Terramoto de longa duração
Ciências Humanas e Sociais

Terramoto de longa duração


Texto de Boaventura de Sousa Santos

Um terramoto está a assolar a Europa. Não é detectável nos sismógrafos convencionais porque tem um tempo de desenvolvimento atípico. Não ocorre em segundos, mas em anos ou talvez décadas. Consiste na convulsão social e política que vai decorrer da destruição progressiva do chamado modelo social europeu – uma forma de capitalismo muito diferente da que domina os EUA – assente na combinação virtuosa entre elevados níveis de produtividade e elevados níveis de protecção social, entre uma burguesia comedidamente rica e uma classe média comedidamente média ou remediada; na eficácia de serviços públicos universais; na consagração de um direito de trabalho que, por reconhecer a vulnerabilidade do trabalhador individual frente ao patrão, confere níveis de protecção de direitos superiores aos que são típicos no direito civil; no acolhimento de emigrantes baseado no reconhecimento da sua contribuição para o desenvolvimento europeu, e das suas aspirações à plena cidadania com respeito pelas diferenças culturais.

A destruição deste modelo é crescentemente comandada pelas instituições da União Europeia e pelas orientações da OCDE. Três exemplos recentes e elucidativos. A directiva europeia que permite o alargamento da semana de trabalho até às 65 horas. A chamada Directiva de Retorno, aprovada pelo Parlamento Europeu, que permite a detenção de imigrantes sem documentação até dezoito meses, incluindo crianças, o que virtualmente cria o delito de imigração.

As alterações ao Código do Trabalho em vias de serem aprovadas no nosso país, cujos principais objectivos são: baixar os níveis de protecção ao trabalhador consagrados no direito do trabalho, já de si baixos pelos níveis de violação consentida; transformar o tempo de trabalho num banco de horas gerido segundo as conveniências da produção, por maiores que sejam as inconveniências causadas ao trabalhador e à sua família e com o objectivo de eliminar o pagamento das horas extraordinárias; desarticular o movimento sindical através da possibilidade da adesão individual às convenções colectivas por parte de trabalhadores não sindicalizados, o que objectivamente abre as portas a todo o sindicalismo dependente e de conveniência.

Há em comum nestas medidas dois factos que escapam por agora à opinião pública. O primeiro é que, ao contrário do que aconteceu na legislação europeia anterior (que procurou harmonizar pelo padrão dos países com protecção mais elevada), a actual legislação visa harmonizar por baixo, transformando os países mais repressivos em exemplos a seguir. O segundo facto é o objectivo de fazer convergir o modelo capitalista europeu com o norte-americano. A miragem das elites tecno-políticas europeias – muitas delas formadas em universidades norte-americanas – é que a Europa só poderá competir globalmente com os EUA na medida em que se aproximar do modelo de capitalismo que garantiu a hegemonia mundial deste país durante o século XX. Trata­‑se de uma miragem porque concebe como causas da hegemonia norte-americana o que os melhores economistas e cientistas sociais dos EUA concebem hoje como causas do declínio da hegemonia norte­‑americana, fortemente acentuado nas duas últimas décadas.

A transformação do trabalhador num mero factor de produção e a transformação do imigrante em criminoso ou cidadão­‑fachada, esvaziado de toda a sua identidade cultural, são as duas fracturas tectónicas onde está a ser gerado o terramoto social e político que vai assolar a Europa nas próximas décadas. Vão surgir novas formas de protesto social, muitas delas desconhecidas no século XX. A vulnerabilidade do Estado será visível em muitas delas, tal como aconteceu com a greve dos camionistas, vulnerabilidade reconhecida por um primeiro­‑ministro cuja eventual ignorância da história contemporânea foi compensada pela intuição política: foi a greve de camionistas que precipitou a queda do governo de Salvador Allende.

A quem beneficiará o fim de um sindicalismo independente e o agravamento caótico do protesto social? Exclusivamente ao Clube dos Bilionários, os 1125 indivíduos cuja riqueza é igual ao produto interno bruto dos países onde vive 59% da população mundial.




loading...

- Capitalistas Atacam Os Trabalhadores: Salários Baixam Na Grécia, Portugal E Espanha
Capitalistas atacam os trabalhadores.: salários baixam na Grécia, Portugal e Espanha Com a actual crise mundial, que se manifestou em 2008 inicialmente nos EUA e que agora se aprofunda na União Europeia, fica claro que o capitalismo não é capaz...

- Base-fut (frente Unitária De Trabalhadores)
http://www.basefut.org/ http://basefut.blogspot.com/ Uma HISTÓRIA que vem de longe: • Dos anos sessenta do século XX na luta contra a ditadura e a guerra colonial • Fundada por militantes do Movimento Operário Cristão • Com um papel assinalável...

- Todos à Concentração No Sábado ( 14 De Junho) às 15h No Largo De São Domingos, No Rossio (lisboa), Contra A Directiva Da Vergonha (de Retorno)
Associações de imigrantes, anti-racistas e de direitos humanos convocam uma concentração em Lisboa contra a directiva da expulsão da União Europeia Sábado, 14 de Junho 2008, às 15h Local: Largo de São Domingos, Rossio, junto ao Monumento...

- Portugal Tem A Mão-de-obra Mais Barata
O preço de 1/hora de trabalho assalariado. Para que se saiba quanto se é explorado em Portugal, e como o rendimento é tão mal distribuído no nosso país, que também é o país onde se trabalha mais com maior número de horas de trabalho!!!! ...

- Afinal, A Produtividade Em Portugal é Maior Que Nos Estados Unidos!!!!
Para contrariar a ideia peregrina que os trabalhadores portugueses não trabalham (!!!) e que as nossas baixas taxas de produtividade se mostram insuficientemente competitivas em relação às suas congéneres dos países e das economias desenvolvidas...



Ciências Humanas e Sociais








.