The Devil's Miner, filme de Kief Davidson e Richard Ladkani, passa amanhã ( dia 18, pelas 22h.) na livraria-bar Gato Vadio
Depois da bonita presença de 34 pessoas na última sessão de cinema latino-americano, que criaram no pátio vadio um espírito solidário com as lutas sociais na Argentina, convidamos os interessados a aparecerem para mais uma noite dedicada ao cinema da América Latina amanhã, dia 18 de Junho, pelas 22h. na livraria-bar Gato Vadio, para ver o filme The Devil's Miner, de Kief Davidson e Richard Ladkani, sobre as minas bolivianas e o drama das crianças que nelas trabalham.
Quinta-feira, dia 18 de Junho, 22h
Gato Vadio livaria-bar
Rua do Rosário, 281 Porto
http://gatovadiolivraria.blogspot.com/
Entrada Livre
Dizem que até as ferraduras dos cavalos eram de prata, no auge da cidade de Potosi. De prata também eram os altares das igrejas e as estatuetas dos anjos nas procissões. Em 1658, para a celebração do Corpus Christi, as ruas da cidade foram desempedradas, da matriz até a igreja de Recoletos, e totalmente cobertas com barras de prata.
Sim, em Potosí a prata levantou templos e palácios, mosteiros e casinos, foi motivo de tragédia e de festa, derramou sangue e vinho, incendiou a cobiça e gerou desperdício e aventura, onde a espada e a cruz, dos capitães e apóstolos, soldados e frades, marchavam juntas na conquista e na espoliação colonial.
Fonte abundante da prata da América, Potosí contava com 120 mil habitantes no séc. XVI, a mesma população que Londres e mais habitantes do que Sevilha, Madrid, Roma ou Paris. Era uma das maiores e mais ricas cidades do mundo, dez vezes mais habitada do que Boston, no tempo em que Nova Iorque não tinha ainda esse nome.
“Vale um Peru” era o elogio máximo às pessoas ou às coisas durante o século XVII. Já Dom Quixote de la Mancha advertia Sancho Pança com outras palavras: “Vale um Potosí”. Convertidas em bolas e lingotes, as vísceras da rica montanha alimentaram substancialmente o desenvolvimento da Europa. O descobrimento das jazidas de ouro e prata da América, o extermínio, a escravização e o sepultamento dos indígenas nas minas, a par do saqueio das Índias Orientais e da conversão do continente africano em local de caça de escravos negros, são os feitos que assinalam os primórdios da acumulação de riquezas com que ainda hoje o mundo ocidental se sustenta e que justificaram (e justificam) uma lógica de evolução económica baseada no roubo e no massacre.
Na América Latina, as regiões mais marcadas pelo subdesenvolvimento e pela pobreza são aquelas que no passado tiveram, paradoxalmente, laços mais estreitos com a metrópole e que desfrutaram de períodos de auge. Potosí oferece um exemplo mais claro desta queda no vazio. E talvez não seja assim tão paradoxal…
A sociedade potosina, doente de ostentação e desperdício, só deixou na Bolívia a vaga memória dos seus esplendores, as ruínas dos seus templos e palácios, e oito milhões de cadáveres de índios. A Bolívia, é hoje um dos países mais pobres do mundo, substrato da riqueza dos países mais ricos, e Potosí, uma das mais pobres cidades da pobre Bolívia. Esta cidade condenada à nostalgia, atormentada pela miséria e pelo frio, é ainda uma ferida aberta do sistema colonial na América, uma acusação ainda viva.
Como reza a lenda, em três séculos a Espanha recebeu tanto metal à custa de tantas vidas de Potosí que dava para fazer uma ponte de prata desde o cume da montanha até a porta do palácio real do outro lado do oceano, e outra de regresso feita dos ossos dos que morreram nas profundezas das minas.
Este mundo esquecido de Potosi é trazido para a tela neste poderoso documentário. Conta a história de um menino de 14 anos, Basílio Vargas, e do seu irmão de 12, Bernardino, que trabalham nas minas de prata de Cerro Rico em Potosi.
Basílio é uma das 800 crianças que regularmente trabalham nas minas. Através do seu olhar, observamos um mundo de devoção católica, fonte da natureza psicologicamente punitiva do trabalho e que lhe faz jurar fidelidade ao “Tio”, o diabo, dentro da “Montanha que come homens”. Porque acreditam que Deus nunca entraria em tal lugar.
O diabo em questão não é o diabo cornudo que conhecemos dos rituais pagãos, muito menos o demónio dos adulterados espectros de horror que têm sido populares no cinema ocidental. É o diabo dos conquistadores cristãos que escravizaram a América do Sul. Nada mais eficaz para forçar a população indígena a trabalhar dia após dia nas minas, Satanás e folha de coca. Sempre que os nativos esboçavam a revolta, os conquistadores espanhóis induziam o medo, construindo figuras diabólicas com cornos, línguas de fogo e caudas horrendas. Desde então os mineiros construíram um universo maníaco onde o Tio governa o subterrâneo.
Os mineiros de Cerro Rico têm uma esperança média de vida de 40 anos, graças ao ar “envenenado”, ao calor constante, ao uso de explosivos, ao primitivo e inseguro equipamento, e às longas horas exigidas aos mineiros (a maioria entra nas minas para fazer turnos de 24 horas).
Órfãos de pai e a viver pobremente com a sua mãe nas encostas da mina, os rapazes assumem responsabilidades de adulto. Têm de trabalhar para poder comprar os víveres, a roupa, ou o material necessário para a sua educação. Basílio sabe que só estudando poderá alimentar a ilusão de os irmãos mais novos escaparem ao destino nas minas de prata. Mas crê que apenas a generosidade do diabo da montanha lhe oferecerá dinheiro suficiente para continuar no novo ano escolar.
The Devil's Miner Kief Davidson, Richard Ladkani 2005 tempo: 82 min Bolívia
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