CONCENTRAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL EM SÃO PAULO (1880-1990)
Ciências Humanas e Sociais

CONCENTRAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL EM SÃO PAULO (1880-1990)



A escola de Campinas

Paul Singer

Ambiciosa síntese de uma larga fatia da história industrial brasileira, com ênfase nas vicissitudes de sua localização, este livro tem como objetivo maior descrever, analisar e interpretar dois processos: a concentração industrial em São Paulo e a posterior descentralização do parque industrial brasileiro, que está hoje esvaziando a economia metropolitana. Traça quadros amplos da evolução da economia brasileira, ao longo de 110 anos, para assinalar os grandes vetores locacionais, responsáveis pelos dois processos mencionados.
Barjas Negri começa resenhando os estudos então mais recentes sobre concentração industrial no Brasil: o de Carlos Roberto Azzoni, "Indústria e Reversão da Polarização no Brasil" (USP, 1986) e o de Clélio Campolina Diniz, "Dinâmica Regional da Indústria no Brasil: Início de Desconcentração, Risco de Reconcentração" (tese apresentada na Universidade Federal de Minas Gerais, 1991). Assim, Negri contrapõe a sua obra, originariamente tese de doutoramento na Universidade de Campinas, às investigações e interpretações dos cientistas da USP e da UFMG. Não desejo insinuar que se trata de uma polêmica interuniversitária, pois não tenho idéia do quanto as teses de Azzoni e de Diniz refletem o trabalho de suas academias. Mas a leitura do livro de Negri sugere que, este sim, é fruto de uma instituição que, para o bem ou para o mal, produziu uma urdidura densa de interpretações afins. O que torna o instituto de economia da universidade campineira uma "escola" no sentido usual do termo.
Negri toma por base o trabalho anterior de Wilson Cano, seu orientador, o que me parece normal e inevitável. Mas, ao longo do livro, as numerosas análises históricas se fundamentam quase sempre nas obras de outros luminares da Unicamp, como João Manoel Cardoso de Mello, Carlos Lessa, Wilson Suzigan, Antônio Barros Castro, Conceição Tavares, Luiz G. Belluzzo, Tamás Szmrecsányi etc. Esta constatação não tem pretensão crítica, primeiro porque Negri cita e conhece outros autores e, segundo, porque os campineiros a que dá preferência são todos de elevado nível.
O que me parece distinguir a economia da Unicamp é que estas contribuições tendem a ser congruentes, complementando-se quase sempre, ao passo que nas outras faculdades a produção tende a ser muito mais dispersa. De modo que, se alguém tiver a curiosidade de conhecer em síntese a produção campineira sobre a industrialização brasileira, encontrará no livro de Barjas Negri um bom guia.
Na análise do processo de concentração, que vai aproximadamente de 1930 a 1970, Negri atravessa território já desbravado. A maioria das interpretações atribuem a concentração industrial em São Paulo ao desenvolvimento da indústria de bens de produção, que tem como mercado a indústria de bens de consumo. As empresas desse setor podem usufruir de ganhos de escala porque os bens que produzem em geral são padronizados, o que torna esta parcela da indústria naturalmente mais concentrada. Não faltam fatores históricos para explicar como São Paulo acabou sendo o local dessa concentração. Negri desenvolve a análise deste processo, sem aduzir novos elementos de grande relevância.
O processo de desconcentração industrial é mais recente e controvertido. Ele se inicia nos 70, quando o "milagre econômico" ensejou altas taxas de crescimento industrial. E continuou nos 80, a década perdida, quando a indústria no Brasil praticamente deixa de crescer e em São Paulo decresce. A interpretação deste processo é complexa, pois, sendo este estrutural, revela-se pela sua continuidade em todas as fases do ciclo de conjuntura. Negri discute de forma interessante o possível papel das políticas públicas de fomento industrial, que a partir dos 60 passam a ter a desconcentração industrial como uma de suas metas.
Considera também os fatores de expulsão da indústria de São Paulo, desde as chamadas deseconomias de aglomeração até o efeito da organização sindical sobre as decisões locacionais das empresas. Infelizmente, esta problemática não é suficientemente aprofundada. Nem tudo o que passa por deseconomia de aglomeração é realmente significativo como fator de descentralização industrial. Negri oferece longa enumeração em que aparecem fatores importantes, como a especulação imobiliária, o congestionamento do tráfego e a mobilização sindical ao lado de outros, totalmente irrelevantes como a elevação do número de acidentes de trabalho, o desemprego, a elevada rotatividade da mão-de-obra, a deterioração dos serviços de educação, de saúde e das condições de habitabilidade etc. A discussão toda ocupa pouco mais de uma página, quando teria de ser muito mais extensa.
Apesar desta restrição, o livro dá plenamente conta do recado. Acredito que se tornará uma obra de referência pela abundância dos dados que oferece e pela sua sistematização. Um dos seus méritos é também ultrapassar os limites do seu tema principal, apresentando um painel da história econômica do último século, fundamentado em diversas contribuições oriundas novamente sobretudo da Unicamp. Se houvesse ainda alguma dúvida quanto à existência de uma escola econômica de Campinas, este livro a teria eliminado por completo.
Paul Singer é professor do economia na USP e autor de, entre outros, "Um Governo de Esquerda para Todos" (Brasiliense).

Folha de São Paulo



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