Pesquisa médica: a ética e a metodologia
Ciências Humanas e Sociais

Pesquisa médica: a ética e a metodologia



Pesquisa médica: a ética e a metodologia. São Paulo: Pioneira, 1998

Sonia VieiraI; William Saad HossneII
IUniversidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
IIUniversidade do Estado de São Paulo (UNESP)

É uma das obras fundamentais a ser lida e constantemente consultada por todos aqueles que se preocupam com o bem-estar e os direitos do ser humano, e não somente interessa a médicos, como pode ser interpretado, pela leitura rápida e apressada do título do livro, por pessoas que se dedicam à pesquisa médica.

Este livro é atualização de "Experimentação com Seres Humanos", uma das obras mais importantes na área da pesquisa em saúde, surgida nos anos 80, pioneira no Brasil sobre o tema da pesquisa em seres humanos.

Aparece em um momento histórico no qual o país vem refletindo e debatendo, de maneira acentuada, a questão das pesquisas com seres humanos, devido, principalmente, à promulgação, pelo Conselho Nacional de Saúde, da Resolução 196/96, que estabelece normas e diretrizes éticas para a realização de pesquisas com seres humanos.

A necessidade da observação ética das pesquisas com seres humanos é inegável, pois como nos lembra o filósofo Hans Jonas, não há mais dúvidas da necessidade humana de experimentar para que se possa atingir a "boa vida". E, que se são colocados poucos obstáculos morais quando se trata de estudos realizados com seres inanimados, ao contrário, quando a pesquisa envolve seres humanos, a inocência é perdida e diversos dilemas morais nos são apresentados.

Os pesquisadores não são sujeitos neutros em sua relação com a sociedade e com os pesquisados, pois possuem interesses próprios e corporativos, interesses nem sempre voltados para o bem comum, mas para sua própria carreira e para os dividendos que a pesquisa possa lhes trazer.

Isto reforça a tese de que a neutralidade da investigação científica é um mito. A esse respeito, a socióloga Cecília Minayo já afirmou que quando da definição do objeto da pesquisa, de suas bases teóricas e do delineamento proposto, as escolhas já têm, em última instância, orientação ideológica.

No Brasil, a preocupação com a ética nas pesquisas em saúde já se evidenciava na década de 80, mediante o aparecimento do tema, de forma expressiva, nos códigos deontológicos de diversas categorias profissionais ligadas ao campo da saúde. Apesar de já possuir, desde 1988, diretrizes e normas éticas para a realização de pesquisas no campo da saúde (Resolução 01/88, CNS), foi a partir da Resolução 196/96 que a reflexão e a discussão sobre pesquisas envolvendo seres humanos se propaga com expressiva velocidade nos meios acadêmicos e nas instituições de pesquisa.

Foi por mérito do grupo de trabalho reunido pelo Conselho Nacional de Saúde, coordenado pelo Professor William Saad Hossne, que a comunidade científica foi ouvida, assim como representantes dos usuários do sistema de saúde, para a elaboração da norma. A Resolução constitui-se em marco de referência, estimulando o debate do tema e a formação de comitês institucionais de ética em pesquisa em estabelecimentos de saúde e de ensino.

Quanto ao livro, este, conforme o título anuncia, trata de questões metodológicas e éticas relacionadas a pesquisas do campo da saúde, e, em particular, aquelas que envolvem de forma direta ou indireta os seres humanos. O tema desenvolvido é consoante às diretrizes da citada Resolução: "as pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigências éticas e científicas fundamentais".

A importância do tema abordado pode ser aferida pelo fato que, desde a entrada em vigor da Resolução 196/96, mais de 350 Comitês locais de Ética em Pesquisa, aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), estão em funcionamento no país, com caráter ao mesmo tempo vigilante e pedagógico.

O livro está dividido em quatro capítulos: I - Um pouco de história; II - Questões de ética; III - Exigências metodológicas; IV - Novas exigências da medicina.

No Capítulo I, os autores traçam um paralelo entre os avanços que vêm ocorrendo na pesquisa desenvolvida nas últimas décadas e os abusos cometidos contra os seres humanos em nome dos supostos benefícios a serem aportados pela pesquisa. Ressalta-se o ocorrido em Tukesgee, Alabama (1932-1972), exemplo de desumanização das práticas científicas. A pesquisa visava a conhecer a evolução natural da sífilis em pessoas de cor negra, porém violou os direitos humanos dos pesquisados ao deixá-los sem as possibilidades disponíveis de tratamento eficaz.

No Capítulo II, os autores recordam que, desde a promulgação do Código de Nuremberg, em 1947, a pesquisa realizada com ser humano deve ser orientada pelo princípio de que toda participação em pesquisas deve ser voluntária, expressa mediante o consentimento voluntário. Também que o bem-estar das pessoas que a ela se submetem deve prevalecer sobre os interesses da ciência e da sociedade. Outras bases éticas para pesquisas são discutidas: a necessidade de experimentação prévia em animais antecedendo a participação de seres humanos; a necessidade do estabelecimento de um balanço entre os benefícios possíveis a serem trazidos pela pesquisa, para o pesquisado e/ou a sociedade, em confronto com os riscos físicos, sociais, psicológicos e econômicos; a comprovação da competência do pesquisador; o consentimento esclarecido de todos os participantes; a adequação dos procedimentos metodológicos; a duração do experimento; a necessidade do estabelecimento e funcionamento de comissões de pesquisa, independentes, para a análise do projeto de pesquisa anteriormente à sua execução. Ressalte-se esse último ponto: a obrigação de que toda instituição de saúde, na qual pesquisas em seres humanos sejam desenvolvidas, crie Comitês de Ética em Pesquisa. Essas instâncias devem ser diferenciadas das Comissões de Ética Médica e de Ética de Enfermagem, pois requerem participação multiprofissional e multidisciplinar.

Do Capítulo III ressalta-se a presença das definições e dos princípios norteadores da experimentação. São discutidos diversos tipos de delineamento de pesquisa: estudos cegos, duplo-cegos e estudos multicêntricos, destacando-se as fases das pesquisas realizadas com fármacos e vacinas, talvez um dos pontos mais controversos no campo da pesquisa médica.

No Capítulo IV, os autores abordam a relação ética da pesquisa com os novos campos abertos pelo avanço das ciências biomédicas a partir dos anos 60. Período oriundo das transformações do pós-guerra, aportando significantes transformações no campo científico, obrigam o Homem a tomar novas e inusitadas decisões de caráter ético relacionadas com a natureza e os limites da vida humana: transplantes, clonagem, engenharia genética, reprodução assistida.

Neste capítulo ainda é encontrado um detalhamento do conteúdo das declarações internacionais e das normas vigentes em nosso país que estão voltadas para pesquisas em seres humanos.

Finalizando, do escrito pelos autores pode-se dizer que fazem a defesa, fundamentados no princípio da eqüidade de que as pesquisas sejam analisadas à luz da comprovação de sua relevância social e científica, garantindo igual consideração dos interesses de todos os participantes envolvidos.

Assim sendo, a validade ética da pesquisa no setor público sanitário necessita que haja compatibilidade entre a utilização de escassos recursos disponíveis com o maior benefício possível a ser ofertado às pessoas e à coletividade, pois, do contrário, se estará aprofundando as desigualdades sociais iníquas ainda existentes em nosso meio.

Paulo Antonio de Carvalho Fortes
Professor Livre-docente da Faculdade de Saúde Pública da USP


Revista de Direito Sanitário



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