A princípio, é justo admitir que os recursos naturais de um país sejam bens públicos. Boa parte deles (terras, solos, águas) é indispensável à vida social e não existiriam sociedades se eles não fossem, ao menos parcialmente, utilizados de forma a beneficiar grupos humanos amplos. É certo que, ao longo da história mundial e nas sociedades modernas, vários desses recursos foram privatizados. Porém, essa forma de organizar o acesso aos recursos não exime os Estados de realizar políticas, ações e ordenamentos jurídicos para garantir que os recursos naturais sejam bem utilizados e que as populações não sofram com a escassez de recursos que estão monopolizados nas mãos de poucos.
Além desse aspecto, é obrigação dos órgãos governamentais, especificamente, e públicos em geral, zelar pelo uso racional e sustentável e, também, pela conservação dos recursos naturais presentes no território, seja em áreas públicas, seja em áreas privadas, que, por sua vez, devem seguir regras públicas.
Neste último capítulo será discutido um breve panorama da gestão pública dos recursos naturais, uma preocupação pouco presente na agenda política nacional, a não ser recentemente, quando se percebem sinais e esforços sobre a necessidade de gerir bem esses recursos, que embora indispensáveis, podem desaparecer.
Natureza e recursos naturais são sinônimos? Recurso para quem? Tudo na natureza é recurso natural para o ser humano? Ou, mais detalhadamente: Tudo o que hoje é recurso natural para o ser humano também era recurso natural para os nossos antepassados?
Recurso natural é o conjunto de elementos da natureza importantes para a vida humana, valorizados diferencialmente pelos seres humanos segundo a época e as diversas culturas.
A idéia de recursos naturais tem o ser humano no centro, e não a natureza. Um exemplo, entre outros, pode mostrar como os recursos naturais mudam segundo culturas e épocas históricas: o urânio é o que chamamos hoje de recurso mineral, importante matéria-prima que, processada, torna-se combustível para obtenção de energia nuclear, empregada na geração de eletricidade, nos transportes, além de servir também para importantes aplicações na medicina. É um recurso natural para a sociedade contemporânea, em razão de uma dada tecnologia desenvolvida. Mas não era para as sociedades do passado. E quem sabe não será também para as sociedades do futuro, visto que se trata de um recurso aplicado a uma tecnologia inicialmente utilizada para a fabricação de armamentos e que ainda não tem uso civil muito seguro; por tudo isso, pode vir a ser desprezado.
O exemplo do urânio serve para mostrar o caráter mutante da idéia de recurso natural.
Não há mudanças somente quanto ao que é recurso para uma ou outra cultura. Atualmente, há outras mudanças importantes sobre o modo como o ser humano se relaciona com os recursos naturais: são mudanças éticas. A nova leitura ética sobre essa relação pergunta: É justo que os seres humanos usem os recursos naturais considerando apenas seus interesses e de tal maneira que leve à extinção outros seres vivos? É justo que as sociedades contemporâneas usem incessantemente os recursos naturais, sem os cuidados devidos, desperdiçando de modo a não haver garantia de recursos para as gerações humanas futuras?
Cuidados com os outros seres vivos e com as gerações futuras significam mudanças nas relações do ser humano com a natureza e com o que ele escolher como recurso natural. Algo nessa direção está sendo designado como desenvolvimento sustentável. É importante lembrar que há recursos naturais renováveis e não renováveis, cujo uso e gestão deve ser considerado de forma muito diferente, dentro do conceito de desenvolvimento sustentável.
O nascimento de uma preocupação: a gestão dos recursos naturais
Vamos ler um importante texto, ?Gestão dos recursos naturais?, na página 36 e 37 do caderno do aluno, que aponta, tendo como perspectiva, as novas preocupações éticas, a sustentabilidade e o caminho a ser trilhado pela gestão pública dos recursos naturais.
O texto começa com uma lista de estratégias que devem ser implementadas. Deve-se ressaltar que todas partem do princípio de que os recursos naturais são bens que têm uma dimensão pública, e que devem ser tratados assim; por isso, a proposição da máxima participação dos cidadãos.
A segunda parte do texto levanta algumas condições necessárias para criar idéias e políticas de gestão dos recursos naturais, que, conforme os princípios da sustentabilidade, são bens públicos e devem ser tratados como tal. Além disso, aponta a importância do conhecimento do meio natural e de algo bastante discutido anteriormente: as interações entre os meios abióticos (domínios naturais = litosfera + hidrosfera + atmosfera) e o meio biótico (meio ambiente = domínios naturais + vida).
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, aprovou um documento denominado Agenda 21, que contava com uma série de compromissos entre os países que o assinaram e que assumiram o desafio de incorporar em suas políticas públicas ações com vistas a um desenvolvimento sustentável. A idéia era que os países criassem para suas realidades específicas uma Agenda 21 Nacional, e isso foi realizado no Brasil, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente. O texto apresentado vem do documento elaborado pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional.
Leia um pequeno trecho da Constituição Federal do Brasil, na página 38 do caderno do aluno.
Estão observando algo que pode ser designado como nova preocupação ética no que se refere à nossa relação com a natureza e, por consequência, com os recursos naturais? Notam que a idéia de sustentabilidade está, de algum modo, incorporada em nossa lei maior? Notam que este trecho da Constituição se harmoniza, de modo geral, com o texto da Agenda 21 brasileira? Na Agenda 21 brasileira, os recursos são tratados como bens públicos? Há investimentos no conhecimento desses recursos?
A seguir, alguns exemplos de recursos naturais. Há muitos outros, que podem ser regionalizados e aplicados às realidades locais. O que importa é encarar essa realidade e ter a oportunidade de perceber o quanto há por fazer na área de gestão pública dos recursos naturais do Brasil:
- O recurso solo: no Brasil, o uso predominante do solo é na agropecuária. No entanto, mais de 1/3 (35,3%) do território é inadequado para as atividades agrícolas e para a pecuária. Apenas 4,2% são solos profundos, bem drenados, predominantemente de textura média ou argilosa, com fertilidade natural. São 35 milhões de hectares nessas condições. No Brasil, os solos não são bem tratados, perdas importantes são notadas, e áreas com solo em estado crítico são muito comuns. O conhecimento sobre a dinâmica dos solos e sobre as formas de conservação é crescente, mas a legislação e a fiscalização de proteção são frágeis;
- Os recursos hídricos: já estudado anteriormente, há muito o que saber e informar sobre águas subterrâneas (por exemplo, mais de 60% dos municípios brasileiros são abastecidos por águas subterrâneas) e sobre as políticas de proteção a esse recurso;
- Os recursos oceânicos e das zonas costeiras: representam, enquanto paisagem, recursos turísticos, mas são também fontes de alimentação e áreas de mineração, como a extração de petróleo nas plataformas continentais. O Brasil possui uma costa imensa (7 367 km) com várias metrópoles litorâneas e grandes preocupações com a poluição dessas áreas. Nelas, nota-se intensa ameaça à fauna marítima, além de outros prejuízos graves a esse manancial (fonte) de recursos;
- Os recursos biológicos (da diversidade biológica): as espécies vegetais desconhecidas podem beneficiar a humanidade de diversas formas, com aplicações na indústria farmacêutica, na culinária etc. Além disso, vale aqui o princípio ético de respeito à vida das outras espécies. Políticas de preservação e de gestão de recursos já existem (as Unidades de Conservação), mas, no Brasil, a implementação encontra grande resistência, pois não se enxerga aproveitamento econômico nas florestas, nem se vê sentido em preservar as formações por motivos éticos.