Ciências Humanas e Sociais
José Sequeira, operário corticeiro, anarco-sindicalista e resistente anti-fascista de Silves
«Não queremos autómatos obedientes, nem serventuários! Queremos homens livres!». José Sequeira, operário corticeiro, anarco-sindicalista de Silves
Texto recolhido do blogue:
http://abril-de-novo.blogspot.com/
Hoje falámos, muito justamente, de José dos Reis Sequeira, na altura em que se comemora o 102.º aniversário do seu nascimento, pois nascera em Silves a 28 de Junho de 1907.
José Sequeira pertenceu à última e memorável geração de militantes anarco-sindicalistas, conservando-se sempre fiel aos seus princípios ideológicos, mesmo contra ventos e marés, e que lutou com denodo contra a desarticulação do movimento operário e sindical, numa fase já de alguma debilidade e desmobilização.
Em 1918, menino de 11 anos, começou na labuta da vida como aprendiz e mais tarde operário corticeiro, aderindo aos 14 anos, corria o ano de 1921, aos ideais das Juventudes Sindicalistas. Militou igualmente nos organismos libertários, como o “Grupo Terra e Liberdade” (1923), de âmbito nacional, na associação anarquista regional “Grupo Libertário Mártires 22 de Junho” (1924), e na Federação Anarquista da Região Portuguesa (1937).
Participou activamente na grande luta sindical dos operários do sector corticeiro de Silves, em 1924, barbaramente reprimida pelos democratas da 1.ª República. A violenta carga policial deixou um rasto de sangue, feridos e um morto.
Veio a ser eleito para o cargo de primeiro-secretário do Sindicato dos Operários Corticeiros do Algarve em 1929, já em plena Ditadura Militar, época de repressão ímpar. Foi igualmente director da Associação de Classe dos Operários Corticeiros, dentro do espírito de cultura popular e resistência dos trabalhadores, no âmbito ideológico do sindicalismo e do anarquismo. Dirigiu também a cooperativa de consumo operária A Compensadora.
Prosseguiu com a sua militância activa contra a ditadura fascista, resistir era preciso, «actividade que […] teimava manter», mesmo perante a «situação repressiva em que vivíamos» e a «vigilância da polícia política que não dava tréguas aos activistas sociais»[1].
Foi detido pela primeira vez em 1927, durante uma onda repressiva a propósito de uma explosão em Moncarapacho, sendo libertado pouco depois. Seria novamente preso em Agosto de 1931, aquando de uma greve no Barreiro, e detido ainda a 4 de Outubro de 1935, na vigência do Estado Novo salazarista, acusado de conspiração contra a segurança nacional e ligação a grupos anarquistas.
Estivera envolvido no movimento revolucionário de 18 de Janeiro de 1934, uma acção revolucionária contra a institucionalização da violência e advento do fascismo. Em Silves, um Comité Revolucionário[2] composto por anarquistas, sindicalistas, anarco-sindicalistas e comunistas[3], ao qual pertencia José Sequeira, dirigiu a luta contra a «fascização dos sindicatos operários».
Organizaram uma manifestação de rua, a greve no sector dos corticeiros e o assalto à sede do Sindicato dos Operários Corticeiros, encerrado pelas autoridades administrativas, onde içaram a bandeira vermelha[4]. A adesão à «greve geral insurreccional» limitou-se a focos significativos na Marinha Grande, Barreiro, Almada, Lisboa e Silves[5].
Encarcerado no Forte de Peniche, julgado em sessão plenária do Tribunal Militar Especial de Santa Clara, condenado a 20 meses de prisão celular por sentença de 5 de Fevereiro de 1936, e deportado para a Fortaleza de São João Baptista, em Angra do Heroísmo, a 17 de Outubro de 1936. Seria restituído à liberdade, tão-somente a 8 de Agosto de 1938, após 35 meses de calabouço e privação da liberdade, ele que fora apenas condenado a 20 meses de prisão. Era assim a justiça fascista.
Durante esse tempo amargo de prisão, pretendeu seguir estudos, sonhando com «projectos de preparação liceal», pois tinha só a quarta classe, sendo expressamente impedido de tal, para além de sofrer toda a espécie de restrição de acesso a «livros, nem jornais, por motivo de castigos colectivos infligidos pelas autoridades prisionais».
No cárcere foi um dos organizadores e redactores do boletim manuscrito clandestino dos anarquistas presos nos Açores, editando com Virgílio Barroso o BRADO LIBERTÁRIO[6]. Seria igualmente redactor e colaborador desde a fundação do jornal anarquista TERRA E LIBERDADE, no início da década de 1930.
Colaborou também com o periódico A RAJADA, fundado em Silves por Mateus Gregório e João Brás Machado, em 1935. Era representante e distribuidor clandestino do jornal REBELIÃO[7], publicado pelos expatriados da Federação Anarquista dos Portugueses Exilados em Espanha, em 1932-1938.
Dentro do espírito de resistência antifascista, pertenceu ao MUD – Movimento de Unidade Democrática, em 1945, organização unitária de oposição ao Estado Novo, altura em que colabora com o jornal anarquista A BAT ALHA, cuja 5.ª série tinha reaparecido. Em 1949 foi cooptado para o Comité Sindical do Conselho Confederal da Confederação Geral do Trabalho.
Depois da madrugada libertadora de 25 de Abril de 1974, integrou o Centro de Estudos Libertários e o colectivo editorial de A BATALHA[8], colaborando em especial nas colunas do mensário VOZ ANARQUISTA[9], editado em 1975 pelo Grupo Libertário de Almada.
Em 1978 publicou um livro de reminiscências políticas, titulado “Relembrando e Comentando (Memórias de Um Operário Corticeiro) 1914-1938”, importantíssimo testemunho para a História do movimento operário, sindical e anarquista das décadas de vinte e trinta do século XX, vital para a compreensão do período final da 1.ª República e primórdios do Estado Novo.
Este homem honestíssimo, duma ética sublime e coerência a toda a prova, faleceu a 1 de Outubro de 1999, em Marinhais da Serra, lugar da freguesia de Samora Correia, aos 92 anos de idade, após um longa vida de luta, com nobre espírito de militância e iniciativa, consciente da dignidade do trabalhador, sem jamais se apartar um milímetro do essencial: anarquismo e liberdade.
Uma vez disse-me de viva voz, a sua máxima filosófica: «Não queremos autómatos obedientes, nem serventuários! Queremos homens livres!». Ainda hoje, volvidos mais de trinta anos, penso nesta espantosa frase. Todos os dias.
[1] José dos Reis Sequeira, Relembrando e Comentando (Memórias de Um Operário Corticeiro): 1914 – 1938, Lisboa, A Regra do Jogo, 1978.
[2] José Correia Pires, Memórias de Um Prisioneiro do Tarrafal, Lisboa, Deagá, 1975.
[3] O Comité Revolucionário de Silves era composto pelos seguintes elementos: José Sequeira, Virgílio Pires Barroso, Manuel Pessanha, João da Conceição Valério, Domingos Passarinho, Abatino Luz da Rocha, António Estrela, António Neves Baptista, Pedro Baptista, José Gonçalves Rita, António do Rosário (todos anarquistas, anarco-sindicalistas ou sindicalistas) e José Gonçalves Victor (do PCP).
[4] ANTT – PIDE/DGS, processo 1055/A/C/F/SPS; processo RGP – 160, fl. 1.
[5] A «greve geral insurreccional» teve episódios, de menor ou maior importância, na Marinha Grande, Anadia, Leiria, Coimbra, Póvoa de Santa Iria, Xabregas, Benfica, Lisboa, Almada, Cova da Piedade, Barreiro, Seixal, Cacilhas, Vila Boim, Setúbal, Sines, Martingança, Portimão e Silves.
[6] Edgar Rodrigues, Breve História do Pensamento e das Lutas Sociais em Portugal, Lisboa, Assírio & Alvim, 1977.
[7] Manuel Loff, A memória da Guerra de Espanha em Portugal Através da Historiografia Portuguesa, in “Ler História”, n.º 51, Lisboa, 2006, pp. 77-131.
[8] O primeiro número da 6.ª série de A BATALHA foi publicado a 21 de Setembro de 1974, sob direcção de Emídio Santana.
[9] A VOZ ANARQUISTA era dirigida por Francisco Quintal, poeta e tradutor.
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