Ciências Humanas e Sociais
A Contra-História da Filosofia, de M. Onfray
Já se encontram editados em francês os dois dos primeiros volumes da monumental obra de Michel Onfray, «Contra-História da Filosofia», que, quando completa, deverá contar com os seis volumes previstos.
(nota: a tradução para português já foi contratualizada com a editora brasileira Martins Fontes)
O sumário do 1º Volume, dedicado às Sabedorias Antigas, contém os seguintes capítulos:
1. Leucippe et "la joie authentique"
2. Démocrite et "le plaisir pris à soi-même"
3. Hipparque et "la vie la plus plaisante"
4. Anaxarque et sa "nature éprise de jouissance"
5. Antiphon et "l'art d'échapper à l'affliction"
6. Aristippe et "la volupté qui chatouille"
7. Diogène et "jouir du plaisir des philosophes"
8. Philèbe et "la vie heureuse"
9. Eudoxe et "l'objet de désir pour tous"
10. Prodicos et "la félicité"
11. Epicure et "le plaisir suprême"
12. Philodème de Gadara et la communauté hédoniste
13. Lucrèce et "la volupté divine"
14. Diogène d'Oenanda et "la joie de notre nature"
O 2º volume, intitulado «O Cristianismo hedonista», tem o seguinte sumário:
1. Simon le magicien et "la grâce"
2. Basilide et "la débauche"
3. Valentin et "les semences d'élection"
4. Carpocrate et "l'amour"
5. Épiphane et "le désir impétueux"
6. Erinthe et "la satisfaction du ventre"
7. Marc et "les femmes élégantes"
8. Nicolas et "la vie sans retenue"
9. Amaury de Bène et "la sanctification de la vie courante"
10. Willem Cornelisz d'Anvers et "le péché contre nature"
11. Bentivenga de Gubbio et "l'occupation infâme"
12. Walter de Hollande et "la liberté suprême"
13. Jean de Brno et "le nihilisme intégral"
14. Heilwige de Bratislava et "l'esprit subtil"
15. Johannes Hartmann d'Amtmansett et 'la vraie béatitude"
16. Willem van Hilderwissem de Malines et "le plaisir du paradis"
17. Éloi de Pruystinck et "la manière épicurienne"
18.Quintin Thierry et "la liberté de la chair"
19. Lorenzo Valla et "la volupté"
20. Marsile Ficin et "les voluptés contemplatives"
21. Érasme et "le plaisir honnête"
22. Montaigne et "l'usage des plaisirs"
Na apresentação à obra, o editor escreve o seguinte:
Nesta «Contra-Historia da Filosofia», Michel Onfray propõe-se examinar em seis volumes 25 séculos da filosofia esquecida. Os manuais, as histórias, as enciclopédias, os trabalhos universitários evitam cautelosamente esse imenso continente da filosofia. É por isso que só conhecemos as figuras mais austeras e as menos interessantes da filosofia. Porque será?
Porque a história da filosofia é escrita pelos vencedores de um combate que, em geral, opõe os idealistas e os materialistas. Basta lembrar que com o cristianismo aqueles tomam o poder que vão manter ao longo dos últimos vinte cinco anos. Desde então, favorecem todos os pensadores que trabalham segundo as suas tendências e apagam conscientemente todos os traços de uma filosofia alternativa. Daí a ocultação dos materialistas, dos cínicos, dos epicuristas, dos gnósticos licenciosos, dos irmãos e das irmãs do Livre Espírito, dos libertinos barrocos, dos ultras iluministas, dos utilitaristas anglo-saxões, dos socialistas dionisíacos, dos nietzcheanos de esquerda e de outros tantos continentes povoados por personagens furiosas. Esta Contra-História conta a sua aventura.
E qual é o ponto comum de todos estes indivíduos? Nada mais que o gosto por uma sabedoria prática., de um vocabulário claro, de uma exposição límpida, de uma teoria que visa produzir uma vida filosófica. À maneira dos sábios antigos, todos eles voltam as costas à linguagem hermética e obscura; á filosofia só para os filósofos, às discussões de especialistas, aos assuntos próprios de profissionais, e fazem-no porque pretendem fazer da filosofia uma arte de viver – de viver bem, isto é, de viver melhor.
Os seis volumes previstos abrangem os sete anos de trabalho desenvolvido por Michel Onfray à frente do seminário de filosofia hedonista realizado na Universidade Popular de Caen ( no Norte da França). Todos estes textos servem de base de apoio às suas exposições improvisadas nas sessões realizadas por ele em cada 3ª feira à noite e que frequentadas em geral por umas quinhentas pessoas.
Reproduzimos as primeiras linhas do 2º tomo dedicado ao cristianismo hedonista:
A invenção de Jesus, a construção violenta e autoritária do cristianismo que se veio a tornar na religião de todo o Império graças ao golpe de Estado realizado por Constantino, o vandalismo voluntário da soldadesca às suas ordens, a destruição dos homens, o incêndio das bibliotecas, a perseguição dos filósofos, o encerramento das suas escolas, a inscrição no corpo jurídico – Códigos de Teodósio e de Justiniano – do estatuto de extraterritorialidade cidadã dos pagãos, o alastramento cultural e planetário da nevrose de S. Paulo, o triunfo do paulinismo – ódio às mulheres, ao corpo, à carne, aos desejos, aos prazeres, às paixões, à ciência, à inteligência, à filosofia – a conversão dos antigos perseguidos em perseguidores, tudo isso produziu uma sanha na História que excluiu dos séculos seguintes, incluindo o actual, de uma considerável acervo de informações sobre esse período histórico.
O mundo antigo afunda-se. Desaparece, morre, e com ele, a filosofia pagã, de que uma grande parte não consegue atravessar os séculos seguintes por razões que não procedem todas da vontade deliberada dos homens de não deixar rasto do património dos antigos gregos e romanos. Com certeza que os homens queimaram bibliotecas, incendiaram-nas, pilharam-nas, assassinaram os seus semelhantes, muitos deles gente das letras, mas o tempo também apaga os traços de uma civilização que se tornou um imenso campo de ruínas.
Compreende-se bem demais que o desaparecimento dos livros dos filósofos materialistas abderitanos – os seiscentos títulos de Demócrito … -, que as obras dos cínicos e dos epicuristas, que os abundantes volumes – trezentos, segundo consta – de Epicuro ou dos seus discípulos tenham sido uma das prioridades. Os copistas cristãos tinham outras prioridades mais importantes do que salvar livros subversivos. O platonismo e o estoicismo, reivindicados por vezes pelos Padres da Igreja como sabedorias propedêuticas ao cristianismo, dispunham de claras vantagens sobre as ideias que se mostravam inimigas ao ideal ascético católico.
Mais a mais o livro antigo é uma espécie de acessório numa época em que primam a oralidade e a transmissão oral. A palavra evanescente que não seja consignada pelos escribas ou pelos copistas acaba por desaparecer para sempre. Foi o que aconteceu com o ensino oral de Platão, provavelmente muito diferente do ensino dos seus textos que ainda persistem. A oralidade foi, pois, um obstáculo de monta. A que se deve juntar os obstáculos ligados aos seus suportes materiais como o papiro de origem egípcia, incapaz de aguentar a hidrometria, os climas e as estações de Roma. Tornaram-se em poeira, e com eles, aquilo que, por via deles, era transmitido. Até porque o número de exemplares de uma edição inicial não ultrapassava a trintena…
Recensão crítica de Robert Maggiori, publicada no Liberation (de 9/3/2006):
É preciso dizê-lo claramente: não se conhece lá muito bem Heilwige de Bratislava, Bentivenga de Gubbio, Eloy de Pruystinck, Willem van Hildervissem de Malines. Ignoramos também completamente quem seja Cérinthe. E nem sequer sabíamos que Carpocrate era o pai de Epífanes. Mas, desde que queiramos, a ignorância tem sempre remédio. Nada impede a qualquer um de visitar as bibliotecas, e tornar-se num especialista de Filodemo de Gadara, e interessar-se por Jean de Brno. Da mesma maneira que um explorador de ouro tem de remexer toneladas de pedras e calhaus antes de encontrar uma minúscula pepita, também se deve começar por folhear toda a biblioteca antes de encontrar qualquer fragmento de, ou sobre, algum daqueles pensadores…
Falámos disto porque uma Contra-História da Filosofia, mais concretamente os dois primeiros volumes ( vol 1, As Sabedorias Antigas; vol. 2, O Cristianismo Hedonista) de um conjunto previsto de seis, acabou de ser editada.
Não será difícil de prever que, tal como o seu anterior Tratado de Ateologia, esta obra trará ao seu autor, Michel Onfray, o mesmo ódio daqueles que já anteriormente se tinham manifestado contra os autores que ele defende. O que é perfeitamente legítimo, senão mesmo necessário. Não há dúvidas que «a historiografia releva da arte de guerra» e que o modo por que se faz a história resulta das relações de força, das estratégias, das fraquezas, dos calculismos, dos confrontos reais ou simbólicos ou, como disse Marx, que as ideias dominantes de uma época sejam aquelas pelas quais a classe dominante justifica a sua dominação. Por outras palavras, a história sempre foi escrita pelos vencedores. Donde a absoluta necessidade de uma «contra-história» que venha a recuperar os restos dos discursos dos vencidos, dos excluídos, dos dominados, dos minoritários, dos esquecidos. Foi s esta exigência, política e moral, que esteve, aliás, na origem da renovação da historiografia contemporânea, ao integrar a história das mulheres, a história da homossexualidade, a história da loucura, a história dos internamentos, a história dos colonizados, dos operários, dos camponeses…E é perfeitamente legítimo que Michel Onfray queira olhar os «estilhaços» acumulados sob o peso das estátuas monumentais de Platão, Descartes e Kant, assim como faça por difundir as vozes dos cristãos heréticos, silenciadas pelas de Santo Agostinho, S.Tomás de Aquino, e que ao lado da corrente dominante de Pitágoras, Parménides, Platão, Marco Aurélio ou Séneca, ele queira ver o trajecto de Leucipo, Demócrito, Diógenes, Epicuro ou Lucrécio, ou que proteste contra a relativa desvalorização de Erasmos e de Montaigne, ou ainda tente responder à interrogação «que pode o corpo?», quando aborda Spinoza, Nietzche ou Deleuze, diferentemente dos que maldosamente os desconhecem. Ou seja, que a uma filosofia idealista, espiritualista, ascética, ele prefira uma filosofia «materialista, sensualista, existencial, utilitarista, pragmática, ateia, corporal, incarnada…». Mas algumas questões permanecem…
Michel Onfrauytraça uma galeria de retratos intelectuais, legíveis por todos, na qual são referidos, para além de Demócrito, Diógenes o cínico, Lucrécio, os filósofos que têm sido frequentemente marginalizados… A galeria apresentada no segundo volume, acerca do Cristianismo hedonista, é ainda mais espantosa…
Mais info:
http://perso.orange.fr/michel.onfray/accueilonfray.htm
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