RACISM IN A RACIAL DEMOCRACY - THE MAINTENANCE OF WHITE SUPREMACY IN BRAZIL
Ciências Humanas e Sociais

RACISM IN A RACIAL DEMOCRACY - THE MAINTENANCE OF WHITE SUPREMACY IN BRAZIL


Racismo à brasileira
13/Jun/98
Antonio Sérgio Guimarães

Nos anos 30 (ou mesmo 60), quando sociólogos americanos vinham ao Brasil para estudar nossas "relações raciais", procuravam descobrir antídotos para a ideologia da "white supremacy" que impregnava os EUA. De uns dez anos para cá, nenhum americano medianamente informado acredita que somos um bom exemplo de relações raciais. Nós mesmos já não nos sentimos tão confortáveis no papel de "mocinhos". O que buscam hoje os novos brasilianistas, quando a segregação racial já não existe nos EUA e uma pujante classe média negra foi revigorada pelas políticas do governo americano? O que faz estes brasilianistas concentrar-se hoje nas nossas mazelas raciais, deixando de enxergar em nós a utopia da "democracia racial"? Por que o Brasil lhes causa tanto desconforto?
O livro que France Twine, uma jovem antropóloga norte-americana negra, acaba de lançar ficará talvez como marca dessa nova "scholarship" americana sobre o racismo no Brasil. O volume é produto de um ano de residência da autora, então estudante, numa pequena cidade do interior fluminense, antiga área de produção de café sob regime escravocrata. Nele, os deslizes e mal-entendidos culturais e linguísticos são raros. A militância, a ideologia ou o etnocentrismo são quase sempre controlados pela compreensão do ponto de vista nativo.
E, no entanto, Twine, solidamente plantada nos valores de igualdade, de justiça e na experiência anti-racista americana, não deixa de fazer um relato apaixonado e engajado do racismo que ela vê e que experimenta na cidadezinha de Vasalia (que ela assim batiza para aproximar da Vassouras de Stanley Stein). Ao fim e ao cabo, como sugere o título, ela descobre no Brasil os segredos da mais perfeita e acabada supremacia branca.
A grandeza deste livro está no fato de a autora ter descido mais abaixo das ondulações da superfície racista e do orgulho autodefensivo dos negros para perceber a dor e o sofrimento dos discriminados e a hipocrisia dos que discriminam. Twine investiga o que os brasileiros chamam de racismo basicamente, em Vasalia, o povo considera racismo o ato de exclusão de negros em eventos sociais ou associações maritais ou lúdicas, não atribuindo ao racismo as visíveis desigualdades econômicas, sociais e de poder político.
Analisa ainda como este privilégio dos brancos é encoberto por uma ideologia que dissocia as desigualdades existentes na sociedade da discriminação racial cotidiana: aqui, Twine indica os discursos que negam ou recusam o racismo o discurso da pobreza como responsável pela discriminação; o discurso da mestiçagem como característica do povo brasileiro; o discurso da supremacia demográfica dos brancos ou não-pretos; o discurso da inferioridade cultural dos africanos e seus descendentes; e o discurso do distanciamento temporal (o racismo pertence ao passado) ou espacial (o racismo existe apenas nos grotões ou nas grandes cidades).
Em seguida, Twine examina como os ideais de branqueamento e mestiçagem, que ajudam a invisibilizar o racismo, acabam por instruir os valores estéticos e as preferências pessoais, maritais e de associação que discriminam não apenas os negros, mas todos e tudo que a eles ou à Africa se associe. Interessante, para ilustrá-lo, como a família mestiça que a acolheu em Vasalia informou-a, ao vê-la comendo pimenta, que apenas os baianos, não os verdadeiros brasileiros, comem pimenta.
Documenta também as práticas de desmemorização e de esquecimento do passado de escravidão, de segregação, de humilhações e até mesmo o desaparecimento dos ancestrais negros ou mestiços dos álbuns de família. Tal esquecimento se institucionaliza até nos livros didáticos e no pequeno espaço reservado, nas aulas, à discussão da escravidão.
Finalmente, analisa o mecanismo com o qual os negros respondem ao racismo cotidiano (as brincadeiras pesadas, as pequenas e grandes humilhações): retirando-se, evitando situações embaraçosas, isolando-se socialmente, silenciando, transformando as humilhações num assunto totalmente privado, que não é discutido nem mesmo com os familiares.
Certamente a investigação de Winddance Twine precisa ser complementada por outras, antes que seus resultados possam ser generalizados. Tais resultados não contradizem, mas confirmam, aprofundam e desdobram a literatura produzida nos últimos anos por brasileiros e brasilianistas, usando principalmente fontes estatísticas. Entre os negros americanos, o livro de Twine certamente despertará os mais terríveis fantasmas.
Agora, que uma elite intelectual e econômica negra começa a se diversificar ideologicamente, condenando as políticas corretivas e afirmativas; agora, que as primeiras gerações negras, beneficiárias do Civil Rights Movement, que nunca experimentaram o racismo virulento e legal, preferem morar nos bairros mais elegantes e não segregados; agora é que será maior a tentação de esquecer o passado e atribuir aos mecanismos de classe, ou aos mecanismos individuais, o insucesso de quem ficou para trás.
Para uns, este pequeno livro pode servir como uma imagem de um futuro que é preciso evitar; para outros, servirá certamente para aliviar consciências pesadas: afinal, agora, o "inferno racial" é aqui e não lá. Que o Brasil continue servindo à causa dos oprimidos na América e que não sirva apenas para troná-los cegos para suas mazelas!
Mas nós brasileiros temos muito mais a ganhar com o fato de sermos vistos tão criticamente pelos americanos. Afinal, ainda que toda a desigualdade econômica e social entre brancos e negros no Brasil fosse provocada por mecanismos de classe e não de raça, não há justificativa possível para tamanha desigualdade de tratamento e de direitos entre ricos e pobres. Uma sociedade que aceita tais disparidades não pode aspirar senão aos regimes de castas e ordens varridos pelas revoluções burguesas do século 18.
De qualquer modo, este é um livro que precisa ser urgentemente traduzido e amplamente discutido no Brasil. Ele nos ajudará, e muito, a refletir sobre os silenciados mecanismos do racismo à brasileira!

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães é professor do departamento de sociologia da USP.


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