Viva o Poder Popular (letra e música de José Afonso)
Ciências Humanas e Sociais

Viva o Poder Popular (letra e música de José Afonso)


No dia em que perfazem 20 anos da morte de José Afonso reproduzimos aqui três letras das suas canções mais interventivas. A primeira (Viva o Poder Popular) e a última (Foi na cidade do Sado) fazem parte do disco editado pela LUAR e destinaram-se a recordar a luta anti-capitalista de muitos portugueses nos anos quentes de 1974 e 1975, que custou a vida, por exemplo ao soldado Luís, alvo traiçoeiro dos aviões a mando dos golpistas do 11 de Março ( Spínola, CIA, etc).
O segundo tema ( O que faz falta) ficou no ouvido de muita gente e ainda hoje se pode ouvir em muitas manifestações.



Viva o poder popular


Não há velório nem morto
Nem círios para queimar
Quando isto der prò torto
Não te ponhas a cavar



Quando isto der prò torto
Lembra-te cá do colega
Não tenhas medo da morte
Que daqui ninguém arreda


Se a CAP é filha do facho
E o facho é filho da mãe
O MAP é filho do Portas
Do Barreto e mais alguém


Às aranhas anda o rico
Transformado em democrata
Às aranhas anda o pobre
Sem saber quem o maltrata



Às aranhas te vi hoje
Soldado, na casamata
Militares colonialistas
Entram já na tua casa


Vinho velho vinho novo
Tudo a terra pode dar
Dêem as pipas ao povo
Só ele as sabe guardar



Vem cá abaixo ó Aleixo
Vem partir o fundo ao tacho
Quanto mais lhe vejo o fundo
Mais pluralista o acho



Os barões da vida boa
Vão de manobra em manobra
Visitar as capelinhas
Vender pomada da cobra



A palavra socialismo
Como está hoje mudada
De colarinho a Texas
Sempre muito aperaltada



Sempre muito aperaltada
Fazendo o V da vitória
Para enganar o proleta
Hás-de vir comigo a glória



O Willy Brandt é macaco
O Giscard é macacão
O capital parte o coco
Só não ri a emigração



De caciques e de bufos
Mandei fazer um sacrário
Para por no travesseiro
Dum cura reaccionário



Não sei quem seja de acordo
Como vamos terminar
Vinho velho vinho novo
Viva o Poder Popular




O que faz falta

Quando a corja topa da janela
O que faz falta
Quando o pão que comes sabe a merda
O que faz falta


O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta

Quando nunca a noite foi dormida
O que faz falta
Quando a raiva nunca foi vencida
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é acordar a malta
O que faz falta

Quando nunca a infância teve infância
O que faz falta
Quando sabes que vai haver dança
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta


Quando um cão te morde a canela
O que faz falta
Quando a esquina há sempre uma cabeça
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta


Quando um homem dorme na valeta
O que faz falta
Quando dizem que isto é tudo treta
O que faz falta

O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta
O que faz falta é libertar a malta
O que faz falta

Se o patrão não vai com duas loas
O que faz falta
Se o fascista conspira na sombra
O que faz falta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é dar poder a malta
O que faz falta





Foi na Cidade do Sado

Foi na cidade do Sado
No pavilhão do Naval
Havia uma bronca armada
Pelas bestas do capital


Aos sete do mês de Março
Quinta-feira já se ouvia
Dizer a boca calada
Que o PPD era a CIA


Uma tarjeta laranja
Convite ao povo fazia:
Venham todos ao comício
Da Social Democracia

Eram talvez quatrocentos
Gritando a plenos pulmões:
Abaixo o capitalismo
Não queremos mais tubarões

Lá dentro sessenta manos
Do PPD exibiam
Matracas e armas de fogo
E o mais que os outros não viam

A um sinal combinado
Já quente a polícia vem
Arreia, polícia, arreia
Que o Totta-Acores paga bem

Amigo arrebenta a porta
Que te vão para matar
As bestas já fazem fogo
Lá fora tens de lutar

Os gases lacrimogénios
E os tiros que então partia
Mais os cordões da polícia
Os Pê Pê Dês protegiam



Cai morto João Manuel
De nascimento algarvio
Dezoito já eram feridos
Ficou o Naval vazio


Justiça pela noite fora
Pediu o povo na rua
Morte à polícia assassina
Amigo a vitória é tua



Aos onze do mesmo mês
Às onze horas do dia
Enquanto o João passava
Enquanto o João jazia


Do outro lado do rio
Morre o soldado Luís
Soldado filho do Povo
Vamos fazer um País





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