Apenas uma crise de crescimento - texto de José Vítor Malheiros
Ciências Humanas e Sociais

Apenas uma crise de crescimento - texto de José Vítor Malheiros


Apenas uma crise de crescimento
texto de José Vitor Malheiros, publicado no jornal Público de 28/12/2010

Os números do défice e da dívida e os indicadores económicos não encorajam qualquer optimismo, apesar de as exportações se estarem a portar melhor do que se esperava e de, nestes dias de fim de ano, ser tradicional expressar votos de prosperidade para 2011 com o mais cândido dos sorrisos afivelado na face.

A verdade é que os juros da dívida crescem mais depressa do que a nossa capacidade de a pagar e o buraco em que nos encontramos é cada vez maior. Como os juros aumentam, devemos cada vez mais. Como devemos cada vez mais, os juros aumentam. Como devemos cada vez mais e os juros aumentam, as agências de rating baixam-nos a classificação, o que faz os juros subir e a dívida aumentar. Ao círculo vicioso sucede-se a espiral infernal. Os especuladores esfregam as mãos de contentes, mas os especialistas garantem-nos que eles têm uma função higiénica essencial à vida económica (como as hienas que comem os animais doentes), o que significa que o sistema caminha para um rápido saneamento e que todo este panorama é apenas um passo doloroso mas necessário.

O que sabemos é que, depois desta crise, o nosso país será um lugar mais eficiente, a nossa economia será mais robusta, a nossa administração pública será mais magra e mais rápida, as empresas que não têm direito à vida terão desaparecido, as outras pagarão muito menos impostos e salários mais baixos, o euro talvez tenha desaparecido (o que apenas significará que não devia ter nascido), a ideia de uma Europa solidária ter-se-á desvanecido (o que quererá dizer que afinal era só um conto de Dickens), só haverá reivindicações laborais nos filmes e o Estado social será uma memória vaga. Será maravilhoso para os ricos.

As únicas entidades que poderão sair prejudicadas serão as pessoas, mas essas são substituíveis: há sempre pessoas novas a nascer, a crescer e à procura de trabalho e dispostas a aceitar relações de trabalho muito mais flexíveis. Os historiadores olharão para trás e verão a crise de 2008-2018 em Portugal apenas como uma crise de crescimento que serviu para fortalecer as empresas, a economia, os mercados financeiros, a banca, as lideranças empresariais e os serviços de segurança.

Se a crise serviu para alguma coisa foi para compreender que as pessoas estavam a ter salários demasiado altos, impostos demasiado baixos, demasiada estabilidade de emprego, demasiados serviços públicos, demasiada liberdade, saúde e educação de excessiva qualidade e juros demasiado baixos nos empréstimos bancários.

E, não havendo possibilidade de dissolver o povo, como Brecht sugeria, o Governo tentou pelo menos reduzi-lo à sua justa dimensão. A dura verdade é que o povo faz menos falta do que os bancos. Mais: o povo não só não faz falta como dá muita despesa. Como seríamos prósperos se fôssemos só os 5 milhões que os finlandeses são! Se pudéssemos dissolver os 5 milhões de portugueses menos letrados e mais velhos (que gastam uma fortuna em subsídios, em reformas, em saúde), seríamos um dragão, um tigre, um furão.

Não há razões para pensar que o país não é viável. Os testes de stress feitos ao sistema financeiro deram excelentes resultados. A economia reanima-se e as exportações dão sinal disso. Temos indicadores de inovação extraordinários. Todos os nossos ministros das Finanças sem excepção sabem qual é a receita para recuperar a economia. Basta ouvi-los. Todos eles sem excepção sabem que fizeram sempre tudo bem. Os dirigentes políticos também. Os do Governo e os da oposição. Os banqueiros sabem que sempre fizeram tudo bem. Todos sabem que são perfeitos. As nossas elites sabem que são esclarecidas, brilhantes, iluminadas e outras coisas com luz. O país é viável! O povo é que não é, mas já estamos a tratar desse pormenor.



loading...

- Qual O Tamanho Da Crise Financeira E Econômica?
Os últimos dias foram de pânico para os mercados financeiros. A quebradeira de tradicionais bancos de investimentos dos Estados Unidos provocou quedas históricas nas bolsas em todo o planeta. O governo norte-americano teve que intervir para salvar...

- A Crise Internacionalhttp://www.blogger.com/post-create.g?blogid=1012146325433904583 Do Capitalismo E O Brasil
As informações que chegam todos os dias do hemisfério norte revelam que a crise do capitalismo que emergiu em 2008, não só não se debelou como continua se agravando cada vez mais. Ao contrário do que os jornalistas burgueses pregaram nos últimos...

- Não Ao Desemprego
A gravíssima crise económica e financeira que está convulsionando o mundo traz-nos a angustiante sensação de que chegámos ao final de uma época sem que se consiga vislumbrar o que e como será o que virá de seguida. Que fazemos nós, que assistimos,...

- Compreender A Dívida Pública Ou Como Os Bancos Privados Encontraram Uma Maneira De Obter Lucros Garantidos
Porque é que o Banco central deixou de emprestar dinheiro ao Estado, deixando essa função nas mãos dos bancos privados? Não será porque a dívida pública aos bancos privados está condenada a alimentar-se a ela própria, e a não parar de crescer,...

- Manifestação Dos Trabalhadores Da Administração Pública ( 6 De Novembro). Todos à Manifestação!
MANIFESTAÇÃO NACIONAL - 6 DE NOVEMBRO GREVE GERAL - 24 DE NOVEMBRO Depois das grandes manifestações de 29 de Setembro, mesmo com dezenas de milhares de trabalhadores na rua, o Governo tenta nova afronta e avança com novas medidas de ataque. Se já...



Ciências Humanas e Sociais








.