PAULO FREIRE
?Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho; os homens se libertam em comunhão?.
O educador e pensador pernambucano Paulo Freire (1921-1997) destacou-se pela sua atuação na área de educação popular, tornando-se um notável expoente da história da pedagogia mundial por sua influência ao movimento da pedagogia crítica. Sua trajetória é destacada pelas experiências realizadas por ele na década de 50, na alfabetização de adultos por meio da campanha ?De pé no chão também se aprende a ler?. Por esta razão ele dirigiu o Programa Nacional de Alfabetização, em 1963, no governo do então presidente João Goulart. Seu trabalho foi interrompido após o Golpe Militar de 1964, quando se exila no Chile dando aulas na Universidade de Santiago. No seu exílio ele passou pelas Universidade de Harvard, nos Estados Unidos e é nomeado especialista da UNESCO, sendo condecorado 24 vezes com medalhas, comendas e prêmios de vários países, tornando-se Doutor ?Honoris Causa? por 28 universidades entre elas a de Louvain (Bélgica), Genebra (Suíça), Michigan (EUA) e universidades Aberta (Londres) e convidado oficial de 54 países de todo o Mundo. Ele retorna ao país em 1980 onde passa a lecionar na UNICAMP e na PUC-SP, tomando posse em 1989 como Secretário Municipal de Educação de São Paulo. Dentre as suas obras se encontra ?Pedagogia do Oprimido?, dividido em 4 capítulos, sendo que no primeiro ele aborda a justificativa da sua pedagogia, a contradição opressores-oprimidos, sua superação, a situação concreta de opressão entre opressores e oprimidos. No segundo capítulo ele trata acerca da concepção bancária da educação como instrumento da opressão, seus pressupostos, sua crítica, a concepção problematizadora da educação e a libertação com seus pressupostos, a concepção bancária e a contradição educador-educando, a concepção problematizadora e a superação da contradição educador-educando. No terceiro capítulo ele trata acerca da dialogicidade como essência da educação como prática da liberdade, a dialogicidade e o diálogo, o conteúdo programático, as relações homens-mundo, os temas geradores e o conteúdo programático da educação libertadora, a investigação dos temas geradores e sua metodologia, a significação conscientizadora da investigação dos temas geradores e os vários momentos da investigação. No último capítulo ele trata da antidialogicidade e a dialogicidade como matrizes de teorias de ação cultural antagônicas, a teoria da ação antidialógica e suas características e a teoria da ação dialógica e suas características. Com esta obra encontra-se a visão de liberdade e de crítica que são dois princípios básicos essenciais para o trabalho de Paulo Freire, uma pedagogia da liberdade que substituísse a "escola" autoritária por estrutura e tradição. Uma educação popular é o ponto de partida, assumir a liberdade, buscá-la e criticar o modo de ser homem dentro da sua realidade. Do próprio mundo em que vive, produzindo uma educação que seja "prática da liberdade" por meio do diálogo-comunicação. No livro em questão, o autor tece uma interessante discussão sobre a pedagogia de uma perspectiva do oprimido, ressaltando que a luta pela libertação do homem, o qual é, semelhantemente à realidade histórica, um ser inconcluso, se dá num processo de crença e reconhecimento do oprimido em relação a si mesmo, enquanto homem de vocação para "ser mais". Preconiza ele um trabalho educativo que respeita o diálogo e a união indissociável entre ação e reflexão, isto é, que privilegie a práxis. Um trabalho que não se funde no ativismo (ação sem reflexão) ou na sloganização (reflexão sem ação) e que não se funde numa concepção de homem como "ser vazio". Em correspondência a essa concepção de homem como "ser vazio" e, por isso, dependente de "depósitos" de conhecimento, está, segundo Paulo Freire, a pedagogia de perspectiva opressora, denominada de "educação bancária". Esta educação, segundo ele, é pautada numa comunicação verticalizada, contrária ao diálogo, serve como instrumento de desumanização e domestificação do oprimido, o qual na sua relação com o opressor hospeda-o em sua consciência. Ao se referir à teoria antidialógica, o autor ressalta que a referida teoria tanto traz a marca da opressão, da invasão cultural camuflada, da falsa "ad-miração" do mundo, como lança mão de mitos para manter o status quo e manter a desunião dos oprimidos, os quais divididos ficam enfraquecidos e tornam-se facilmente dirigidos e manipulados. É em contraposição a pedagogia opressora que Paulo Freire reforça a imprescindibilidade de uma educação realmente dialógica, problematizadora e marcadamente reflexiva, combinações indispensáveis para o desvelamento da realidade e sua apreensão consciente pelo educando. Ademais, assinala ele que: "(...) a educação problematizadora coloca, desde logo, a existência da superação da contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a relação dialógica? não é possível a co-laboração entre educador e educando, não é possível conceber um educador-educando, que se educa no diálogo com o outro, e um educando-educador. O autor traz à cena a questão do "ato de dissertar" realizado pelo educador, que constitui, e isto tanto dentro como fora da escola e em qualquer nível de ensino, uma prática de dominação, pois se disserta sobre a realidade como se fosse algo estático e sem vida. É por meio da dissertação, explica Paulo Freire, que o "educador bancário" tenta "depositar", "encher", o educando com conteúdos, os quais, comumente, não se relacionam com sua vida, minimizando, e até mesmo anulando, seu potencial criativo, criticidade e pensar autêntico. Ao memorizar o conteúdo narrado, ao "arquivar" os "depósitos", o educando não está se conhecendo e conhecendo o mundo de modo verdadeiro, não está desenvolvendo sua consciência crítica, daí o autor destacar que a educação bancária: "(...) servindo à dominação, inibe a criatividade e, ainda, que não podendo matar a intencionalidade da consciência como um desprender-se ao mundo, a ?domestica?". Em oposição à educação bancária, o educador-educando se compromete com um conteúdo programático que não caracteriza doação ou imposição, "(...) um conjunto de informes a ser depositado nos educandos -, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada". Com isso se compromete com uma programação, com conteúdos, que advêm das colocações do povo, de sua existência, desafiando-o à busca de respostas, tanto em nível de reflexão como de ação. Em outras palavras, uma prática libertadora, requer, segundo ele que o "(...) acercamento às massas populares se faça, não para levar-lhes uma mensagem ?salvadora?, em forma de conteúdo a ser depositado, mas, para em diálogo com elas, conhecer, não só a objetividade em que estão, mas a consciência que tenham dessa objetividade; (...) de si mesmos e do mundo". Desse modo, busca-se juntos, educador e povo, mediatizados pela realidade, o conteúdo a ser estudado. Acerca do operacionalizar a pedagogia de uma perspectiva do oprimido, é preciso, segundo Paulo Freire, investigar o universo temático do povo. Busca-se, inicialmente, conhecer a área em que se vai trabalhar e se aproximar de seus indivíduos, marcando reunião e presença ativa para coletar dados, de modo a levantar os temas geradores. Estes devem ser organizados em círculos concêntricos, partindo de uma abordagem mais geral até a mais particular. Tal operacionalização demanda, ainda, e isso cabe ao educador dialógico, devolver em forma de problema o universo temático recebido do povo na investigação. Efetivada essa etapa e com os dados em mãos, realiza-se um estudo interdisciplinar sobre os "achados" nos círculos de cultura, a partir dos quais os envolvidos apreendem o conjunto de contradições que permeiam os temas. Cada envolvido na investigação temática apresenta um projeto de um dado tema, o qual passa por discussão e acolhe sugestões. Os projetos servem, posteriormente, de subsídio à formação dos educadores-educando que trabalharão nos círculos de cultura. Após elaboração do programa, são confeccionados materiais didáticos em forma de, por exemplo, textos, filmes, fotos, entre outros. São preparadas, também, as codificações de situações existenciais, as quais têm que ser decodificadas pelo educando e promover o surgimento de uma nova percepção da questão tratada, como também o desenvolvimento de um novo conhecimento. Em retrospecto ao exposto, convém sublinhar que se trata de uma obra que denuncia os limites de uma educação de ajustamento, ao mesmo tempo em que anuncia a possibilidade de uma educação humanizadora, "libertadora", como diria o autor. Daí a atualidade e relevância de sua leitura pelos educadores das várias áreas do conhecimento, tanto os que estão em processo de formação acadêmica como aqueles que já atuam e, também, demais interessados pelas discussões do campo educacional.
Paulo Freire se interessou pelas implicações sociais e políticas do povo e desenvolveu um trabalho chamado "movimento de alfabetização de adultos pelo método Paulo Freire", ou simplesmente "o método Paulo Freire", hoje conhecido e posto em prática em todo o Mundo. Por mais de 50 anos o autor escreveu mais de 40 livros, traduzidos em 28 idiomas, produzindo também centenas de textos, reflexões, debates e depoimentos sobre educação. Porém as obras que o projetaram mundialmente foram Pedagogia do Oprimido e A Educação como Prática da Liberdade.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.