Os pobres são enganados quando julgam que as crianças devem beneficiar de uma escolaridade. Que isso seja uma promessa como na América latina, ou uma realidade como nos Estados Unidos, tanto num caso como no outro o resultado é o mesmo: esses doze anos de escola fazem das crianças do Norte, deserdadas e adultos inválidos, porque sofredoras, e das crianças do Sul, desalentadas e atrasadas, porque não se sentem beneficiárias. Nem no Norte, nem no Sul as escolas asseguram a igualdade. Pelo contrário, a sua existência desencoraja os pobres, torna-os incapazes de tomar nas suas próprias mãos a educação. Em todo o mundo a escola prejudica a educação, porque arroga-se como a única forma de a dar. E muitos acabam por acreditar que os seus insucessos próvam que a educação é uma tarefa dispendiosa, de uma incompreensível complexidade, e que releva de uma alquimia misteriosa – a pesquisa é – porque não ? – a pedra filosofal.
A escola apropria-se do dinheiro, dos homens e das boas vontades disponíveis para a educação, e , ciosa do seu monopólio, esforça-se em proibir as outras instituições que assumem as tarefas educativas. Além disso , ela desempenha um papel importante nos hábitos e nos conhecimentos que são requisitos para as diferentes actividades da vida social, quer seja no trabalho, os lazeres, a política, a vida na cidade, e até dentro da própria família. Ela não permite a estas diversas actividades tornarem-se meios educativos privilegiados, mesmo quando os preços dos estabelecimentos de ensino se tornam proibitivos…
Os estabelecimentos de ensino levam-nos a uma situação paradoxal: precisam cada vez mais de dinheiro e uma tal escalada orçamental só conduz ao reforço do seu poder de destruição quer nos países que aceitam esse esforço financeiro como no plano internacional. No momento em que se torna visível que o nosso meio físico está ameaçado pela poluição, e em breve ficará inabitável se não tomarmos cuidado e não mudarmos os métodos de produção, talvez seja altura de nos apercebermos que existem outras formas de poluição. A vida social, a existência do indivíduo, são envenenados pelos subprodutos da segurança social, da saúde, considerados como produtos de consumo obrigatório e concorrenciais.
Esta escalada» em matéria escolar é tão perigosa quanto a dos armamentos, sem que tenhamos muito bem consciência disso. Trata-se de um fenómeno geral: por todo o lado os orçamentos escolares enchem desmedidamente, mais que o número de alunos e o produto nacional. Por todo o lado, os créditos alocados se mostram insuficientes e não respondem às expectativas dos pais, dos professores e dos alunos, e embora o problema dos não-escolarizados seja esquecido torna-se impossível encontrar os capitaos e as vontades necessárias para tentar arranjar uma solução.
Excerto do livro Uma sociedade sem escola, de Ivan Illich (1926-2002)
Ivan Illich nasceu em Viena Frequenta os estabelecimentos religiosos até 1941. Expulso pelas leis anti-semitas acaba por terminar os seus estudos secundários em Florença., antes de se formar em Teologia e em Filosofia na Universidade gregoriana de Roma. Quando o Vaticano se preparava para o nomear para a carreira diplomática, ele escolhe ser o vicário duma paróquia em Nova Iorque. Vice-reitor da Universidade católica de Ponse ( em Porto Rico) entre os anos de 1956 a 1969, depois professor na Universidade Fordham ( New York), ele abre em 1961 o Centro Intercultural de Documentação (Cidoc) no México onde ele tenta aplicar as suas teorias sobre a escola, a convivialidade ou a energia.