Apenas recentemente a ciência conseguiu estabelecer parâmetros e legitimá-los perante a sociedade no que diz respeito à história e à estrutura do planeta Terra. Há apenas 200 anos admite-se e se procura compreender essa história levando em conta a dinâmica dos movimentos numa faixa de tempo bastante longa. Os elementos essenciais dessa trajetória são examinados com detalhes nas três esferas inorgânicas que se manifestam na superfície terrestre: a litosfera, a hidrosfera e a atmosfera. Uma ênfase maior será dada à litosfera, porque o objetivo é chegar aos elementos essenciais para o entendimento das estruturas e das formas do planeta.
Uma descoberta que foi essencial para fundar a Geologia, que é a ciência que estuda as estruturas da Terra, foi o tempo. O tempo da natureza foi descoberto, e ela deixou de ser entendida segundo o tempo humano, que era o tempo das narrativas bíblicas. Sem a compreensão dos movimentos e da extensão do tempo (e de sua relatividade) não há meios para explicar a estrutura e as formas da Terra.
Os movimentos das esferas terrestres
Os três domínios naturais da superfície terrestre são:
- a litosfera: a referência para o relevo;
- a hidrosfera: a referência para a hidrografia;
- a atmosfera: a referência para o clima.
Quando você descreve o relevo do seu bairro, por exemplo, você apresenta uma das características da litosfera naquele local. As menções sobre a hidrografia da localidade é a forma de manifestação da hidrosfera no local (rios) e o clima do bairro, o modo como a dinâmica da atmosfera se expressa naquela localidade (que certamente não é somente daquele bairro, e sim da cidade, ou da região mais ampla, visto que o clima é um fenômeno difícil de caracterizar apenas na escala local). No quadro, verificamos que, se a água for aquecida acima de 100°C, ela vai mudar de fase, isto é, evaporará (virará vapor de água) e se transferirá da hidrosfera para a atmosfera. O ar atmosférico tem diversas temperaturas e a máxima, como mostra o quadro, atinge 50°C. Quando a temperatura está em torno de 33°C, os gases, que compõem a atmosfera, vão ficar mais leves (menos densos) e o ar vai subir (ascender). O ar mais frio, que estava nas camadas mais altas, vai ser empurrado para substituir esse ar que subiu. Ou seja, a variação de temperatura vai colocar o ar em movimento. Quer dizer: tecnicamente, o vento se forma com a propagação de calor por convecção. Se os materiais que compõem a litosfera forem aquecidos acima da temperatura máxima de 700°C, eles se fundirão (derreterão), a essa temperatura, os materiais se fundem, passando para o estado pastoso, uma primeira referência ao material viscoso que está sob a crosta terrestre (debaixo da crosta). O magma, que ali se encontra a uma temperatura superior a 700°C, chega à superfície terrestre quando há uma erupção de um vulcão, por exemplo.
Os seres humanos constroem suas vidas e seus espaços em estreita relação com essas três esferas. Eventos como os fenômenos climáticos (precipitações, furacões, frio e calor intensos), fenômenos sísmicos (terremotos, erupções vulcânicas) e ocorrências como enchentes ou a existência de cursos d?água, por exemplo, afetam os seres humanos na superfície terrestre. Os eventos são produtos da movimentação que existe em cada uma das esferas. Na movimentação da atmosfera surgem os fenômenos climáticos; na hidrosfera, os cursos d?água e os oceanos estão em constante movimento e os eventos que envolvem as águas resultam disso; um terremoto é um movimento brusco da litosfera. Resumindo: os movimentos das esferas resultam em eventos naturais que afetam os seres humanos.
Apesar de parecer óbvio que os movimentos das esferas provocam os eventos naturais que afetam os seres humanos, isso precisa ser notado e destacado, pois nem sempre foi essa a percepção que os seres humanos tiveram sobre o funcionamento da natureza. Sem dúvida, é na compreensão dos movimentos que encontramos uma série de explicações sobre o funcionamento das esferas terrestres. Uma questão fundamental para a compreensão das esferas terrestres é o tempo. Afinal, o que é um tempo longo ou um tempo curto? É comum se afirmar que os oceanos atuais (Pacifico, Atlântico, Índico, Glacial Ártico e Glacial Antártico) começaram a se formar na superfície terrestre há pouco tempo, cerca de apenas 200 milhões de anos, quando esse tempo é comparado com a idade da Terra, 4,6 bilhões de anos, por exemplo. Essas afirmações podem gerar um estranhamento e não pode ir adiante enquanto a noção de que se está lidando com diferentes escalas de tempo. Será que o que é pouco tempo para o ser humano é pouco tempo na vida de um inseto? Certamente não. E o que é muito tempo da vida do homem, digamos 40 anos, significa muito para os movimentos da hidrosfera? Em 40 anos pode surgir um novo rio natural na superfície terrestre? Vamos voltar ao exemplo da abertura dos oceanos e apresentar algumas informações:
- Abertura dos oceanos: vamos voltar 200 milhões de anos no tempo. Nesse momento, os oceanos começaram a surgir por entre os espaços de um imenso bloco continental que se fragmentava. Essa abertura foi ampliando em mais ou menos 1,2 cm ao ano. Esse foi o caso do Oceano Atlântico que, após 200 milhões de anos, atingiu a largura de 4.100 km entre dois grandes fragmentos continentais (África e América do Sul).
- O ser humano: acredita-se que o ancestral direto do ser humano viveu há aproximadamente 2 milhões de anos. Porém, se formos considerar o ser humano como sedentário, vivendo em grupos sociais mais estruturados, estaremos nos referindo a um período de apenas 10 mil anos (início do Período Neolítico). Por outro lado, se atualmente a expectativa de vida do ser humano é de 65 anos (conforme a ONU), num passado remoto ela era bem menor.
- A Terra: nosso planeta está se formando (logo, está em movimento) ao longo de mais de 4,5 bilhões de anos, pertencente a um universo que vem se formando há 15 bilhões de anos.
O tempo é relativo às referências que usamos; o tempo da natureza é outro, bem diferente do tempo humano.
Resumo do que foi estudado até o momento:
- o substrato natural inorgânico (sem vegetação) sobre o qual construímos nossos espaços pode ser dividido em três esferas: litosfera, hidrosfera e atmosfera;
- os eventos que ocorrem nessas três esferas podem afetar a vida humana, inclusive como catástrofes;
- o que provoca os eventos nessas três esferas são seus movimentos; as esferas não são estáticas, elas se movimentam;
- para melhor caracterizar as três esferas e compreender seu funcionamento é preciso entender seus movimentos;
- os movimentos das esferas se dão em ritmos diferentes, no interior do tempo da natureza, que é diferente do tempo humano. O tempo é relativo.
Identificamos ritmos distintos dos movimentos nas três esferas terrestres, do ponto de vista dos seus movimentos. Há movimentos que se mantêm constantes, como a erosão na litosfera, e outros mais ocasionais, eventuais (daí o termo evento), tais como os terremotos e as erupções vulcânicas. Aos primeiros, podemos chamar de dominantes e, aos outros, de bruscos, eventuais, catastróficos etc. Do mesmo modo, nas outras esferas inorgânicas (hidrosfera e atmosfera), podemos encontrar movimentos dominantes (constantes) e outros eventuais (bruscos).
Vale acrescentar que os movimentos de cada uma dessas esferas podem ser provocados por movimentos de alguma outra. Dois exemplos:
- um maremoto, movimento na hidrosfera, é provocado por terremoto no fundo do oceano, que é um movimento na litosfera;
- uma enchente, movimento na hidrosfera, é provocada por furacão, que é um movimento na atmosfera.
A descoberta do tempo nos estudos da estrutura física da Terra
Como se sabe que os oceanos estão se formando e se abrindo há apenas 200 milhões de anos? Desde quando a humanidade tem esse conhecimento? Esse entendimento sobre a abertura dos oceanos e a medição que comprova a abertura (1,2 cm no caso do Atlântico) é uma elaboração e uma tarefa da ciência. Mas qual ciência faz esse tipo de afirmação? E desde quando se tem esse entendimento?
Para admitir que os oceanos estavam se abrindo, foi preciso que o ser humano tivesse descoberto a idade da Terra. Vamos a um exemplo: um pequeno morro que seja formado por 10 mil toneladas de rochas duras, de desgaste bem lento, sofre uma erosão que lhe tira anualmente 400 quilos de material, que é transportado pelas águas de um pequeno riacho. É possível calcular em quanto tempo ele desaparecerá? Vamos admitir que, ao contrário do que ocorre, as condições climáticas não se alterem, o que vai facilitar a compreensão do exemplo. É simples: 10 mil toneladas, convertidas em quilos, representam 10 milhões de quilos. Dividindo-os por 400 quilos ao ano, serão necessários 25 mil anos para que o morro seja inteiramente devastado, ou seja, mais do que toda a história humana do Neolítico até hoje e muito mais do que o tempo da Terra admitido pela interpretação de James Ussher. Por fim, se posso saber como e em quanto tempo um morro do presente vai desaparecer, posso também saber como ele era em um passado mais remoto. Posso dizer que um simples morro foi anteriormente uma elevação bem maior. No caso de uma investigação científica, outra variável precisará ser levada em conta: as mudanças climáticas do passado.