Les Deux Soeurs et leur Mère. Anthropologie de l'Inceste
Ciências Humanas e Sociais

Les Deux Soeurs et leur Mère. Anthropologie de l'Inceste



Clara Lourido
Mestranda, PPGAS-MN-UFRJ

HÉRITIER, Françoise. 1994. Les Deux Soeurs et leur Mère. Anthropologie de l'Inceste. Paris: Éditions Odile Jacob. 376 pp.

Woody Allen-Soon Yi-Mia Farrow, testemunhos judiciais, cartas à revista feminina Marie-Claire, roteiros de filmes e de um romance não muito conhecidos, e até o script de uma novela de televisão, abrem e encerram o último livro de Françoise Héritier. Assim demarcado, o livro é composto por uma primeira parte dedicada a fontes históricas ? textos jurídicos hebreus, islâmicos, gregos e romanos, da Igreja Católica e das legislações francesa e inglesa ? e por uma segunda, que apresenta dados etnográficos, principalmente africanos, centrados nos Samo de Burkina Fasso, sobre proibições, crenças e sanções em torno da sexualidade e da reprodução.

A quantidade e heterogeneidade dos "exemplos" é o traço distintivo de um livro que, no essencial, desenvolve um conjunto de idéias da autora que começaram a ser esboçadas há mais de quinze anos, em artigos como "Symbolique de l'Inceste et de sa Prohibition", de 1979, e, mais tarde, "Inceste", de 1991.

O conceito central apresentado é o de incesto de segundo tipo. A despeito do que esta designação parece sugerir, não se trata aqui de uma modalidade de incesto secundária em face de uma de "primeiro tipo" (que atinge as relações entre consangüíneos de sexos diferentes). Com o conceito de incesto de segundo tipo, Héritier pretende estender a noção de incesto às relações entre afins de consangüíneos, de maneira a permitir explicar interdições e condenações morais que, em distintas épocas históricas, e em algumas sociedades atuais, pesam sobre a relação de um homem com duas mulheres aparentadas entre si, como duas irmãs ou uma mulher e sua filha.

Como vincular, então, essa construção à noção estruturalista de incesto e ao valor funcional de sua proibição? Héritier apresenta seu trabalho como complementar à teoria de Claude Lévi- Strauss, a quem dedica o livro. Lembremos que, em La Famille, é justamente o casamento de um homem com "duas irmãs" de forma consecutiva ? sororato ? ou contemporânea ? poliginia sororal ? que Lévi-Strauss toma como exemplo: a) de que a relação de aliança se estabelece entre grupos e não entre pessoas; b) de que o pertencimento a um grupo não depende do parentesco de sangue, e sim do social.

Na teoria estruturalista, a proibição do incesto aparece como fundadora do humano, intervenção primeira e universal de uma orden extrabiológica na regulamentação da reprodução dessa espécie particular. Essa intervenção inaugura, pois, a sociedade em um único movimento, ao organizar o intercâmbio efetuado por dois grupos diferentes de sujeitos também diferentes entre si (por seu pertencimento a cada grupo), mas equivalentes quanto à sua posição no grupo de origem (irmã, filha) e no de destino (esposa).

A noção de equivalência só adquire sentido em uma relação de troca. Héritier a substituirá pela de identidade: as relações de aliança relativizam-se assim no seio da consangüinidade, se dissolvem nos corpos dos germanos que recebem de seus progenitores, de acordo com combinações variáveis, uma qualidade que não é seu valor, mas somente a marca do pertencimento a um grupo. Assim, a subordinação da aliança à filiação dispensa a separação qualitativa entre sexo e casamento: o legal é subsumido pelo biológico, que se articula de diferentes formas com as representações.

Idêntico e diferente são categorias que surgem da observação direta da diferença física entre os sexos. O idêntico associado ao (mesmo) sexo é colocado em evidência pela inexistência, entre todas as combinações possíveis, de terminologias de parentesco que atribuam um mesmo termo a irmãos e primos cruzados, e outro aos primos paralelos. Na terceira parte do livro, Héritier explicita as regras de manipulação que se adicionam a esses princípios para que seja possível explicar as variações intersocietais relativas ao incesto: "a primeira, é que sob certas condições os diferentes se atraem, sob outras se repelem; inversamente, sob certas condições são os idênticos que se atraem e se repelem sob outras condições; a segunda, é que a entrada em contato de dois idênticos não é indiferente na medida em que um sempre se sobrepõe ao outro" (:269); a terceira regra ? de "equilíbrio dos contrários", em parte derivada da segunda ? determina que um excesso do idêntico deve ser evitado em qualquer das diferentes ordens de representação (do biológico, do social e do cósmico), bem como em qualquer contato entre elas.

São as duas últimas regras que estarão em jogo ao se analisar a teoria local Samo sobre as propriedades de homens e mulheres e seus contatos sexuais através do contágio, contaminação, propagação e curto-circuito de fluidos. E se os Samo não podem nos explicar como filhas e filhos, tendo recebido a mesma combinação de fluidos, resultem em sexos diferentes, Héritier buscará em Aristóteles essa especificação: a mesma mecânica dos humores explicará as proibições dentro da parentela de leite e ? assimilando a palavra a um fluido ? dentro da parentela espiritual.

Sem dúvida, o incesto de segundo tipo não é universalmente proibido: levirato e sororato mostram o contrário. Para que sua teoria cubra efetivamente a do incesto de primeiro tipo, Héritier deverá fazer uma concessão: a regra será promulgada somente "quando a identidade vacila no umbral da diferença" (:365), no âmbito das classificações de si e do outro, vacilação possibilitada pela primeira regra, que tudo permite, tanto a atração quanto a repulsão de idênticos e diferentes. Só aí pode-se abrir o caminho para a exogamia e a instauração dos laços sociais.

O incesto através de um terceiro é o incesto entre iguais: entre germanos do mesmo sexo ou, o prototípico, aquele que une mãe e filha e revela a primazia do simbólico, freudianamente, no incesto desejado: "o impensável absoluto [...] é a relação sexual entre os idênticos perfeitos. Impensável infame, impensável sonhado" (:365).

Tradução de Maria Macedo Barroso

Revista MANA



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