O jornal, com periodicidade semanal, tem como redactor Martins dos Santos. A partir do n° 51 tem o subtítulo "Semanário Defensor dos Oprimidos" A escolha da palavra Germinal como titulo também é significativa. Germinal, mês do calendário republicano instituído durante a Revolução Francesa, é também o título do famoso romance de Émile Zola, no qual os trabalhadores surgem como principais personagens. A obra de Zola é, nesta época, lida e divulgada em todos os meios de esquerda em Portugal.
Aurora da justiça
Na primeira página do primeiro número do jornal, França Borges explica o significado da palavra: "luta, revolta, destruição do passado, morte da iniquidade, construção do futuro, aurora de justiça, é isto que nos deixa ver esta palavra simples como todas as palavras de grande significado – Germinal”.
Ainda no n.º 1, o jornal fala da morte de Émile Zola, referindo que "Paris está solenizando o aniversário da morte deste glorioso romancista. Ao cemitério de Montmartre espera-se que hoje vão mais de 60.000 pessoas prestar homenagem ao grande lutador".
Acreditando no poder da educação como arma emancipadora, em Janeiro de 1905 o jornal anuncia a criação do Centro de Instrução Germinal, no qual existirá uma Escola Primária e se realizarão conferências. Na primeira página de 29 de Janeiro de 1905, observa-se a seguinte notícia: "Deve realizar-se brevemente a sessão inaugural do Centro de Instrução Germinal, logo que a inauguração se efectue, começa a escola a funcionar. O Gabinete de Leitura já se encontra aberto".
Exemplo das ideias radicais defendidas pelo jornal, são os vários números dedicados ao Dia do Trabalhador. Assim, logo em 1904, o Germinal considera, com lamento, que: "O operariado da região portuguesa não se revolta. Consente que o aviltem, que o escarneçam, que o roubem sem protesto. Não abandona as oficinas; pede por favor ao patrão para se mostrar revolucionário. A sentença de Marx (A emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores) é planta que não se consegue aclimatar em Portugal”.
No Germinal de 30 de Abril de 1905 a mesma atitude é reafirmada: "A jornada do 1º de Maio não é de festa antes é de luta. Não será com hinos e foguetes que os modernos escravos se libertarão da tutela aviltante da burguesia exploradora e sanguinária. Muito ao contrário os proletários só pela acção revolucionária conquistarão os seus direitos".
A propósito do militarismo, a primeira página do número dedicado ao 1°de Maio de 1906, expõe claramente os princípios libertários. "O soldado é um escravo. O quartel é um cárcere. Vai para as fileiras pela violência. Assim se firma a disciplina. Quem a mantém não é o amor pátrio é o medo do superior".
Por Bocage – revoltado e oprimido
No número comemorativo do Centenário de Bocage, o jornal proclama o direito de "reivindicar para a causa social, o imortal autor". Nesse mesmo número desenvolve as razões que o levam a encontrar na obra de Bocage, semelhanças com as posições do jornal. Sublinha que Bocage personifica “a poesia de sátira e de revolta contra os costumes e instituições da época: o Elmano Sadino soube causticar com a energia da sua autoridade de poeta consagrado, todos os que devido à corrupção mereciam ser atingidos pela dentada mordaz dos seus epigramas e das suas sátiras". Invoca para o poeta "o qualificativo de revoltado", sendo disso "provas mais que eloquentes as perseguições do Santo Ofício e ainda mais as de Pina Manique". Cita em apoio das posições anti-clericais, comuns a anarquistas e republicanos um verso de Bocage:
"Frades não fiz, de frades não preciso,
Quando o mundo souber o que são frades
Há-de extingui-los, se tiver juízo".
Num artigo intitulado "Em Honra de um Revoltado", um dos colaboradores do jornal reivindica Bocage para a causa popular, denunciando participações oportunistas nas comemorações. O poeta é o "eterno revoltado e por isso eterno perseguido", sendo merecidas "todas as homenagens que à sua memória se prestem". Mas essas homenagens "que as prestem só os que amam a liberdade como ele a amou, e de forma alguma os que, se ele vivesse hoje, seriam capazes de atirar com ele para as inóspitas plagas da África ou Oceânia, como inimigo da sociedade e perturbador das digestões laboriosas". Deve ser o povo a honrar" a memória de Bocage, o povo a que ele pertencia, o povo com quem ele viveu, o povo para quem escreveu (...) e mais ninguém".
Ainda a propósito do Germinal e do C
entenário, o poeta setubalense António Maria Eusébio, o Calafate, figura muito popular da cidade, calafate de profissão, a quem Guerra Junqueiro tinha prefaciado o livro “Versos do Cantador de Setúbal", esclarece em verso a verdadeira natureza do Centenário.
"De Bocage o centenário
Também é do Germinal
É do rico, do proprietário
É da nobre comissão,
É do governo da nação
De Bocage o centenário;
É do pobre operário,
Do artista, oficial
Tendo fama em Portugal
É de todos sem diferença
Se é de toda a imprensa
Também é do Germinal”
Após o 5 de Outubro de 1910, o Germinal esclarece a sua posição face ao novo regime. Afirma ter prestado serviços à República «enquanto ela foi uma aspiração revolucionária». Declara estar a seu lado «se a audácia de alguns vencidos quiser afogar a obra da revolução. Mas só isto e apenas isto (...) São para o nosso ideal, todo o afetuoso entusiasmo».
Em Julho de 1911, Martins dos Santos, o grande impulsionador do Germinal, abandona o lugar de director e sai do Grupo de Propaganda Germinal, proprietário do jornal. O jornal interrompe a sua publicação, surgindo em 1 de Agosto de 1911 com n.º 1 da II série. Nesta 2ª série, surge como editor e redactor principal José Carlos Rates[2], operário conserveiro de Setúbal e uma das principais figuras do movimento operário português na I República. Em 1913 o Germinal surge irregularmente, cessando no fim deste ano a sua publicação.
Álvaro Arranja
[1] Germinal, semanário, Setúbal, I série, 1903-1911 (369 números publicados), II série, 1911-1913 (83 números publicados). O seu primeiro editor foi José Artur Quaresma (1876-1957), nascido em Setúbal, barbeiro. A sua loja foi um importante centro de reuniões libertárias, sendo ele preso por diversas vezes. Seu filho, Jorge Quaresma, anarquista como o pai, foi também preso várias vezes durante a ditadura salazarista. Igualmente anarquista, o seu sobrinho António Augusto Quaresma, preso no “18 de Janeiro de 1934”, foi seviciado e deportado para o forte de Angra do Heroísmo, onde permaneceu 2 anos.
[2] - José Carlos Rates, redactor principal do Germinal na sua II série, era operário conserveiro e secretário da União dos Sindicatos de Setúbal. Foi um dos fundadores da União Operária Nacional (Congresso de Tomar, 1914), transitando em 1919 do sindicalismo revolucionário para o bolchevismo. Aderiu à Federação Maximalista Portuguesa, estando ligado aos primórdios do Partido Comunista Português.
Fonte: http://setubaleoanarcosindicalismo.blogspot.com/