Sem Justiça não há Paz ( a propósito dos motins nos subúrbios de Paris)
Ciências Humanas e Sociais

Sem Justiça não há Paz ( a propósito dos motins nos subúrbios de Paris)



Os acontecimentos que tem agitado os subúrbios franceses desde há duas semanas são bem a expressão de uma revolta cujo aspecto político não se pode negar. Não se pode negar a existência de uma situação de contestação contra os representantes ou os símbolos de uma ordem social injusta, racista e opressora que considera os jovens dos bairros populares como «escumalha» que deve ser limpa senão mesmo vir a acabar de apodrecer na prisão. Neste contexto, incendiar uma viatura, um edifício público ou estabelecimentos comerciais é um acto político, sobre o qual podemos interrogarmo-nos sobre o seu fundamento, sobretudo se pensarmos que prejudicam mais as classes trabalhadoras do que a burguesia e aos verdadeiros responsáveis por esta situação, é mesmo assim o único meio de expressão de uma juventude a quem a sociedade não oferece nenhuma outra perspectiva que a marginalização, a frustração e a delinquência. Rejeitar as origens sociais desta violência é o primeiro passo que permite a concretização de políticas repressivas de criminalização da misérias dos subúrbios.

Ignora-se que são seres humanos que vivem nessas cidades dormitórios construídas à volta da grande cidade e para onde foram lançados os imigrados e os pobres. Todas essas cidades são um condensado de erros urbanísticos e de dificuldades para a vida das pessoas. Cidades em que não qualquer espaço de socialização. Cidades em que o desemprego e a miséria são o dia-a-dia dos adultos e o futuro das crianças. Não é necessário ser-se sociólogo ou bruxo para prever o que se iria passar. Quando se nega o indivíduo a este ponto é natural que ele se revolta. Quando os políticos se escandalizam pela falta de respeito pelas instituições republicanas demonstrada por esses jovens, parecem que estão a esquecer que a República não os ajuda há décadas.
Face às frustrações eleitorais e às provocações de Ministério do Interior com «sentido de diálogo» estes jovens marginalizados revoltaram-se espontaneamente. O que não impede o Ministério do Interior acreditar numa organização estruturada. Mas os verdadeiros responsáveis são aqueles que permitiram a construção daquelas urbanizações e os que deixaram degradar as condições de vida dessas populações não as apoiando a satisfazer as suas necessidades.
O policiamento dos bairros pelas forças anti-motim e pelas unidades de choque da polícia apoiadas pelos helicópteros, que voam toda a noite por cima dos edifícios, assim como a chamada de reservistas não são mais que um novo passo na militarização governamental que só contribuirá para atiçar ainda mais o fogo e a cólera. Milhares de interpelações e detenções, mais de 700 prisões preventivas por razões frágeis e provas inexistentes não resolvem de modo algum o mal estar social da juventude dos subúrbios.
A aplicação de medidas legais excepcionais como o recolher obrigatório na base das leis especiais do tempo da guerra da Argélia constitui uma verdadeira provocação para esta juventude em cólera, para além de ser um atentado às liberdades públicas.

Após a repressão sistemática dos movimentos sociais e sindicais ( intervenção do GIGN contra os trabalhadores dos correios em Bègles, inculpações maciças dos activistas anti-OGM, assalto helitransportado do GIGN e de comandos contra os trablhadores amotinados do ferry «Pascal Paoli») o Estado prepara-se para a guerra social contra os pobres e contra todos os resistentes a esta sociedade de classes. Fuga para diante do governo numa deriva fascisante inquietante deve mobilizar todos quantos compõem o movimento social e sindical a fim de organizar a defesa das nossas liberdades e das nossas conquistas sociais.

Sim, há razões para a revolta, ainda que queimar carros ( que pertencem a pessoas também pobres) e atacar quem quer que seja não faz mais que reforçar as marcas identitárias (sejam elas nacionalistas ou religiosas). A nossa revolta deve ter como objectivo os verdadeiros responsáveis da miséria e da precariedade: o capitalismo e o Estado. E a nossa revolta só ganhará sentido se nos organizarmos contra o capitalismo e os seus efeitos destrutivos, se nos organizarmos nos bairros contra os mandatários e a carestia dos alojamentos e lutarmos por verdadeiros serviços púbicos.
A Federação anarquista exige a retirada das forças repressivas, a abrogação das medidas de urgência e das leis de excepção, a cessação das perseguições judiciárias contra os jovens revoltados, a libertação de todas as pessoas detidas assim como a clarificação das mortesde Ziad Benna e Bouna Traoré. A Federação anarquista pretende testemunhar o seu apoio aos habitantes, às famílias assim como aos trabalhadores dos bairros que foram vítimas da violência social quer dos amotinados quer da polícia.
A denúncia deste governo fascisante, desprezível e arrogante só se pode fazer no terreno por via de uma relação de forças, livre de parasitas politiqueiros e burocratas, e por via de uma coordenação na base do federalismo libertário, da gestão e da democracia directa numa perspectiva revolucionária da sociedade como condição indispensável para a conquista da igualdade económica e social.

Quem semeia a miséria recolhe a cólera

Por uma sociedade igualitária e libertária
(tradução de um comunicado da FA)



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