Faleceu Edgar Rodrigues, escritor anarquista, militante e pesquisador incansável da história social
Ciências Humanas e Sociais

Faleceu Edgar Rodrigues, escritor anarquista, militante e pesquisador incansável da história social



Nota de Falecimento

Informamos com profunda tristeza o falecimento do escritor anarquista, militante e associado do Centro de Cultura Social, Edgar Rodrigues.

Sua morte se deu por volta das 20h de ontem, 14/05, devido a uma parada cárdio-respiratória. O corpo será cremado entre sábado e domingo sem cerimônia, como era a vontade de Edgar.

Autor de dezenas de obras e centenas de artigos sobre a história e as idéias anarquistas no Brasil e em Portugal, Edgar foi o maior e o mais importante difusor da cultura libertária desde o final dos anos 1960 quando publicou, sob a ditadura militar, a trilogia tornada clássica e indispensável em nossos dias: “Socialismo e Sindicalismo no Brasil, 1675/1913”, “Nacionalismo e Cultura Social, 1913-1922” e “Novos Rumos, 1922-1945”.

Edgar foi também fundador e um dos principais fomentadores do arquivo atualmente em posse do Círculo Alfa de Estudos Históricos (Grupo Projeção), para o qual, não obstante sua obscura expulsão, destinou partes substanciais de seu precioso acervo pessoal reunido ao longo de uma vida e com duros esforços.

A jovem geração anarquista que surge em meados dos anos 1980 juntamente com a reabertura do Centro de Cultura Social de São Paulo, certamente não saberia passar sem Edgar Rodrigues. Esta geração lhe é grata pela generosidade com a qual ele sempre soube lidar com o patrimônio cultural do anarquismo e por seu trabalho incansável de resgate da história e da memória anarquista.

Edgar que se foi aos 88 anos estará sempre presente para nós por meio de suas obras, por sua tenra lembrança e por uma vida dedicada ao anarquismo.

Saúde e Anarquia!

Centro de Cultura Social
http://www.ccssp.org/





Edgar Rodrigues foi um incansável pesquisador de história social, escritor e historiador, autodidata, nascido em Matosinhos, no norte de Portugal em 1921, e naturalizado brasileiro.

Filho de um militante anarco-sindicalista português do Sindicato da Construção Civil filiado à CGT, participou da luta contra a ditadura salazarista, tendo-se exilado no Brasil em 1951. No Rio de Janeiro relacionou-se com os velhos militantes anarquistas, entre os quais José Oiticica e Edgard Leuenroth, participando das atividades do movimento e colaborando regularmente na imprensa libertária.
Os seus primeiros livros: Na Inquisição de Salazar (Rio de Janeiro, 1957) e A Fome em Portugal (Rio de Janeiro, 1958) foram de denúncia da ditadura portuguesa, o que lhe valeu integrar a lista dos autores proibidos em Portugal, país onde só pode voltar após a derrubada do sistema autoritário em 1974.
Em 1969, foi um dos presos e indiciados durante a repressão desencadeada pela ditadura militar contra os anarquistas do Centro de Estudos José Oiticica do Rio de Janeiro.
A pedido de publicações libertárias do Uruguai, começou a pesquisar a história do movimento operário e das lutas sociais no Brasil, escrevendo dezenas de artigos e livros sobre o assunto. Os seus livros Socialismo e Sindicalismo no Brasil (Rio de Janeiro: Laemmert, 1969); Nacionalismo e Cultura Social (Rio de Janeiro: Laemmert,1972); Novos Rumos (Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1972) e Alvorada Operária (Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1979) são uma das principais fontes documentais para a história do movimento operário e anarquista brasileiro.
É também o autor de quatro volumes sobre a história do movimento operário e do anarquismo em Portugal. Seus trabalhos são um manancial de informação para os pesquisadores da história social do Brasil e de Portugal, podendo-se afirmar que foi um precursor do estudo do movimento operário no Brasil, como foi reconhecido por historiadores como Hélio Silva, Azis Simão e Foot Hardman. No entanto, tratando-se de um pesquisador não acadêmico, é frequente a sua obra ser utilizada por investigadores universitários que não o referênciam como fonte, numa demonstração cabal de falta de honestidade académica .
Nas suas atividades de pesquisa percorreu o Brasil recolhendo depoimentos de militantes e seus descendentes, coletando documentos de importantes militantes operários e ativistas anarquistas, constituindo um acervo único da história social brasileira entre 1890-1940.
Uma de suas últimas obras é Os Companheiros, em cinco volumes, que reúne biografias de militantes anarquistas e anarco-sindicalistas que desenvolveram sua atividade no Brasil é o único dicionário biográfico do movimento operário brasileiro escrito até hoje.
Em 1999 publicou pela Editora Insular, de Florianópolis, o livro Universo Ácrata, em dois volumes, uma história do movimento libertário internacional.


ENTREVISTA a EDGAR RODRIGUES, um pesquisador do movimento operário
por Jorge E. Silva*


Quando chegou ao Brasil em 1951, trazia na bagagem o original de seus primeiros livros: Na Inquisição de Salazar e Fome em Portugal. No entanto, deixava o seu país menos pela fome do que pelo oposição à ditadura de Salazar. Filho de um militante anarco-sindicalista, Edgar Rodrigues teve de visitar várias vezes seu pai na prisão e tinha a certeza que se continuasse no país também ele acabaria preso.
No Rio de Janeiro, além de recomeçar a sua vida, tratou de publicar os livros contra a ditadura portuguesa, que logo entraram no índex do regime autoritário, embora Edgar Rodrigues não tenha deixado de os fazer entrar clandestinamente no seu país de origem. Por tudo isso só voltou a visitar Portugal vinte anos mais tarde, após a derrubada do fascismo em 1974.
Amigo de José Oiticica, Edgard Leuenroth e de muitos outros velhos militantes e jornalistas anarquistas, logo começou a colaborar na imprensa libertária. A pedido de jornais do Uruguai, iniciou uma pesquisa sobre a história do movimento operário e sindical no Brasil. Aos poucos, correndo o Brasil, levantando informações com velhos militantes, recolhendo documentos raros, criou um importante acervo de história social, que lhe permitiu escreveu alguns livros fundamentais: Socialismo e Sindicalismo no Brasil (1969), Nacionalismo e Cultura Social (1972) e Novos Rumos (1972), Alvorada Operária (1979) e Anarquistas: Trabalhadores Italianos no Brasil (1989).
Quando poucos pesquisadores se interessavam pela história do movimento operário e, menos ainda, pela período em que nasceu o sindicalismo, Edgar Rodrigues documentou-a em suas obras exaustivamente. Fornecendo um manancial de informações sobre as origens do sindicalismo e das idéias socialistas no Brasil, que hoje são preciosas para pesquisadores e historiadores.
Esse trabalho silencioso nunca mereceu o reconhecimento aberto dos setores acadêmicos – embora várias teses acadêmicas já tenham sido escritas com base no material e informações fornecidas por ele – já que foi realizado por um autor autodidata e independente, que não se submete aos cânones e regras dos manuais universitários. Como escreveu Antônio Arnoni Prado "Os intelectuais com honrosas exceções, mantêm uma atitude ambígua face à obra de Edgar Rodrigues. Torcem o nariz, por um lado, reclamando maior rigor teórico; invejam, por outro lado, a riqueza documental de seus livros, quase insuperável, o que o torna passagem obrigatória, para quem se aventura no tema."
Para quem, como Edgar Rodrigues, sempre viveu de seu trabalho e pesquisou e escreveu nas horas vagas seus 1. 500 artigos e 36 livros, o reconhecimento de pesquisadores como Hélio Silva, Foot Hardman e Arnoni Prado é suficiente.
Aos 76 anos, Edgar continua um espectador atento da sua realidade social e mantém a disposição de continuar pesquisando e publicando. Na fila, está a continuidade da obra Companheiros, com biografias de militantes sindicais e libertários, uma coletânea Livre Pensamento e uma longa lista de trabalhos.
A Pequena História da Imprensa Social, que a editora Insular de Florianópolis acaba de publicar é outra dessas suas obras que esteve parada durante anos na estante, esperando um tratamento mais definitivo. Considerando que não tem mais tempo, nem condições para esperar, Edgar Rodrigues, faz da forma que sempre fez: publica, esperando que seus subsídios e documentos ajudem e inspirem novos pesquisadores, mais jovens, mas não menos independentes e combativos do que ele.
Discreto, esta é a sua segunda entrevista, a primeira foi feita em 1984 pela Folha de São Paulo, por Arnoni Prado e Foot Hardman.


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1– Embora desconhecida do grande público a sua obra de pesquisa social e sobre a história do movimento operário é uma fonte inestimável para qualquer historiador. Como começou essa sua atividade de pesquisador autodidata ?

Edgar Rodrigues - Ainda adolescente ouvi falar em anarco-sindicalismo e anarquismo em casa de meus pais, em Portugal. No começo da ditadura escutava as reuniões clandestinas que se realizavam em nossa casa, começando, então, a entender as idéias que meu pai e seus companheiros debatiam. Logo me iniciei na leitura de manifestos, jornais e documentos históricos. Pouco depois juntei uns tostões e comprei meus primeiros livros: A Velhice do Padre Eterno do poeta Guerra Junqueiro e Conquista do Pão de Pedro Kropotkin. Quando não conseguia comprar esses livros, copiava-os à mão, coisa que hoje deve ser motivo de espanto para aqueles que embora tenham dinheiro, não sabem o que é ler um livro.
O editor do meu livro Na Inquisição de Salazar disse na apresentação que eu era um pesquisador instintivo, acho que tinha razão. E ele não sabia, ainda, da mala cheia de papéis que trouxe no porão do navio de Portugal.
No Rio de Janeiro continuei com a mesma vontade da juventude e logo que pude escrevi a velhos militantes sindicalistas e libertários de fora e dentro do Brasil pedindo documentos e publicações antigas. Mais tarde percorri vários estados, para entrevistar esses sindicalistas que me davam informações e me ofereciam seus velhos arquivos. Em alguns casos convenci parentes de velhos militantes a me venderem acervos que se estavam perdendo. Esta busca dura até hoje e já lá vão 65 anos...


2 – Alguns autores acadêmicos o costumam criticar argumentando com a falta de método e de rigor científico; como você avalia essas críticas ?


Edgar Rodrigues - Para mim escrever livros foi uma conseqüência da pesquisa e coleta de informações. A minha formação é autodidata, os métodos de pesquisa, se assim os posso chamar, são os que fui experimentando e melhorando ao longo desse meu trabalho. Minha principal preocupação tem sido não deixar perder documentos que ia descobrindo e divulgar uma história que vinha sendo ocultada e deturpada do movimento social no Brasil. Nunca tive a pretensão de entrar na academia ou me tornar famoso.
Eu não chego a partilhar totalmente da opinião do Barão de Itararé que escreveu: "Os diplomas não encurtam as orelhas de ninguém", mas que muita gente até pode voar com elas isso não tenho dúvida.
Não existem pesquisas irretocáveis, mas se fosse perfeccionista e escutasse todas as críticas não escreveria 46 livros, nem publicaria 36, ficaria em um ou dois e olhe lá... Assim consegui tornar públicos centenas ou milhares de documentos sobre o sindicalismo e movimento operário no Brasil que aí estão para quem quiser polir e dar a cera que eu não pude.


3 – Como vê o papel dos intelectuais e da universidade numa sociedade como a Brasileira ?

Edgar Rodrigues - A universidade deveria dar uma formação integral e humanista aos estudantes e trabalhar para encontrar soluções ajudando a resolver os problemas da sociedade que a sustenta. O que acontece é o contrário: as academias pouco fazem para dar essa formação ou socializar o saber, perdidas num conhecimento cada vez mais especializado, hermético, que pode até ser profundo, mas com aquela profundidade das brocas que não pegam a luz do sol. Falta-lhes a vida e o contato com a realidade. Esta especialização vertical é incapaz de entender e se sensibilizar com a realidade, com os homens de carne e osso.
Seus livros e suas idéias podem estar "bem vestidas", usar os melhores "alfaiates gráficos", mas raramente se distinguem pela qualidade do conteúdo ou por seu sentido crítico. São mais frias que uma natureza morta...
Talvez por isso não seja de admirar que as nossas elites políticas e econômicas tenham saído dessas universidades!


4 – Os movimentos sociais contemporâneos estão longe daqueles que você estuda e com os quais se identifica. Qual a sua avaliação sobre esse movimentos contemporâneos, em particular o sindicalismo ?

Edgar Rodrigues - Os assalariados de hoje vivem ainda sujeitos à exploração ou à exclusão social como os operários e trabalhadores do passado. Também os movimentos sociais e o sindicalismo enfrentam muitos dos problemas do passado, por isso acredito que muitos dos métodos e da teoria do sindicalismo autônomo do passado continuam sendo válidas. Esse sindicalismo, em que acredito, poderia ser a base da produção, da distribuição e da própria autogestão social. O suporte de uma nova sociedade.
Agora o sindicalismo que aí está perdeu-se no corporativismo, politicagem e corrupção pelega, mesmo o que se apresenta pintado de esquerda. Por outro lado, as modificações sofridas pelo capitalismo, o papel que os meios de comunicação e da própria educação na sustentação do sistema, com a colaboração de toda uma casta de intelectuais, criou condições para este tipo de sindicalismo. O movimento social perdeu sua autonomia que levava no passado a sustentar seus próprios jornais, manter uma cultura alternativa, com escolas, bibliotecas, teatro e centros de cultura social, alimentando um projeto revolucionário de mudança social. Hoje aceita a enganação política, perde-se no consumismo e a sua "cultura" é a das novelas da televisão!
No entanto, me parece que esse ciclo está chegando ao fim, as contradições existentes na sociedade, cada vez mais evidentes, vão exigir, mais dia menos dia, que se volte a pensar uma solução global para a nossa sociedade e nesse momento muito do que foi pensado e proposto pelo sindicalismo revolucionário e pelos libertários vai voltar a se colocar.


5 – A derrocada do sistema que vigorava no Leste europeu tem servido a muitos intelectuais para decretar a morte da utopia e das idéias socialistas. Qual a sua opinião?

Edgar Rodrigues - A revolução popular russa de fevereiro de 1917 foi a esperança de milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo na América Latina, só que, logo depois, o golpe dos comunistas em outubro e a aplicação do projeto estatizante e autoritário criou o sistema tudo para o estado (e suas burocracias) nada para o povo. O resultado está aí à vista passados 80 anos. Uma história de: repressão monstruosa, corrupção, crimes, exploração, falta de liberdade, liquidando toda uma esperança e expetativa criada para os pobres e explorados de todo o mundo e gerando sociedades que hoje entraram em colapso. A obsessão do poder cegou de tal forma essas burocracias que nem os deixou ver que a pirâmide, em que estavam sentadas, estava ruindo. Afinal o gigante tinha pés de barro...
Mas isto não foi o fim da utopia. Esta só morrerá com o homem. Uma sociedade realmente socialista e libertária teria de se apoiar em três pontos principais: No homem como ser livre e capaz de se melhorar e aperfeiçoar; numa educação racionalista e humanista que contribuísse para capacitar técnica e socialmente os membros da sociedade e criar uma ética e uma cultura que reforçasse os laços comunitários e de solidariedade; na liberdade plena, com igualdade efetiva de direitos e deveres. Só assim uma sociedade autogestionária poderia desenvolver suas raízes.
Utopia? O tempo dirá se o ser humano não pode revelar todo o seu potencial societário positivo que segundo Kropotkin é a base da cooperação e entre-ajuda na sociedade. Otimisticamente os libertários acham que sim.

6 – Os libertários partilham de uma visão que aponta a auto-organização social e econômica, a descentralização e o federalismo como solução para a presença opressiva e autoritária do Estado. Qual a viabilidade de uma proposta dessas no mundo contemporâneo e no Brasil em particular ?

Edgar Rodrigues - Já não tenho idade para ser ingênuo e pensar que vai acontecer a curto prazo mudanças profundas nas sociedades que conheço. Os obstáculos a vencer são tais que certamente exigem, entre outras coisas, tempo, agravamento da crise e dos problemas e o renascimento de novos movimentos sociais mais capazes, mais preparados, mais cooperativos e mais fortes para enfrentar esse desafio de criar uma sociedade realmente humana.
Só que para lá do poder e da alienação com que temos de nos confrontar, cada um de nós carrega em si atavismos milenares e deformações culturais e psicológicas, que tornam uma mudança social profunda (que é também necessariamente uma mudança pessoal) um parto difícil.
O anarquismo, como qualquer outra filosofia social não se baseia em milagres (mesmo que muitos acreditem neles). Não se propõe curar todas as enfermidades com um remédio desconhecido, menos ainda somos mágicos. Pelo contrário, o anarquista é um atleta, um corredor de fundo, precisa de ter fôlego para agüentar os desafios que enfrenta. Quem não for capaz disso, de resistir, de agüentar, não é certamente um libertário. Terá de pensar em ser comerciante ou conseguir um cargo político e se acomodar. Outra solução é criar uma igreja e conseguir muitos crentes, prometendo uma vida melhor na eternidade, dessa forma consolam-se os tolos e fica rico o padre ou pastor!
A proposta de uma sociedade libertária, baseada na descentralização, federalismo e autogestão social penso ser a mais moderna e atual entre todas que começaram a ser formuladas nos séculos XVIII–XIX. Dessa forma ela corresponde ao que o mundo e, no nosso caso o Brasil, precisa para resolver grande parte dos problemas sociais, econômicos e ecológicos que se colocam hoje, criando uma sociedade capaz de se autogerir e auto-controlar. O que é um passo decisivo em direção à realização e felicidade humana nesta nossa existência transitória, a grande questão que se coloca aos seres humanos desde os seus primórdios.


(*) Assessor do Centro de Estudos Cultura e Cidadania de Florianópolis (CECCA)




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