Ciências Humanas e Sociais
Moésio, um anarquista graças a Deus, ou às Deusas?
(reproduzimos uma entrevista que nos chegou por correio electrónico dada pelo nosso amigo e companheiro libertário Moésio ao jornal Vila Nova, acerca do seu activismo eco-libertário no Cubatão, região em que reside.)
Nome: Oficialmente Moésio Rebouças, informalmente Peixinho Chuva de Fogo.
Formação: Jornalista, mas aprendi mais com a biodiversidade e mistério da vida que qualquer banco escolar
Idade: Existe uma sabedoria indígena que diz que falar a idade para desconhecidos é abrir um pouco da alma, sendo assim, não vou abrir totalmente minha alma para tantos leitores e leitoras desta entrevista que não conheço cara-a-cara, mas já passei dos 30. [risos]
Jornal Vila Nova - Há quanto tempo você é anarquista?
Moésio Rebouças - Desde meados da década de 80. Ainda adolescente abracei com muita paixão as ideias e práticas libertárias, que no início do século passado já teve muita tradição na nossa região, inclusive em Cubatão, basta conhecer um pouco da história de Afonso Shimidt, Martins Fontes.
E que fique bem claro que anarquismo não tem nada a ver com bagunça, como muitos pensam, mas pelo contrário, anarquia é a vida lutando contra a morte, em todos os sentidos.
JVN - Como nasceu o seu interesse pelo Meio Ambiente?
Moésio - Nasceu junto com o anarquismo, com essa coisa de querer ser livre, viver sem opressões, nem oprimir nenhum ser vivo da Terra, respeitar todas as formas de vida. E isso vem se radicalizando com o passar do tempo, pois nunca na história humana a Mãe Terra foi tão agredida pelo homem civilizado, não é à toa que o clima enlouqueceu, de tantos desastres ecológicos, tantos animais em extinção, florestas... Cada vez mais o inconformismo e a acção fazem sentindo, virou questão de sobrevivência.
JVN - Você acredita na implantação do Turismo em Cubatão, mesmo com a existência do Pólo Industrial?
Moésio - Esse de Cubatão eu não acredito, pois está sendo feito sem nenhum estudo de impacto ambiental, por pessoas gananciosas, sem sensibilidade, que só vêem a natureza como um negócio, um trampolim político. Natureza não é negócio, muito menos politicagem! Eu acho surreal esses roteiros eco-turísticos da secretária de turismo, pois ao mesmo tempo que estás navegando num rio você encontra beleza, mas também lixo, cheiro ruim, aquele visual sinistro das indústrias... Um dia estava descendo a estrada velha, e lá no alto muita beleza, ar praticamente puro, mas quando chega no pé da serra, perto da petrobrás, um cheiro enorme de gasolina... [risos]
Sinceramente eu prefiro o “turismo” do boca-a-boca, de menos impacto. Hoje já há estudos contra a indústria do turismo, pois se o projeto não for bem feito, essa indústria acaba acelerando a destruição da natureza. Eu sou um pouco romântico, e não acredito muito na perfeição deste casamento entre natureza e indústrias, ademais de indústrias pesadas, petrolíferas, químicas etc.
JVN - Qual a sua maior preocupação em relação ao Meio Ambiente?
Moésio - Caramba, são tantas, não daria para apontar tudo nesta entrevista, até porque não defendo só o meio da nossa cidade, mas defendo a Mãe Terra como um todo. Um desastre, uma agressão à vida que acontece na Índia, por exemplo, também me afecta, tem consequências aqui. A poluição não reconhece fronteiras, e a defesa da Mãe Terra também não. Enfim, é aquela história, pensar globalmente, agir localmente.
Mas especificamente sobre Cubatão há vários problemas, desde a poluição dos nossos rios, poluição sonora, visual; poluição dos mangues; poluição do ar, através da emissão de co2 por uma quantidade cada vez maior de caminhões e carros que circulam no centro de Cubatão, como no seu entorno; poluição das indústrias, o descaso aos parques ecológicos de Cubatão, tanto das autoridades locais, como dos próprios moradores de Cubatão, que são os primeiros em sujá-lo, agredi-lo... Enfim, a fauna e flora de Cubatão vêm sofrendo muito ao longo de décadas, e parece que isso continuará por muitos anos ainda. O panorama não é dos melhores, infelizmente.
JVN - Qual a sua opinião sobre os trabalhos realizados até aqui pelas Secretarias Municipais de Turismo e Meio-Ambiente?
Moésio - Um horror! Como o espaço é curto, vou falar só da secretária do meio ambiente, mas a secretária de turismo não fica muito atrás não, pelo contrário. Aliás, acho o actual secretário de turismo e cultura um falastrão, que gosta muito da política do “pão e circo”, quer dizer, mais circo do que pão, é assim que ele cala e domestica às consciências. Longa história.
Mas, para começar, o secretário do meio ambiente nem de Cubatão é, não mora aqui, não sente essa cidade no dia-a-dia. Eu pergunto, qual é a relação histórica e sentimental deste senhor com Cubatão? Nenhuma! Será que este senhor já andou de bicicleta pelas trilhas no pé da serra, sentiu o vento beijar seu rosto? Será que ele já passou uma noite no pé de alguma cachoeira de Cubatão, com a companhia de vaga-lumes? Será que ele já se embrenhou nas matas desta cidade e avistou um casal de preguiças, ou outros animais? Duvido! A relação dele é tecno-burocrática, é de politicagem, para não falar outras coisas.
Este senhor deveria aprender que ecologia não é fazer marketing verde com projectos de “educação ambiental”, não é financiar ONG’s que estão mais para OPG’s, ou seja, Organizações Pró-Governamentais. É ir muito além, é defender a natureza com unhas e dentes, ter sensibilidade, ter coragem de denunciar as grandes indústrias. É amar a água, o ar, a terra...
Para você ter uma ideia da demagogia, da falta de sensibilidade e vergonha na cara destes senhores, é que a prefeitura com apoio das secretárias de turismo e meio ambiente, realizaram um evento no verão de 2006 lá no Parque Ecológico do Perequê, e diga-se de passagem um evento que foi um verdadeiro desastre e agressão ao meio ambiente. Se você fosse no outro dia do evento, após aqueles shows, encontrava o parque detonado de sujeiras de todos os tipos, a trilha machucada com tanto impacto promovido por milhares de pessoas subindo e descendo sem um mínimo de respeito com a natureza, a trilha cheirando a merda e mijo e tudo mais. Aquela trilha do Perequê não é um lixo porque eu e outras pessoas gostamos e admiramos aquele lugar, sempre estamos ali limpando as trilhas, recolhendo os lixos, tarefa que a própria prefeitura não faz. Aliás, no entorno do parque, não tem uma lixeira da prefeitura! E isso há anos!
Mas o que queria dizer especificamente, é que se você for ao parque hoje, encontrará lá dentro restos de madeiras e entulhos da própria prefeitura, e até barra de ferro, e isto tudo está lá desde o verão, desde a organização deste evento. Um absurdo! Um total descaso! E isso sem falar da poluição visual do parque, com aqueles bancos horrorosos de concretos com propagandas que colocaram lá, da sujeira que fica no entorno do parque, que estão lá há meses, anos, dos caminhões que estacionam lá na beira do rio e fazem sua limpeza com a água do rio. Enfim, poderia falar aqui sobre uma série de absurdos que acontecem nas áreas verdes de Cubatão, de tanta demagogia e descaso ao meio ambiente. Em resumo, o que vejo é muita hipocrisia verde.
JVN - Que sugestões você daria para melhorar Cubatão?
Moésio - Quem faz uma cidade bonita, moderna, feliz, que respeita todas as formas de vida, são as pessoas que nela vive, mas, infelizmente, as pessoas que moram em Cubatão, na sua maioria, não se envolvem nas questões da sua cidade, deixam tudo nas mãos de políticos oportunistas e inescrupulosos, aí já viu. A meu ver, as pessoas têm que se informar, pois um povo bem informado, não é enrolado com conversa mole de políticos demagogos, forasteiros, e nem se vende por um empreguinho, ou presentinhos. A população tem que se juntar, se organizar à margem de partidos, e fazer valer a sua voz, seus direitos, lutar contra tanto descaso, roubalheira e oportunismo nessa cidade tão rica em dinheiro, mas pobre de espírito, de carácter, de dignidade... com alma tão opaca. Uma cidade não se constrói só com dinheiro, mas com pessoas dignas, inteligentes, fortes, com almas iluminadas. As pessoas têm que aprender a se revoltar, afinal revolta é vida, é sinal que um povo está vivo, que estamos vivos. Não sei, confesso que sou bastante desiludido com as pessoas desta cidade, se as pessoas continuarem assim, amorfas, alienadas, submissas... Cubatão continuará sendo o que é.
JVN - Qual a sua opinião sobre a Agenda - 21?
Moésio - Eu costumo dizer que do alto só vem mentiras, demagogia, conversa mole, e do que pude perceber na reunião no bloco cultural do último dia 18 de Abril, o futuro de Cubatão é sinistro. Aquele dia foi um dos dias mais deprimentes da minha vida, pois, se for levado à efeito, se se concretizarem os projectos das indústrias, via Fiesp, Ciesp, Cubatão será transformada num inferno. Essa cidade não suportará tanta agressão ao meio ambiente, à vida em geral. Eu fico só imaginando Cubatão no ano 2020, com uma população de mais de 150 mil pessoas, mais favelas, mais sub-empregos, um monte de carros e caminhões cortando a cidade, muito co2 no ar, poluição visual e sonora, os rios ocupados por navios de médio e grande porte, a fauna e flora sendo agredidas por tantos empreendimentos de médio e grande porte... Isso é progresso?
Enfim, Cubatão não seria Zanzalá, mas o caos. E o triste é perceber que a própria prefeitura apoia esses projectos megalomaníacos, de grandes empresários que nem em Cubatão moram, e só querem dinheiro, lucros, em detrimento da qualidade de vida das pessoas que moram aqui. Lamentável.
Entrevista conduzida por Roberto Costa - Jornal Vila Nova - Edição 21/04 a 27/04 de 2006
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