Economistas argumentam que proposta precisa de grande articulação dos países e, mesmo assim, vai levar tempo
A discussão em torno do assunto surgiu em meio à desvalorização do dólar em todo o mundo, o que representa uma redução da capacidade econômica dos Estados Unidos. "A razão fundamental é que o dólar já não reflete mais uma circunstância de confiança para quem fez reserva nessa moeda", explicou o professor da Fundação Instituto de Administração (FIA), Celso Grisi. "É claro que as coisas podem tomar configurações diferentes, mas basicamente uma moeda tem que inspirar confiança."
A China tem sido a grande defensora da proposta, apresentada oficialmente em março e discutida pelo chamado BRIC - formado também por Brasil, Rússia e Índia - em junho. Isso porque o país asiático é detentor das maiores reservas mundiais em dólar (cerca de US$ 2 trilhões) e, se ele perde valor, isso significa dizer que a China tem perdido riqueza.
As ideias discutidas vão desde a criação de uma nova moeda - ou Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês) - à implementação de uma cesta de moedas para as reservas internacionais, incluindo o euro e o iene. Para Grisi, a proposta tem mais chances de seguir em frente se for implementada na prática, aos poucos.
O professor de História Econômica da FEA-USP, Renato Colistete, concorda que não há mobilização suficiente neste momento para que haja uma conferência que discuta uma nova forma de ordenação do sistema monetário. "Baseado na experiência histórica, uma mudança dessa exige um grau de articulação muito grande, um compromisso dos países em seguir uma linha", disse.
Proposta
"Eu acho que existe sim essa possibilidade, se a gente engendrar uma moeda com um valor interessante para os próximos períodos e conseguir ganhar a confiança dos banqueiros", afirmou Grisi. Ele sugere que alguns países, como China, Rússia, Brasil e também a União Europeia poderiam se unir para pensar em uma nova moeda.
Eles orientariam, então, alguns de seus bancos a aceitar transações nessa moeda, fazendo com que ela tenha uma convivência dupla com o dólar. "Ela pode ser lentamente colocada em prática, se alguns países começarem a produzir uma nova moeda, baseada aí numa cesta de moedas, para então iniciar algumas operações que, no médio prazo, pudesse ganhar 20% do mercado internacional", explicou.
Ele ressalta, porém, que a participação da União Europeia na estratégia é fundamental para que ela funcione. Segundo Grisi, o consenso entre os Brics é complicado e a economia da China não inspira confiança para que o yuan fosse, por exemplo, uma opção de moeda. O Bric tem muito pouco consenso, interesses muito díspares. Não há um bloco realmente com interesses homogêneos", afirmou Colistete. "A Europa teria que estar nessa parada", disse Grisi.
"Não é fácil, mas poderia ser um caminho. E a própria Europa poderia aceitar como forma de ajudar esses países a saírem da crise. É claro que os Estados Unidos reagiriam fortemente", disse. Para o historiador da USP, o país continua poderoso. "Sempre é um mal negócio apostar no declínio absoluto do poderio econômico americano. É uma economia realmente poderosa e não vai abrir mão facilmente desse poder individual", disse.
Recuperação
Grisi alertou, porém, que as mudanças só terão força para acontecer se o dólar continuar se enfraquecendo e a necessidade do estabelecimento de uma nova moeda crescer ao redor do mundo. "Se a economia norte-americana se recompuser, as pessoas voltam imediatamente ao dólar", disse.