Ciências Humanas e Sociais
Projeto Genoma Humano: um conhecimento perigoso
Tom Wilkie. Projeto Genoma Humano: um conhecimento perigoso. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994, 221 pp.
Max Blum
Graduando do Departamento de Biologia ? USP
É evidente que a distribuição dos nascimentos nas diversas
categorias e subdivisões da espécie humana deve ser estritamente
determinada por alguma lei da natureza. Essa lei, bem entendido, é-
nos desconhecida até hoje, mas creio que ela existe e que poderá
mesmo ser conhecida depois... (Fiódor Dostoiévski)
Em um momento em que as implicações éticas da manipulação genética são amplamente discutidas por nossa sociedade, nada mais apropriado que este detalhado trabalho de um dos grandes nomes da divulgação científica mundial.
Tom Wilkie, editor de ciência do respeitável periódico inglês The Independent, passeia com clareza e objetividade pelas conquistas da biologia molecular das três últimas décadas, decisivas para a criação, elaboração e inicialização de um dos mais ambiciosos e fascinantes projetos da humanidade, o Projeto Genoma Humano.
Mais uma vez na história, a ciência torna-se um divisor de águas, um mensageiro do bem e do mal. Quem não se lembra das maravilhas e dos terrores prometidos por especialistas e leigos graças ao controle da energia nuclear nas últimas décadas? Pois bem, novamente nos deparamos com algo ao mesmo tempo fantástico e assustador. Da produção de diversos medicamentos à possibilidade de determinarmos as características físicas e intelectuais de nossos descendentes, a decodificação completa de nosso ADN trará, junto aos (antes inimagináveis) avanços biotecnológicos, complicadas questões éticas a serem resolvidas. O poder fornecido por este conhecimento e a possibilidade de manejo da vida humana será extraordinária. "Mas quem controlará e exercerá este poder?" É a esta pergunta que este livro pretende responder.
De forma elegante, o trabalho é introduzido com uma abordagem geral das principais questões a serem discutidas sobre esta que é a provável maior conquista da humanidade até então ("À procura do Santo Graal").
Desde a descoberta da estrutura molecular do ADN, realizada por James Watson e Francis Crick em 1953, até a concepção do Projeto Genoma Humano (PGH), em 1989, o autor sintetiza as etapas percorridas pelo mesmo Watson, idealizador do projeto, descrevendo a história desse grandioso empreendimento científico. Paralelamente, as principais questões éticas e morais a serem discutidas são apontadas neste primeiro capítulo. Problemas de cunho financeiro e eugenia são alguns dos assuntos que, segundo Wilkie, representam velhos dilemas morais sob nova roupagem que, graças ao PGH, voltarão à tona ao longo das próximas décadas.
Nos três capítulos seguintes ("O mensageiro da Herança", "A anatomia do genoma humano" e "Dos micróbios ao homem"), nada mais coerente do que uma explicação detalhada sobre a estrutura a ser desvendada, o ADN. Com um pouco de história e diversas descrições detalhadas e de fácil entendimento das técnicas cada vez mais avançadas da biologia molecular, tomamos conhecimento da árdua tarefa realizada por um sem número de pesquisadores a fim de conhecermos estruturalmente nossos genes.
Neste trecho, bem como no restante do livro, um parênteses se faz necessário. Apesar de as técnicas utilizadas pela biologia molecular estarem bem explicadas e serem de fácil assimilação, o livro foi publicado originalmente em 1993. Ou seja, alguns dos dados técnicos fornecidos pelo livro já estão ultrapassados, bem como algumas datas de execução do projeto. Uma edição contendo notas de rodapé, por exemplo, com dados mais recentes, melhoraria, sem dúvida, a qualidade deste livro.
Uma volta à genética clássica, em que era possível apenas uma análise morfológica dos cromossomos (estrutura formada principalmente pelo ADN), nos dá a base para adentrarmos os microscópicos caminhos seguidos pela biologia molecular nas décadas seguintes. O leitor, ao passar por estes três capítulos, sai bem informado acerca deste que é o principal objeto de pesquisa no PGH.
No quinto capítulo, a história do PGH é retomada, agora de maneira mais detalhada. Com diversas "armas" na mão, e prevendo a real possibilidade de execução do projeto, cientistas começam a se perguntar se valeria a pena investir uma enorme soma em dinheiro nesta pesquisa. Seriam as técnicas disponíveis na época realmente eficientes para a tarefa a elas atribuída? Quem tomaria a direção desta pesquisa? E, principalmente, quem seriam os donos dos resultados obtidos neste programa? É a partir deste momento que o escritor começa realmente a nos mostrar os enormes problemas que o PGH levanta quanto a questões éticas e financeiras.
Inicialmente, um dos fatores que mais preocupava os pesquisadores era o tamanho do empreendimento. Na verdade, o PGH era o primeiro projeto relacionado à biologia de tamanha proporção, o que envolveria pesquisas em todo o mundo e altos custos financeiros. Outro problema seria o desvio de verbas de pesquisas "fora de moda" (mas igualmente importantes) para os trabalhos de decodificação do material hereditário humano. Além destes, diversos outros problemas nesta fase inicial são apontados pelo autor. O controle dos resultados obtidos também representa uma das vertentes deste capítulo.
Mas é a partir do sexto capítulo ("Mosquitos e moral") que Tom Wilkie discute as questões éticas levantadas no início de seu livro. Para tanto, utiliza-se, mais uma vez, da história da biologia molecular e da genética clássica. Doenças hereditárias, como a anemia falciforme e a fibrose cística, são conhecidas do homem há muitos anos. Mesmo antes do advento das precisas técnicas da biologia molecular já eram possíveis os diagnósticos de tais doenças, bem como as previsões de estas serem transmitidas aos descendentes de seus portadores. Assim como promete o PGH, este pioneiro conhecimento trouxe indubitáveis melhoras para a qualidade de vida de nossa espécie, mas também, rebuscadas questões éticas. Seria justo privar um casal de ter filhos sendo que há apenas uma pequena probabilidade de este nascer com algum problema? Companhias seguradoras teriam o direito de negar assistência a um portador de uma doença hereditária? Neste capítulo, Wilkie brilhantemente revisita experiências do passado a fim de prever possíveis problemas futuros. Mais uma vez, questões financeiras dão o tom das discussões.
Os dois últimos capítulos ("Troca de genes" e "As conseqüências morais da biologia molecular") revelam-se os mais interessantes. Algo entre o dramático ("um mundo povoado por criaturas monstruosas, produtos de Doutores Frankensteins de nossos dias") e o ideal (proteínas sintéticas, cura de doenças hereditárias, AIDS etc.) predomina neste trecho final do livro.
De forma realística, Tom Wilkie nos introduz neste novo mundo em que os homens poderão, literalmente, brincar de "Deus". Evita o sensacionalismo ao relatar as enormes dificuldades a serem transpostas até que seja possível tal manipulação da vida humana. Um grande espaço de tempo se faz necessário para que possamos realmente entender e utilizar a mensagem transmitida pelas moléculas de ADN.
Um livro interessante. Não só para aqueles que buscam entender melhor este que é o maior dos empreendimentos da Biologia de todos os tempos mas, também, para aqueles que se interessam pelos difíceis e tortuosos percursos da história da ciência moderna.
Revista de Antropologia
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