoto. Vocês ouviram falar dele ou o sentiram? No Brasil há terremotos? Alguém se lembra de algum tremor ocorrido em nosso território? Já houve vítimas fatais de terremotos no Brasil?
No Brasil podem ocorrer terremotos leves. O terremoto de 22 de abril de 2008 teve como epicentro um ponto no Oceano Atlântico, a cerca de 215 km de São Vicente, na Baixada Santista, Estado de São Paulo. O epicentro é a área onde o terremoto atinge intensidade máxima (a parte interna da litosfera em que se origina um terremoto é chamada de hipocentro, e a parte externa da litosfera que recebe a energia máxima originada no hipocentro é justamente o epicentro).
Em 14 de novembro de 2007, outro tremor foi sentido em várias áreas da cidade de São Paulo, a ponto de alguns edifícios terem sido evacuados. O tremor foi reflexo de um terremoto ocorrido no Chile poucos minutos antes.
Em 9 de dezembro de 2007, no município de Itacarambi (MG), foi registrado um tremor de 4,9° na escala Richter e houve, inclusive, uma morte. Há, também, vários registros de terremotos em Sobral (CE) e em João Câmara (RN). Todos esses abalos sísmicos têm algo em comum: seus epicentros estão no próprio local de ocorrência.
Já ocorreram terremotos no mundo que marcaram a vida de alguns povos e que jamais serão esquecidos. Por exemplo: o terremoto de Lisboa, em 1755, foi uma das maiores tragédias da época e marcou definitivamente a vida daquela cidade - praticamente destruiu a cidade e matou 70 mil pessoas; o terremoto recente que atingiu a China, em 12 de maio de 2008 (província de Sichuan), cujo número de mortos superou os 70 mil, além dos milhares de desaparecidos. E por que não há registro na memória da população brasileira dos terremotos que ocorreram em nosso território?
Porque a intensidade dos terremotos e as perdas humanas e materiais não foram grandes.
Observando a tabela ?Entenda os efeitos dos terremotos?, na página 3 do caderno do aluno, temos instrumentos suficientes para compreender por que os terremotos no território brasileiro não deixam marcas em nossa memória: porque eles praticamente não deixam marca nos espaços humanos, visto que o maior deles alcançou 6,6° na escala Richter e ocorreu em uma região pouco habitada na época, não ocasionando danos graves. Já os terremotos de Lisboa e da província de Sichuan atingiram 9,0° e 7,9°, respectivamente.
A força letal de um terremoto não está apenas associada à intensidade do seu epicentro. No caso do tremor ocorrido na província de Sichuan, além da intensidade do terremoto, as características daquele espaço humano pesou no número de vítimas: alta densidade demográfica, precariedade das construções, condições difíceis de acesso para o socorro das vítimas etc.
A lógica dos tremores pode ser apreendida tendo em conta a localização dos epicentros e a intensidade dos terremotos. E isso não vai permitir apenas a explicação dos terremotos, mas também a lógica da formação das estruturas do relevo brasileiro, assunto principal deste capítulo.
A dinâmica da crosta terrestre e a lógica dos tremores
Esta etapa pode ser iniciada pela discussão dos terremotos. Vamos ler o texto "A instabilidade da crosta terrestre", apresentado na página 5 do caderno do aluno, observando o ?Mapa das placas tectônicas? na página 7.
No terremoto que aconteceu em novembro de 2007, o epicentro do terremoto em foi no Chile e pode-se notar que esse ponto se encontra na área de contato da placa Sul-americana com a placa de Nazca; já o que aconteceu em dezembro de 2007, em Itacarambi (MG), o epicentro foi no próprio local, e notamos que se deu quase no meio da placa Sul-americana. O epicentro do terremoto que aconteceu em abril de 2008, em São Paulo, foi a 215 km da costa brasileira, no Oceano Atlântico. Assim, temos: um terremoto em área de contato de placa e dois terremotos no interior da placa Sul-americana, em pontos afastados de suas bordas.
"Tremor" tem o mesmo significado de terremoto ou abalo sísmico. O que treme, em um terremoto, é a placa tectônica. Na verdade, partes dela, que por vezes são bem pequenas. Os tremores são produzidos pela atividade interna do planeta, quando a energia resultante dos esforços das placas para se movimentar é liberada repentinamente. Observe o quadro ?Placas tectônicas e terremotos?, na página 11 do caderno do aluno.
Para ajudar a organizar o pensamento, uma questão pode ser colocada:
Como as placas se movimentam, podem acontecer três situações nas áreas de contato. Quais são elas?
1. as placas se encontrarem e se chocarem (movimento convergente);
2. as placas se afastarem (divergente);
3. as placas não se encontrarem nem se afastarem, logo não provocam destruição, porque fazem movimentos paralelos (transcorrente e/ou conservativo).
Encontrando ou se afastando, a atividade interna da Terra chega mais facilmente à superfície nas áreas de contato de placas do que nos seus centros, em virtude da descontinuidade existente. O que pode ser acrescentado agora à análise dos epicentros dos três terremotos que estão sendo utilizados como exemplos? Que há um terremoto nas áreas de encontro de placas e dois terremotos intraplacas, em pontos em que há falhas ou fragilidades na placa. Nesse último caso, vale lembrar que a ocorrência de tremores pode ser facilitada ou dificultada pela espessura da placa. As regiões em que ela é mais fina são as mais sensíveis. É ali que ela pode se romper mais facilmente, diante das pressões do interior da Terra.
O que interessa deixar claro são os diferentes exemplos de terremotos apresentados. Por exemplo: os tremores nas áreas de destruição de placas (áreas de choque) tendem a ser mais fortes, mais frequentes, logo, causam mais dano. Mas será que o movimento das placas e a presença de falhas e fissuras só servem para explicar os eventos sísmicos (terremotos e vulcanismo)? Ou terão também importância no momento em que a questão abordada é o relevo?
Uma biografia ("abiografia") da placa Sul-americana e suas repercussões no relevo brasileiro
As placas tectônicas são segmentos da crosta terrestre ou litosfera. A litosfera, em conjunção com a hidrosfera e a atmosfera, formam os domínios naturais. Podemos nos referir aos domínios naturais como o mundo inorgânico ou o meio abiótico (sem vida). Por outro lado, quando no meio inorgânico a vida floresce, constitui-se o meio biótico. É importante lembrar que uma placa tectônica é um elemento do mundo abiótico. Ela não tem vida. Não tem vida, mas tem dinamismo, se transforma, tem uma trajetória, pois se movimenta no magma e no tempo. Tem uma biografia? Não, pois biografia somente os seres vivos têm. Por isso, só podemos traçar uma "abiografia" da placa tectônica Sul-americana.
Como e quanto a dinâmica da placa Sul-americana interferiu na estruturação do relevo atual do território brasileiro?
Há aproximadamente 225 milhões de anos, a Pangeia começou a se fragmentar e, há cerca de 135 milhões de anos, um grande bloco no sul do planeta (Gondwana), que já havia se desprendido da Pangeia, começou a se romper. No seu interior iniciou-se a abertura do Oceano Atlântico, separando o que viriam a ser os continentes da América do Sul e da África. Trata-se da placa Sul-americana, antes colada à placa Africana, que começou a se deslocar para o oeste. O quadro ?Placa Sul-americana: movimentos tectônicos? procura sintetizar essa dinâmica.
Alguns pontos auxiliam na compreensão da relação entre a dinâmica da placa Sul-americana e o relevo brasileiro.
Quando iniciou a separação das placas Africana e Sul-americana (200-135 milhões de anos atrás), a velocidade da movimentação, em direção ao oeste, era de 1,2 cm ao ano e a costa leste da América do Sul ficou sendo área de borda de placa; logo, suscetível aos efeitos das atividades internas, abaixo da crosta terrestre. Algumas alterações no relevo da costa leste do Brasil podem ter começado nesse processo.
Na divergência entre as placas Africana e Sul-americana, houve intrusão de material magmático, que foi se solidificando e, na medida em que as placas se afastavam, formava-se o fundo do Oceano Atlântico, com parte vinculada à placa Sul-americana e parte à Africana. As placas aumentaram, com o acréscimo de assoalho oceânico e/ou crosta oceânica, criando uma nova extensão de 4 100 km.
Ao mesmo tempo, movimentando-se em direção ao oeste, a placa Sul-americana se encontrou com a placa de Nazca, que, por ser mais densa, entrou por baixo da placa Sul-americana, soerguendo (levantando) sua borda e dando origem à Cordilheira dos Andes. Nesse processo de mergulho, a placa de Nazca está submergindo, onde se funde com o magma.
Há interpretações que buscam explicar que, quando a Cordilheira dos Andes se originou (há cerca de 60 milhões de anos), com a elevação da borda oeste da placa Sul-americana, teria havido uma repercussão em todo o conjunto da placa. Trata-se de uma repercussão desigual, visto que algumas áreas de rochas menos resistentes foram mais levantadas que outras, constituídas por rochas mais resistentes. Foi nesse momento - essa é a hipótese - que teriam ocorrido os movimentos que deram origem às escarpas das Serras do Mar e da Mantiqueira. No entanto, pesquisas têm mostrado indícios de que o relevo da costa leste do Brasil não teria uma relação tão imediata com o soerguimento dos Andes.
A dinâmica (ou "abiografia") da placa Sul-americana deixou quais heranças na atual configuração do relevo brasileiro?
No relevo da América do Sul, deixou a portentosa Cordilheira dos Andes, em sua borda oeste, e, no território brasileiro, deixou alterações gerais que variaram segundo a condição da geologia dos terrenos. Um fato notável para a região Sudeste, especificamente para o Estado de São Paulo, são as falhas geológicas expressas nas escarpas da Serra da Mantiqueira e da Serra do Mar. As alterações são difíceis de ser demonstradas, e mais difícil ainda é distingui-las das formas de relevo anteriores a esse momento de orogenia (processo de formação de montanhas, que se dá a partir de vários fenômenos geológicos) na borda oeste da placa. Após esses eventos, nenhum tectonismo importante atingiu a placa Sul-americana; logo, o território brasileiro e suas formas de relevo atuais têm no processo erosivo a sua principal força dinâmica.
A resposta anterior expressa um campo com algumas incertezas sobre o desencadeamento das repercussões no relevo brasileiro em razão dos movimentos tectônicos da placa Sul-americana, mas seguramente o relevo brasileiro contém heranças do movimento dessa placa. Entretanto, algo ainda precisa ser acrescentado:
Toda a movimentação da placa e os abalos sofridos que repercutiram no relevo se deram sobre a superfície anterior da placa, antes de sua separação de Gondwana, que constituía a placa, e, mais diretamente para nosso interesse, o território brasileiro. Esse material estrutural pode resistir mais ou menos aos movimentos, por isso é preciso conhecer essa estrutura geológica.
O Oceano Atlântico tem 200 milhões de anos e, por consequência, o assoalho oceânico, resultado de uma parte nova da placa Sul-americana e da placa Africana.
Os terrenos vêm da Pangeia e têm bilhões de anos. Sabe-se isso por meio da datação de rochas encontradas em velhas cadeias montanhosas, hoje muito erodidas. Logo, a placa Sul-americana tem um segmento continental muito antigo e um segmento oceânico novíssimo.
As idades da crosta oceânica e da crosta continental são bastante contrastantes e indicam um fator-chave da estrutura geológica: o tempo de formação. Esse tempo interfere na constituição interna da estrutura. No interior do próprio continente sul-americano, há terrenos com idades bem diferentes, o que também acontece se reduzirmos a observação ao Brasil. O mapa ?Brasil: grandes estruturas? é uma representação qualitativa e distingue grandes extensões de terrenos estruturais do Brasil. A distinção é feita por cores. E por isso se distingue rapidamente estruturas diversas de terrenos em termos geológicos.
O quadro ?Simplificação operacional da legenda do mapa Brasil: grandes estruturas?, na página 16 do caderno do aluno simplifica as informações cartográficas. O mapa traz informações detalhadas, mas o quadro traz uma classificação mais compacta para auxiliar no seu raciocínio.
Abaixo, o quadro explica três termos que aparece no quadro anterior: áreas cratônicas, dobramentos antigos e bacias sedimentares.