Campos Lima
Ciências Humanas e Sociais

Campos Lima


O texto que a seguir reproduzimos foi retirado do blogue Almanaque Republicano ,cuja consulta se recomenda, e a quem saudamos pela qualidade de conteúdo e o interesse dos seus artigos, e no pressuposto da sua anuência para a publicação no Pimenta Negra deste post acerca de Campos Lima, uma figura ímpar do movimento anarquista português.

Campos Lima a discursar aos estudantes por ocasião da Greve Académica de 2007 na Universidade de Coimbra



João Evangelista de Campos Lima [1877 ?-1956 * ver nota no fim do post] nasce a 16 de Setembro no Porto. Foi estudante de direito em Coimbra e destacou-se (ver aqui e aqui) na denominada Questão Académica de 1907 ou Greve Académica de 1907. Colaborou, muito cedo, em jornais e revistas literárias (e libertárias).



[Ave Azul, Viseu, 1900 / Bohémios, 1900, publicação simbolista do Porto / Mocidade, de Lisboa, 1901 (data desse ano o opúsculo de C.L., "Nova Crença", Coimbra, 1901) / Revista Livre, publicação libertária de Coimbra sob sua direcção, 1902 / Arte e Vida, Coimbra, 1904-1906 / A Vida, Porto, 1905 - curioso semanário libertário, dirigido por Manuel Joaquim de Sousa e a partir de 1909, por Álvaro Pinto, com colaboração de Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, Teixeira de Pascoaes, Alfredo Pimenta, Pinto Quartim, Homen Cristo Filho, etc / Nova Silva, Porto, 1907, revista dirigida por Leonardo Coimbra - veja-se, Daniel Pires, Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Séc XX, Lisboa, Grifo,1996]




Em finais de 1905, Campos Lima, que se tornaria num hábil orador, aparecia já a pronunciar conferências sobre questões sociais [como em Outubro de 1905, na Liga das Artes Gráficas, sob o tema "A Questão Social", conferência que foi publicada em 1906, em livro, sob edições do NEA] e militava na corrente libertária, integrando o NEA [Núcleo de Educação Anarquista de Coimbra, 1906], pelo que colabora no seu jornal, Era Nova [nº1, 3 de Fevereiro 1906, onde escreviam, também, Alfredo Pimenta, Ângelo Vaz, Pestana Júnior, Araújo Pereira (actor), Bento Faria (jornalista), Emílio Costa, Gonçalves Preto, Lopes Oliveira, Pulido Valente,.., ver Edgar Rodrigues, Breve Historia do Pensamento e das Lutas Sociais em Portugal, p. 124].



Em 1906, Campos Lima, regressado de Paris, onde tinha ido com o Orfeão Académico de Coimbra [ver, Campos Lima, "Os meus dez dias em Paris", 1906] lança o projecto da "Escola Livre", que de algum modo reflecte essa ideia de "educação libertária", tão cara ao ideário anarquista, e que teve em Portugal, nesses anos, uma considerável difusão através da chamada "Escola Moderna" [a Escola Moderna seguia os métodos do espanhol Francisco Ferrer e de La Ruche de Sebastião Faure, em França].



Nesse mesmo ano adere à maçonaria, tendo sido iniciado [24/11/1906] na Loja Fernandes Tomás, nº 212 da Figueira da Foz [onde temporariamente residiu] com o nome simbólico de Kropotkine [depois, dado a sua mudança da Figueira da Foz para Lisboa, pede o atestado de quite a 27/12/1907], tendo atingido posteriormente "cargos relevantes no GOLU e no Grande Tribunal Maçónico" [ver, A Loja Fernandes Tomás, O Arquivo e a História, ed. Museu Figueira da Foz, 2001 e o Dicionário de Maçonaria de Oliveira Marques, Delta, 1986]


Em 1907, em consequência da Greve Académica de Coimbra, é expulso da Faculdade de Direito, sendo depois "indultado e formando-se nesse ano" [refª Gr. Enc. Port-Bras., vol 5]. Depois, exerceu a advocacia em Lisboa com grande sucesso, participou na comissão da "Reforma da Lei do Inquilinato", fez parte da comissão organizadora do Congresso Cooperativista, integrou a Comissão do Congresso de Livre Pensamento (Outubro de 1913) e surge como fazendo parte da Caixa de Previdência dos Profissionais de Imprensa ("até à sua dissolução, em 1934"). Ao mesmo tempo continuava a realizar conferências sobre questões sociais e o ensino (principalmente "em associações operárias"), participava activamente na luta política, onde se distinguia como excelente orador, ao mesmo tempos que era professor na Escola Industrial de Afonso Domingues, em Lisboa.




[NOTA: a data de nascimento de Campos Lima torna-se, de algum modo, complicado de apurar a partir das diferentes biografias consultadas. Em quase todas elas, e foram muitas (como Oliveira Marques, António Ventura, a enc. Portuguesa e Brasileira,etc.), surge como data do seu nascimento 1887 (o que a ser verdade significa que C.L. teria 20 anos quando se formou, bem como seria muitíssimo jovem quando começa a publicar textos em revistas e jornais, o que nos deixou perplexos). A enciclopédia Lello refere o ano de 1877, o mesmo ano de nascimento que lhe atribui Edgar Rodrigues (A Oposição libertária em Portugal 1939-1974, Sementeira, 1982), significando que Campos Lima, que se formou em 1907, teria na época 30 anos, o que não sendo impossível, nos parece pouco provável. Outra fonte - A Loja Fernandes Tomás O Arquivo e a História, ed. Museu Figueira da Foz, 2001 - refere como data de nascimento 1874, o que ainda é menos plausível. Portanto, a nosso ver e salvo melhor opinião, existe alguma inexactidão sobre a data de nascimento de Campos Lima, que de momento não conseguimos ultrapassar, de todo. No Arquivo da U. de Coimbra há o registo da matrícula de Campos Lima a 4/10/1902. Porém não se conseguiu encontrar a sua certidão de nascimento, bem como na Carta de Curso não aparece nenhum documento sobre o aluno J.E.C.L., pelo que a dúvida subsiste. Continuaremos, quanto nos for possível, a investigação sobre o assunto - em actualização]


Em 1924, Campos Lima funda a Editora Spartacus


[onde publicou contos, romances e opúsculos seus, como O Amor e a Vida, 1924; A Revolução em Portugal, 1925; A Ceia dos Pobres (3ª ed., peça para teatro, publicada inicialmente em 1906 e que teve grande êxito no Brasil entre a comunidade libertária), a Teoria Libertária ou o Anarquismo, 1926; Gente Devota, 1927; Mulher Perdida, 1928; etc. Registe-se a publicação, pelas Edições Spartacus, das raras novelas de Ferreira de Castro, "Sendas do Lirismo e de Amor”" e "A Casa dos Móveis Dourados"]


e mantêm a sua faceta de jornalista [sócio efectivo da Casa dos Jornalistas nº 120, de 11/11/1924], articulista e, mesmo, de director, num conjunto quase infindável de publicações periódicas. Assim, colabora no jornal Vanguarda (1899-1911), no jornal O Mundo (1900), na Verdade (1903), no jornal republicano País (1905-1921), na Era Nova (já citado), na Greve (jornal republicano-sindicalista, dir. Alexandre Vieira, 1908), no jornal republicano O Povo (1911-1916), no importante semanário libertário Terra Livre (1913), no diário do partido republicano "Portugal" (1917-1920), no jornal O Século, na Pátria (1920), no Diário de Notícias, no jornal republicano da tarde A Notícia (1928), no Diário da Noite (Lisboa, 1932-33), Gleba (1934-35), no jornal anarquista A Batalha e no seu importante suplemento literário, na Revista do Instituto de Coimbra, na Vida Contemporânea (1934-36), no magazine mensal Civilização [dirigido por Ferreira de Castro e Campos Monteiro, 1925-37]. Foi também [proprietário e] director do diário da tarde "A Boa Nova" [nº1, 1 Maio 1908], da Imprensa de Lisboa [diário dos grevistas e único que se publicou na Greve de 1921], do jornal Imprensa Livre [1925, onde colaborou Ferreira de Castro que, curiosamente nesse mesmo ano, publica o célebre e raro livro Mas...], funda [Março de 1929-Fevereiro 1930] a revista libertária Cultura [XIV numrs] e é, ainda, director [entre o nº 275-326] do semanário de critica literária e artística O Diabo, em 1939.


Campos Lima foi um manifestamente um intelectual de orientação libertária [registe-se que João Freire, no seu artigo "A evolução ideológica de alguns expoentes do anarquismo português no pós-guerra" (Revista da Biblioteca Nacional, 1-2, 1995, p. 140) assinala a existência de um "grupo informal de antigos libertários" reunidos como tertúlia, da qual fazia parte, além de Campos Lima, Emílio Costa, Pinto Quartim, Jaime Brasil e Alexandre Vieira, e que se "reuniam habitualmente no Café Chiado", debatendo, conspirando e estabelecendo "programas políticos libertários"], um historiador do movimento operário, libertário e republicano [veja-se a sua Dissertação para a cadeira de Ciência Económica da FDUC, "O Movimento Operário em Portugal" (publicado em 1910 e, depois, em 1972), "O Estado e a Evolução do Direito" (1914), "O Reino da Traulitânia (25 dias de reacção monárquica" (1919), "A revolução em Portugal" (1925) ou leia-se os artigos da revista Cultura (em especial "Nós e as Ditaduras", nº 3, 1929)], um verdadeiro romântico de "ideias livres". Nunca aceitou ser deputado, tendo recusado cargos de chefia de estado, como governador civil de Braga (durante o "ministério de Bernardino Machado") ou ministro da Justiça (convite que lhe é feito depois do "movimento de 19 de Outubro de 1921").


Torna-se por isso tudo e, justamente, pela "sua conduta”", "aprumo moral", "tolerância", "indiferença à glória" e total "desassombro" [refª a artigo de Belisário Pimenta sobre C.L., Vértice, nº 153] uma figura absolutamente notável, que assume, defende e professa as suas ideias até ao fim da sua luminosa vida, a 15 de Março de 1956.


Bibliografia geral consultada: Anarquistas, Republicanos e Socialistas em Portugal: as convergências possíveis (1892-1910), de António Ventura, Cosmos, 2000 / Breve História do Pensamento e das Lutas Sociais em Portugal, por Edgar Rodrigues, Assírio & Alvim, 1977 / Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Séc XX, de Daniel Pires, Grifo,1996 / Jornais Diários Portugueses do séc. XX, de Mário Matos e Lemos, Ariadne Editora, Coimbra, 2006 / Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol 5

J.M.M.



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