PRISMAS - CRÍTICA CULTURAL E SOCIEDADE
Ciências Humanas e Sociais

PRISMAS - CRÍTICA CULTURAL E SOCIEDADE



A tarefa cognitiva da dialética

Leopoldo Waizbort

THEODOR ADORNO
há um aforismo de Lichtenberg segundo o qual, quando uma cabeça se choca com um livro e ouvimos um som oco, a culpa nem sempre é do livro. Isto seguramente se aplica a "Prismas", um livro que Adorno (1903-1969) publicou em 1955, contendo textos escritos entre 1937 e 1953. O título é o que há de pior em relação ao livro, e o autor viu-se constrangido a aceitá-lo devido às pressões do editor. Tentando, mais tarde, racionalizar o descontentamento, Adorno disse que "mediante cada texto e cada autor deve ser reconhecido, de modo mais agudo, algo da sociedade; as obras tratadas são prismas, através dos quais se pode visar o real".
O livro reúne um conjunto variado de ensaios, que assumem deliberadamente um nexo que relaciona "crítica cultural e sociedade" (este o título que Adorno queria), delineado no primeiro dos textos (que revela assim seu duplo papel, como ensaio quase introdutório e como texto autônomo) e que é desdobrado ao longo de todo o livro, a cada vez em novos objetos.
Esse nexo poderia ser circunscrito de formas várias. Trata-se sempre de uma arte de "decifração social" dos fenômenos espirituais, uma "'fisiognomonia social" que, com força pungente, se orienta pelo concreto.
O todo do livro é tecido com cuidado; temas, conceitos e autores aparecem e reaparecem, instigando a compreensão de um nexo que cabe sempre ao leitor desenvolver. O livro é um campo de forças. De cada um dos ensaios saem vários caminhos, que levam inicialmente a outros textos do volume e, a seguir, a outros livros do autor e, por fim, a tudo aquilo que ele aproxima de si ao longo dos ensaios.
Em vez de resumir em uma linha cada um dos 12 ensaios, vale mais a pena gastar 12 linhas para parafrasear um tema. "Como as boas variações musicais", o tema não se anuncia por inteiro em nenhuma das 12 variações, embora esteja presente, estruturador, em todas elas. Trata-se da "tarefa cognitiva da dialética", do "método imanente", da "crítica dialética".
Há uma espécie de "oposição" entre dialética e ideologia. "Dialética significa intransigência contra toda e qualquer reificação." É isto que é posto à prova em cada um dos ensaios. Se tomarmos o ensaio "Crítica Cultural e Sociedade", podemos notar que o próprio movimento do texto é ordenado pela dialética. A crítica cultural é, de início, negada. Mas a negação não é o término do seu movimento. Paralisada pela negação, a ela só resta a afirmação inconsequente, o sim ao mundo dos valores culturais, e aí ela estaca. A cultura é negada como falsa cultura, como cultura de massa, como indústria cultural, como privilégio de poucos e ilusão de muitos. Assim, "a cultura torna-se crítica cultural". A sociedade é negada, a ela basta a reprodução de "categorias sociais preponderantes"; ao mesmo tempo, o indivíduo é reduzido a uma massa informe e uniforme. A liberdade, por sua vez, desenvolve apenas o seu "momento negativo". Daí a necessidade do "aguilhão da crítica", que se volta contra si mesma.
Adorno vai mostrando como a cultura é não-cultura, como a crítica é não-crítica, como a liberdade é não-liberdade e como a sociedade é não-sociedade: o que é se mostra como o que não-é. É nesse sentido estrito que se pode falar em "dialética". Assim se compreende o célebre passo "O todo é o inverdadeiro" que, aqui, aparece sob a forma "a ideologia, ou seja, a aparência socialmente necessária, é hoje a própria sociedade real". Já no texto sobre Schoenberg -"Arnold Schoenberg (1874-1951)"-, pode-se ler: "O todo, como algo positivo, não se deixa extrair antiteticamente, pela força e vontade do indivíduo, da realidade alienada e dividida. Para não degenerar em engodo e ideologia, o todo é chamado à negação". O método imanente busca exprimir o caráter negativo do seu objeto. Este momento negativo é o seu momento de verdade.
Posto isto, Adorno vai desdobrando, incansavelmente, a "dialética entre conceito e singularidade" ("Se o verdadeiro, como quer Hegel, é o todo, este somente é o verdadeiro quando a força do todo penetra inteiramente no conhecimento do particular"). Como se vê, estamos acompanhando a dialética do Iluminismo. "Kafka reage, no espírito do Iluminismo, a um retrocesso à mitologia." Há um momento do obscuro que permanece e que, tanto quanto entendo, é incorporado enquanto forma estética. Daí Adorno afirmar: "O humor de Kafka deseja reconciliar o mito através de uma espécie de mímica. Também nisto ele segue aquela tradição do Iluminismo que começa no mito homérico e vai até Hegel e Marx, nos quais o ato espontâneo, o ato da liberdade, se confunde com a realização da tendência objetiva. Desde então, entretanto, o peso da existência, estranho a toda relação com o sujeito, aumentou, e com ele a inverdade da utopia abstrata. Como há milhares de anos, Kafka procura a salvação pela incorporação da força do inimigo. O encanto da reificação deve ser quebrado, na medida em que o próprio sujeito se reifica". A reificação do sujeito é uma resposta à reificação da linguagem. Isto diz respeito à passagem de Hofmannsthal a Kafka, que permanece cifrada. É Benjamin -ele mesmo tema de um dos ensaios, "Caracterização de Walter Benjamin"- quem, em uma carta a Adorno a respeito do texto sobre George e Hofmannsthal ("George e Hofmannsthal - Correspondência: 1891-1906"), aponta o nexo de continuidade entre os dois: a incapacidade de linguagem que aparecia em Hofmannsthal, e que Adorno aponta em seu texto ("a linguagem não mais permite dizer o que foi objeto da experiência"), teria sido a tarefa que, incapaz de resolvê-la, Hofmannsthal legou a Kafka.
O que permanece, diz Adorno ao final do ensaio sobre George, é a negação determinada. É em seu nome que ele defende Bach de seus entusiastas ("Em Defesa de Bach Contra Seus Admiradores"). Bach soube conciliar, na obra de arte musical, a tendência social da dominação da natureza com o humano. Uma tensão não muito distante desta emerge na discussão entre Valéry e Proust acerca dos museus, imaginada por Adorno ("Museu Valéry Proust"). O que os une, contudo, é o "pressuposto da felicidade nas obras de arte"; algo que a indústria cultural, visada no texto sobre o jazz ("Moda Intemporal - Sobre o Jazz"), exclui por inteiro, já que ela reconhece apenas "bens culturais museificados" ("a arte é desartizada"). A crítica a Veblen também está próxima disto: "Sua imagem de sociedade não é baseada na felicidade, mas no trabalho", e Huxley se caracteriza por uma renúncia semelhante ("O Ataque de Veblen à Cultura" e "Aldous Huxley e a Utopia"). Já no texto sobre Mannheim ("A Consciência da Sociologia do Conhecimento"), a crítica de Adorno, fiel à dialética do Iluminismo, visa um conceito reificado de razão, convertida em "razão planificadora", cuja tarefa se resume à administração. Aqui tocamos a constelação da crítica a Spengler ("Spengler Após o declínio"): a conversão da democracia em ditadura -um tema que percorre o século.
Reunindo ensaios sobre música, literatura, filosofia e sociologia, "Prismas" permanece um livro singular no interior da obra de Adorno, em virtude da não-especialização dos ensaios, razão pela qual é uma interessante via de acesso ao seu pensamento, à sua "fantasia imaginativa". Há uma frase de Kafka, citada em "Anotações Sobre Kafka", que ilumina com agudeza a "inervação histórica" de Adorno: "Fazer o negativo é o nosso dever: o positivo já nos foi dado".
Leopoldo Waizbort é professor de sociologia na USP.

Folha de São Paulo



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