Ciências Humanas e Sociais
O ocaso do reducionismo cientista
A propósito do livro «Um Universo diferente. A reinvenção da física na idade da emergência» de Robert B. Laughlin ( ainda não traduzido para português)
O prémio Nobel Robert Laughlin argumenta brilhantemente no seu último livro que as leis fundamentais da física emergem da organização colectiva
Não deixa de ser curioso que o termo reducionista tenha adquirido ultimamente uma conotação pejorativa – no sentido de algo como que simplista – já que todos os cientista se consideram a si mesmos como reducionistas no bom sentido da palavra e fazem gala disso mesmo: crêem que a forma de entender uma coisa complexa é decompô-la para compreender cada parte.
Os neurobiólogos tentam reduzir a mente humana aos seus circuitos componentes, os geneticistas esforçam-se em fragmentar estes nos genes que os desenham. Genes esses que, certamente, só podem ser compreendidos depois de se analisar os seus elementos químicos, cujas propriedades derivam das propriedades das suas peças físicas. Bem, e depois?
Se a ciência é inseparável do reducionismo, a mãe de todas as ciências – a física – é quase que inseparável daquele. Os físicos teóricos actuais procuram o mesmo que os filósofos antigos: a causa última dos fenómenos. O seu programa consiste em reduzir as moléculas em átomos, e estes em partículas, estas em quarks e estes a um princípio simples e autoevidente. A sua fé, se porventura alguma têm, é a de há um só istema de equações capaz de gerar todo o que existe – a teoria do todo – e não pensam em parar até conseguir o seu objectivo. Mas a pergunta subsistirá: seremos capazes de compreender tudo, quando o conseguirem fazer?
Robert Laughlin não só o nega categoricamente como defende no seu último livro «Um Universo Diferente» que o programa reducionista, a tal fé dos físicos, se baseia num gigantesco e pernicioso equívoco. Claro que não é o primeiro a sustentar essa tese, mas não é menos verdade que é dos primeiros que sabe do que fala. Sendo um dos melhores físicos teóricos do mundo, co-autor da descoberta de uma nova forma da matéria, e prémio Nobel de 1998, é pouco provável que o seu contundente ataque ao reducionismo científico possa ser vista como um desabafo filosófico resultante da ignorância.
A famosa observação do chanceler Otto Von Bismarck – com as leis passa-se o mesmo que com as salsichas: «é melhor não ver como são feitas» - tem também aplicabilidade para as leis da física, segundo Laughlin. Por muito elegantes e simples que sejam as leis de Newton ou as teorias de Einstein, nenhum físico as tomaria a sério se não fossem testadas com uma extraordinária precisão em centenas de experiências realizadas por sagazes e engenhosos investigadores.
Os físicos crêem que a velocidade da luz é uma constante fundamental da natureza – uma lei – pela simples razão que foi medida muitas vezes e o resultado é o que é, com um montão de decimais. É essa enorme precisão das experiências de medição que outorga às leis, ou às constantes, a credencial de «fundamentais».
As leis que operam à nossa escala são secundárias: derivam das fundamentais – reduzem-se a elas – e perdem a pureza e a precisão pelo caminho. Esse é, seguno o autor do livro, o grande esquema conceptual que qualquer físico tem no seu córtex cerebral.
O que é erróneo. A constante secundária que relaciona o volume, a pressão e a temperatura de um gáz , por exemplo, foi objecto de medição com uma precisão de uma milionésima. E o gáz não herdou esse comportamento exacto das leis fundamentais que regem os seus átomos constituintes, porque a constante perde a sua precisão com quantidades muito pequenas de gáz e acaba por se desintegrar porcompleto quando o sistema só tem uns poucos átomos. «A xtidão é também um fenómeno colectivo que surge de um princ´pio de organização», afirma Laughlin.
Mas isso é só princípio, porque o físico – que reconhece estar a propugnar por uma programa «radical» - mostra em seguida qu as mesmíssimas leis fundamentais, aquelas que o reducionismo científico descobriu no final da sua viagem ao interior da matéria, podem ser na realidade tão colectivas como as secundárias.
Se tivesse que definir o reducionismo com dois números não haveria melhor que a carga do electrão e a constante de Planck ( que relaciona o momento de uma partícula com a sua longitude de onda). Ambas se medem em electrões individuais com sofisticados instrumentos, mas nenhim deles dá um resultado tão preciso como um simples voltímetro aplicado a amostras de tamanho real, complexas quimicamente e cheias de toda a classe de impurezas.
Para o autor isso “prova a existência de importantes princípios de organização” inclusivé nestes domínios do reducionismo por antonomásia. No outro extremo da escala, o o actual modelo sobre a origem do universo – a inflação cósmica, ou o ban do Big Bang – “é emergentista por natureza e o fenómeno colectivo neste caso é o universo propriamente dito”.
A propósito danatureza colectiva das leis da física Robert Laughlin conta que certa vez numa conversa com o seu sogro lhe explicou como as leis da natureza emergem da organização colectiva e, como é possível, por conseguinte, que as leis relevantes à nossa escala quotidiana se possam descobrir, entender e aplicar sem necessidade de conhecer as suas componentes fundamentais. Face à descrença do sogro, para quem a organização derivava da existência das leis, Laughlin lançou-lhe a seguinte interrogação: «São os órgãos legislativos que fazem as leis, ou as leis que dão origem a esses órgãos?»
(tradução de uma recensão crítica do livro que foi pubicada na babelia, suplemento semanal do jornal El Pais)
Consultar:
www.britannica.com/eb/article-9117789/Robert-B-Laughlin
www.brainyquote.com/quotes/authors/r/robert_b_laughlin.html
eskesthai.blogspot.com/2005/12/laughlin-reductionism-emergenence.html
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