Ciências Humanas e Sociais
Passam agora 40 anos da crise académica e da revolta estudantil de 1969 em Coimbra
Ao longo das próximas duas semanas, a revolta estudantil de 1969 em Coimbra é recordada na cidade e na Universidade de Coimbra. Estão preparadas mais de 30 iniciativas para assinalar a crise académica, com exposições, debates, painéis informativos de rua, cartazes, e um número especial do jornal da academia de Coimbra, A Cabra.
Recorde-se que faz agora 40 anos que eclodia, na Universidade de Coimbra, a maior crise académica de que Portugal tem memória. Quarenta anos depois, a data é assinalada numa altura em que o ensino atravessa uma fase conturbada.
No Pátio das Escolas da Universidade de Coimbra já estão dispostos painéis informativos sobre os antecedentes, principais momentos e protagonistas da crise académica.
Para além disso, outros momentos marcantes do movimento associativo como o nascimento da Associação Académica de Coimbra (AAC), “a greve dos intransigentes” de 1907, a Tomada da Bastilha de 1920 ou a luta contra o decreto 40900 de 1956 estão também recordados.
Em frente ao Edifício das Matemáticas, estão também painéis que recriam a saída do Presidente da República, Américo Thomaz, da inauguração. Na rua já havia alguns cartazes como “Democratização do Ensino”, “Estudantes no Governo da Universidade” ou “Exigimos diálogo”, que voltam a estar presentes no mesmo espaço 40 anos depois.
Estes são apenas dois dos 15 pontos da cidade, onde vão estar outras recriações ligadas ao protesto estudantil.
A exposição “A crise saiu à rua” vai durar seis meses, o mesmo tempo que durou a crise académica.
Para quem não saiba, foi a crise académica de 1969 que, imbuída pelos ideais de 68, provocou, entre outras coisas, a demissão do então Ministro da Educação, a mudança de reitor na universidade e o progressivo chamamento de estudantes para a guerra colonial.
Tudo aconteceu a 17 de Abril de 1969, aquando da visita do então Presidente da República, Américo Thomaz, ao novo edifício do departamento de Matemática da Universidade de Coimbra. O então presidente da Associação Académica de Coimbra, actual líder parlamentar socialista, Alberto Martins, pediu a palavra para intervir, em nome dos estudantes, durante a cerimónia.
Um pedido que foi recusado e Alberto Martins foi detido nessa noite. Acendia-se, então, o rastilho de um dos maiores momentos de reivindicações estudantis português, agora relembrado pelos alunos da mais antiga Academia do país.
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Há precisamente 40 anos, Alberto Martins, então presidente da Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), levantou-se para pedir a palavra em nome dos estudantes na cerimónia de inauguração do Departamento de Matemática. O gesto havia sido previamente combinado nas cúpulas dirigentes, mas o impacto que causou foi imprevisto. Na mesa, Américo Tomás dá a palavra, balbuciante, a Rui Sanches, ministro das Obras Públicas, acabando por encerrar a sessão sem a conceder aos estudantes. À saída, a comitiva é vaiada pela multidão de estudantes que decide fazer a sua própria inauguração após a retirada das autoridades. Havia começado a «crise».
Nessa mesma noite, a PIDE prende Alberto Martins. Durante a madrugada registam-se confrontos com a polícia de choque. Na manhã seguinte, o presidente da DG/AAC é libertado e à tarde realiza-se uma Assembleia Magna na qual se exige a participação dos estudantes no Senado Universitário e o reconhecimento de estruturas representativas estudantis como a Junta de Delegados. A 22 de Abril, quando a situação parecia tender para a normalidade, alguns dos principais dirigentes académicos são informados da sua suspensão da Universidade enquanto durasse o inquérito aos acontecimentos ocorridos a 17 de Abril. Logo nesse dia, uma Assembleia Magna decreta luto académico, exortando-se os estudantes a transformar as aulas, sempre que possível, em debates sobre a actual situação. No dia 30 de Abril, o ministro da Educação Nacional, José Hermano Saraiva, vai à televisão apontar o dedo à «onde de anarquia que tornou impossível o funcionamento das aulas» (dando a conhecer, inadvertidamente, a agitação que os jornais, a rádio e a televisão não mostravam).
A 6 de Maio a Universidade de Coimbra é encerrada por decisão ministerial, sendo mantido o calendário de exames. No dia seguinte, a Queima das Fitas é anulada, num gesto simbólico que se inscrevia na decisão já tomada de manter o luto académico. A DG/AAC publica então a Carta à Nação, numa estratégia de abertura do movimento ao exterior. Aí se afirma que «a nossa luta só poderá fazer tréguas quando tivermos atingido uma Universidade Nova num Portugal Novo».
Nos círculos de discussão e convívio que então substituem as aulas, a greve aos exames é equacionada. A nova opção táctica é problemática, pois a sua viabilidade estaria dependente de uma ampla adesão. Caso falhasse, a proposta teria não só efeitos desgastantes a título pessoal – a reprovação e um possível passaporte antecipado para a guerra colonial – como a título colectivo – o isolamento e uma efectiva sentença de morte para o movimento. A 28 de Maio, uma concorrida Assembleia Magna ratifica por ampla maioria a proposta de «abstenção aos exames». Com a parte Alta da cidade militarmente ocupada, os estudantes organizam um complexo esquema de piquetes de greve e accionam uma série de iniciativas arrojadas e em sintonia com o «espírito do tempo»: soltam balões na Baixa coimbrã, distribuem flores à população, armadilham com tachas as zonas onde os carros da polícia circulavam.
A 22 de Junho, na Final da Taça de Portugal, numerosos estudantes deslocam-se ao Estádio Nacional para assistir à partida que oporia Académica e Benfica. De Coimbra levam cartazes e comunicados que distribuem à população da capital, por entre palavras de ordem entoadas em coro. No final, a equipa da Luz venceria por 2-1 com um golo marcado por Eusébio já no prolongamento. O encontro não é televisionado e, pela primeira vez, o presidente Américo Tomás não está presente para entregar a Taça.
Em finais de Julho, a percentagem de exames boicotados era de 86,8%. Como facilmente se conclui, a grande maioria dos estudantes adere à difícil estratégia da greve aos exames. Aqueles que rompiam – muitos por pressão familiar – viam o seu nome inscrito em listas públicas de «traidores» e eram alvo das mais variadas formas de ostracismo por parte dos colegas. A polícia efectua dezenas de prisões que se prolongariam pelos meses de Verão. Já no início do ano lectivo seguinte, 49 destacados activistas estudantis são incorporados nas fileiras do exército. No momento da despedida, na Estação de Coimbra-B, gritam-se palavras de ordem contra a guerra colonial. O tema havia estado ausente do catálogo explícito das reivindicações, mas a partir daí segue-se um caminho que em Lisboa já se havia começado a trilhar: contestar a guerra e contestar o regime tornar-se-iam faces da mesma moeda.
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