Um livro editado há pouco tempo em França é motivo de júbilo para todos os que se reconhecem em nomes como Rabelais, Molière, Jarry, Dário Fo, Coluche, Picabia e demais dadaístas - para todos aqueles para quem o riso, a gargalhada e a insolência são modos de resistir à ditadura da realidade e à hegemonia do sério. Esse mesmo sério que solidifica as ideias, que a moral consolida e que o bom gosto alimenta ao ponto de acabar por atrofiar o pensamento.
Tem como título «Riso de resistência» ( Rire de resistance, de Diógenes à Charlie Hebdo) e o seu autor é Jean-Michel Ribes que publicou o livro no âmbito da programação do teatro onde é encenador, o Thêatre du Rond-Point, inteiramente virado este ano para o riso da resistência(
www.theatredurondpoint.fr/saison/temps_fort.cfm?id=4978 )
Será então o riso uma forma de resistir?
Ri-se sempre de alguém, ou de alguma coisa. Rir é também uma maneira de dizer que não temos medo, e por via do riso podemos estar a resistir a alguma coisa ou a uma situação que nos é imposta.
Quando nos rimos, mostramos os dentes, tal como acontece quando fazemos uma ameaça ( = mostrar os dentes) - um paralelismo que nos pode levar a concluir que o riso é sem dúvida mais uma forma de resistência.
Ingrediente imprescindível da utopia e da criação, são numerosos aqueles e aquelas que por via das piadas iconoclastas, conseguiram fecundar o riso de modo a vermos de novo alguma luz. De Rabelais a Jarry, de Voltaire a Picabia, de Chaplin a Dário passando por Duchamp, Bunuel, Topor, Copi, Hara-kiri, oulipianos, fumistas e zutistas, muitos são aqueles que são recordados e homenageados neste livro em virtude da sua coragem, da sua insolência e da sua capacidade de rir de todas as dominações, testemunhando o seu vivo compromisso contra a tirania do sério.
Não se trata simplesmente de um dicionário ( de A, como «AH!,AH!,AH!», até Z, como os zutistas) ou de uma antologia das tiradas mais ou menos burlescas de certos autores e figuras conhecidas. Trata-se sim de um obra que reúne algumas reflexões sérias e sábias sobre o riso, tal como o riso de combate ( «rir até às lágrimas»), o riso em Aristófanes, ou então o de Paul Valéry ( «O partido do espírito é sempre aquele que diz não, não e não»). Outros autores são igualmente convocados para se entregarem a exercícios de reflexão e análise acerca do riso. Os activistas americanos do Yes Man, por exemplo, marcam também presença nesse conjunto. Le Canard Enchaîné, Diógenes, Nietzsche são outras tantas referências incontornáveis que se passeiam ao longo da obra, sem esquecer os inimigos do riso como o fundador da Companhia de Jesus, Ignácio de Loyola ( «Não se riem, nem digam nada que provoque o riso»), ou o sério Staline («um povo feliz não precisa de humor»).
Felizmente, os ataques ao riso são ineficazes e não passam de uma vã tentativa de impor a ditadura do sério nas relações sociais entre os homens.
Alguns nacos do livro:
"Les femmes qui veulent être l'égale des hommes manquent sérieusement d'ambition" (Reiser).
"Il y a beaucoup de gens dont la facilité de parler ne vient que de l'impuissance de se taire" (Savinien Cyrano de Bergerac).
"Je n'ai pas aimé la pièce mais il faut dire que je l'ai vue dans les pires conditions : le rideau était levé" (Groucho Marx).
"Les morts ont de la chance, ils ne voient leur famille qu'une fois par an, à la Toussaint" (Pierre Doris)
"Les hommes appelés à en juger d'autres devraient avoir fait un stage de deux ou trois mois en prison" (Marcel Aymé)
História do Riso e do Escárnio", de Georges Minois, editado agora pela Teorema
O riso é uma virtude que Deus deu aos homens para os consolar por serem inteligentes, dizia Marcel Pagnol. Uma virtude que tem mais de dois mil anos, como testemunham as recolhas de histórias engraçadas com que já os gregos e os romanos se deliciavam. Mas podemos rir de tudo? Sim, afirma Demócrito cujo riso atrevido tem acentos espantosamente modernos. Sim, diz também Cícero, que inventaria mil formas de fazer rir. Não, proclamam em contrapartida os Padres da Igreja, porque o riso é um fenómeno diabólico, um insulto à criação divina, uma manifestação de orgulho. Os seus argumentos contudo não foram ouvidos na Idade Média: os reis fazem-se rodear de bobos, os homens divertem-se a rir uns dos outros, quando das assuadas, e o humor, que ainda não é mais do que paródia, infiltra-se mesmo nos sermões dos pregadores.
Com Rabelais, surge uma outra forma de rir, um riso ambíguo que abala todas as certezas e prolonga-se para além do Renascimento, um riso ora picaresco, ora grotesco, ora burlesco. A monarquia absoluta quer fazer entrar na ordem todos os amantes do riso. Mas será possível domesticar o riso? Disfarçado de humor ácido, o riso corrói pouco a pouco os fundamentos do poder e da sociedade. No século XIX, o humor encontra o seu terreno predilecto na sátira política, enquanto que os filósofos dissecam as suas virtudes, por vezes para as deplorarem, e Baudelaire procura o «cómico absoluto». A ironia torna-se uma forma de relação do homem com o mundo. Protege contra a angustia e, ao mesmo tempo exprime-a. «Eu rio-me com o velho maquinista Destino», escreve Vítor Hugo, que fixa em fórmulas imortais a ambiguidade do riso. O século XIX acaba com uma apoteose do riso e do nonsense. A partir de então, o mundo vai escarnecer de tudo, dos seus deuses como dos seus demónios.
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