Norberto O. Ferreras
Departamento de História/UFF
GRIMSON, Alejandro (compilador). 2007. Pasiones Nacionales. política y cultura en Brasil y Argentina. Buenos Aires: Edhasa. 634pp.
O livro coordenado por Alejandro Grimson pretende realizar uma análise comparada da forma com que a Argentina e o Brasil constroem as suas identidades nacionais, estudando o que o organizador denomina de "Paixões". Reunidos aqui estão práticas e comportamentos que vinculam e separam ambas as nações, transitando pelas mais diversas áreas, como esportes, cultura, meios de comunicação e política, e determinando nelas quais são as que permitem realizar uma análise comparativa. Certamente o ponto de partida, devido à origem da maior parte dos pesquisadores que integraram a equipe, é a Argentina. Mas a escolha referencial deste interessante ponto de partida para a análise é o Brasil, mostrando o amadurecimento da aproximação das ciências sociais argentinas com este país.
A ideia do projeto vem de Alexis de Tocqueville que, em A Democracia na América, pretendia compreender os "hábitos do coração", incluídos aqui as ideias, as opiniões e os costumes dos povos - aqueles que permitem a formação dos "hábitos do espírito". No Prólogo do livro, José Nun, o primeiro coordenador deste projeto, entende que é preciso estabelecer quais são os hábitos do coração e do espírito. Isto é central, no caso de se promover um estudo comparado entre a Argentina e o Brasil, tentando explicar, do ponto de vista cultural, a dinâmica dos atores sociais e dos políticos contemporâneos.
Para avançar nesta direção, segundo Alejandro Grimson que concluiu a coordenação desta pesquisa, o programa de Tocqueville permite superar os possíveis mal-entendidos, as desconfianças e a consequente falta de comunicação entre os atores de ambos os países. É por isto que vários dos colaboradores deste livro compartilham o fato de serem brasileiros ou de terem realizado os seus estudos de pós-graduação no Brasil.
Para compreender a adesão dos cidadãos dos dois países às respectivas nações, os pesquisadores desenvolveram variados estudos envolvendo as fontes e os enfoques mais diversos. Do ponto de vista teórico, estes autores partiram de uma perspectiva "experiencialista" para compreender a questão nacional, deixando de lado enfoques "essencialistas, ou primordialistas", ou "construtivistas", por serem demasiado restritos em suas possibilidades analíticas. A perspectiva "experiencialista", por outro lado, parte do princípio de que os membros de um país compartilham experiências históricas significativas que, sedimentadas, permitem que a diversidade e a desigualdade desses países se traduzam segundo os modos de imaginação, cognição, sentimentos e práticas que apresentem elementos em comum. Assim, a identidade nacional aparece como o resultado de um processo histórico e político, enfatizando a questão de que esses processos precisam decantar a configuração de dispositivos culturais e políticos relevantes. Ou como apresenta Raymond Williams em Marxismo e Literatura, estabelecer o vivido historicamente no "processo social total".
Ao se determinar ser a nação uma construção social, o desafio dos autores foi o de compreender o êxito ou o fracasso dessas construções, entendidas conforme a possibilidade de que elas possam ser instrumentalizadas pelos membros de cada nação na compreensão da vida social e política. Certamente que essas construções são configurações complexas e cambiantes, pelo fato de serem espaços de diálogo e disputa entre os diversos atores sociais.
O livro centra grande parte das suas análises em estabelecer quais são os processos ou os fatos sociais totais e em construir parâmetros comparativos entre a Argentina e o Brasil. Determinar quais parâmetros de comparação são plausíveis não é um elemento menor, porque define o grau de comparatividade entre as duas sociedades. A comparação histórica, do ponto de vista metodológico e tal como dizia Marc Bloch em 1928, deve ser vista como um recorte particular do objeto que nos leva a escolher entre duas sociedades diferentes, com a finalidade de se chegar a conclusões mais abrangentes. Neste caso, nós nos referimos a uma comparação de tipo sincrônica e, ao mesmo tempo, com um alto nível de analogia, o que faz com que a escolha dos processos sociais totais seja menos difícil do que poderia parecer à primeira vista.
Os 12 capítulos que compõem este livro estão distribuídos de forma a construir um arcabouço interpretativo. Numa primeira instância, aprofundam-se as análises dos atores principais de ambos os lados da fronteira: a Sociedade e o Estado. O primeiro capítulo do livro, escrito por Inés Pousadela, desenvolve uma detalhada análise sobre a relação existente entre políticas públicas e cultura política na Argentina e no Brasil. Neste capítulo, Pousadela tenta compreender o porquê de os dois países, com instituições similares, terem comportamentos políticos diferentes. E a resposta estaria justamente nas diferentes Culturas Políticas. Os fatores considerados para estudar tais culturas são: as relações entre gradualismo e "rupturismo" e entre o longo e o curto prazo na política; a organização do espaço e o federalismo. Também se analisam os modos de relacionamento político e como é exercido o poder político em ambos os países. Para uma análise mais aprofundada, a autora remete a um estudo das políticas públicas em relação ao Ensino Superior. No capítulo seguinte, a mesma Inés Pousadela apresenta a relação que argentinos e brasileiros mantêm com a representação política, e como a mesma tem se modificado ao longo do processo de redemocratização até se chegar à crise de representações que se seguiu ao período de instauração da radicalização das políticas de mercado nos anos 1990.
Na parte seguinte, o foco está centrado na Sociedade. No capítulo terceiro, Pablo Semán e Silvina Merenson estabelecem mapas sociais das sociedades argentina e brasileira. Em ambas as sociedades o conflito social tem um papel fundamental na sua estruturação, mas na Argentina ele operaria como uma força centrípeta e, no Brasil, como uma força centrífuga. No capítulo seguinte, Gabriel Kessler apresenta os princípios da justiça distributiva nos dois países de um ponto de vista qualitativo. Como em outros capítulos, este autor tenta compreender de que maneira os formadores de opinião e os atores sociais vinculados às classes médias de ambos os países entendem a justiça distributiva, analisando políticas de transferências de ingressos e políticas impositivas.
A partir deste ponto, o livro volta-se para as representações sociais e para os "processos sociais totais". Assim, temos uma análise sobre a percepção da História e a forma com a qual ela contribui para a conformação de identidades nacionais e a relação entre intelectuais de massas e a nação. Estes dois capítulos foram desenvolvidos por Pablo Semán e Silvina Merenson, sendo que naquele sobre os intelectuais contaram com a co-autoria de Bernardo Lewgoy. Esta última é uma tarefa difícil, pois é preciso estabelecer quem são os intelectuais de massas e qual a sua inserção social, para depois ver de que forma contribuem para a construção das identidades nacionais.
O sétimo capítulo, escrito por Ronaldo Helal, e o oitavo, por Renata Oliveira Rufino, mergulham em dois fenômenos culturais e sociais de massas: o futebol e as novelas. Estas, e quem sabe ainda mais o futebol, constituem de forma mais acabada os "processos sociais totais". O futebol é capaz de mobilizar os dois países em momentos específicos e se tornar o resumo das identidades culturais, principalmente no momento da Copa do Mundo. A novela, por sua vez, se não é um resumo, é um compêndio da maneira com que se manifesta a cultura de massas. A novela é um subtexto que perpassa a sociedade, é um elemento que permite instrumentalizar o relacionamento intersocial.
Os dois capítulos seguintes colocam espelhadamente as formas com que a nação é assimilada pelas populações na Argentina e no Brasil. No capítulo 9, Alejandro Grimson, Mirta Amati e Kaori Kodama analisam, de maneira diacrônica, os rituais cívicos e as comemorações pátrias, para entender os usos e as práticas em torno delas e as suas implicações na incorporação dos valores republicanos. No capítulo seguinte, Alejandro Grimson e Mirta Amati investigam como esses valores tomam corpo em determinados símbolos oficiais, a bandeira por exemplo, e não-oficiais, como as figuras esportivas ou das artes. Estes símbolos encarnariam valores positivos ou negativos na adesão a um Estado.
Nos dois últimos capítulos, entra em cena um novo objeto, o MERCOSUL e a sua possibilidade de existência como articulador das relações entre a Argentina e o Brasil. Silvia Merenson trata esta questão do ponto de vista da construção das imagens da alteridade, indagando sobre estereótipos e as relações especulares entre as duas nações, e como o MERCOSUL deveria ser o espaço neutro e de encontros. O último capítulo, a cargo de Alejandro Grimson, apresenta o MERCOSUL como um espaço a mais entre outros espaços possíveis de integração, como a América Latina ou a América do Sul. Este autor também avança em direção ao sentimento de nacionalismo e como ele pode ser um empecilho ou um apoio na hora da integração.
Para finalizar, devemos mencionar que este livro é produto de um projeto financiado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), originalmente coordenado por José Nun, depois nomeado secretário de cultura do governo de Néstor Kirchner, dando lugar a Grimson, na função de organizador do projeto. Podemos pensar então que este projeto é parte de uma política de aproximação entre a Argentina e o Brasil.
Este livro tem um objetivo acadêmico, que é o de estimular os estudos comparados entre Argentina e Brasil e a compreensão da sociedade argentina através do contraste com uma sociedade próxima, como é o Brasil. Mas também faz parte de um esforço da intelectualidade argentina de compreender o Brasil, já não como rival ou inimigo, como declarava um século atrás o ministro das Relações Exteriores argentinas, Estanislao Zeballos. O que os autores do livro pretendem é compreender o Brasil por ser ele o principal parceiro econômico da Argentina e, fundamentalmente, o principal parceiro na integração regional.
Revista Mana
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