NEWTON C.A. DA COSTAA quase-verdade na ciência
GILLES-GASTON GRANGER
esta obra de Newton da Costa apresenta-se como um instrumento de trabalho _tratado completo de filosofia da ciência_ e, ao mesmo tempo, como uma exposição sintética e renovada de suas idéias originais sobre a lógica do conhecimento objetivo. Abordam-se três problemas fundamentais: que é o conhecimento científico? Que é a verdade? Que é a racionalidade? São problemas filosóficos de amplo alcance, mas que estão relacionados a dois tipos de ciência: as ciências ditas formais (lógica e matemática) e as ciências empíricas.
O livro, prefaciado por Jean-Yves Béziau, divide-se em cinco capítulos, correspondentes às três questões citadas e às duas espécies de ciência. A maioria dos conceitos epistemológicos introduzidos é objeto de uma tentativa de formalização, bem natural por parte do lógico que é Newton da Costa, e sempre interessante, mas que nem sempre aparece ao leitor como verdadeiramente pertinente e realmente útil.
Ao definir o conhecimento, Newton da Costa toma-o como crença ''verdadeira'' e ''justificada''. Mas ele reconhece pelo menos dois exemplos em que essa definição não capta o sentido usual da palavra ''conhecimento'', em razão, me parece, da ambiguidade, para o pensamento comum, da justificação e da verdade de certas proposições logicamente construídas. Newton da Costa passa então a expor formalmente um cálculo lógico das crenças, que acrescenta ao cálculo clássico proposicional cinco axiomas e um novo operador ''C''. Em seguida, um cálculo das justificações, com um operador ''J'', e cinco novos axiomas. Enfim, um último operador de verdade ''V'' e outros cinco axiomas. Tal acréscimo ao cálculo clássico captaria, segundo Newton da Costa, o sentido formal correto do conhecimento, sendo o operador de conhecimento ''K'' definido de modo que K(a) = C(a) & V(a) & J(a). Assim, exprime-se ''a dimensão formal da noção comum de conhecimento, como a adotamos neste livro''.
Trata-se aqui de uma noção de verdade como correspondência, mas outros tipos de verdade deverão ser considerados, obrigando a construir novas adaptações do sistema cognitivo. Observa-se, aliás, que a manobra para introduzir o cálculo K consiste no acréscimo à lógica clássica de um operador epistêmico, de natureza sensivelmente diferente. O capítulo termina com observações sobre a distinção entre ciências formais e ciências empíricas, e a proposta de cinco princípios concernentes às ciências empíricas: os princípios da possibilidade, da dupla origem (experiência e pensamento), da existência de uma natureza, dos critérios lógicos e epistemológicos e das categorias evolutivas. Tais princípios só alcançam todo seu sentido quando se examinam essas ciências empíricas.
O problema da verdade é seguramente aquele que constitui o núcleo duro do livro. Newton da Costa distingue classicamente uma verdade como correspondência, uma verdade pragmática e uma verdade como coerência. Expõe a primeira segundo Tarski, a segunda conforme Peirce e James e a última segundo Neurath. Sua própria noção da verdade científica é apresentada como ''quase-verdade'', uma variante da verdade pragmática, definida informalmente: ''a sentença S é pragmaticamente verdadeira, ou quase-verdadeira, em um domínio do saber D, se, dentro de certos limites, S salva as aparências em D ou, em D, tudo se passa como se ela fosse verdadeira segundo a teoria da correspondência''.
É dada uma definição formal por meio do conceito de ''estrutura pragmática simples'', envolvendo um conjunto A1 de objetos ''reais'' munido de relações parcialmente definidas; um conjunto A2 de objetos ''ideais'' munido de relações parciais, algumas das quais são extensões das relações em A1; e um conjunto de proposições da linguagem utilizada que são consideradas como verdadeiras (por exemplo, empiricamente decidíveis ou teoricamente aceitas).
Newton da Costa introduz então uma certa estrutura B em que todas as relações são definidas e define a quase-verdade de uma proposição na estrutura pragmática simples, considerada como verdade correspondencial na estrutura B. Essas estruturas B podem, segundo Newton da Costa, ser identificadas aos mundos de Kripke para as modalidades de S5. Formaliza-se então seu sistema de quase-verdade ''estrita'' por meio de dez postulados em que figura o operador de necessidade, e depois de quase-verdade ampliada mediante o operador de possibilidade, de modo que uma proposição demonstrada nesse sistema seja tal que sua possibilidade é estritamente quase-válida.
Essa noção de quase-verdade parece dizer respeito apenas aos conhecimentos empíricos, pois as ciências formais almejam a verdade como correspondência e efetivamente lançam mão da lógica intuicionista. Por outro lado, o próprio conceito formal de quase-verdade é construído a partir da lógica clássica. Contudo, diz Newton da Costa, a lógica pode ser considerada sob três aspectos: como disciplina matemática, como instrumento de base para a matemática e seu órgão de inferência e como codificação de diversos processos de inferência (próprios a cada domínio da ciência). Desse modo, em física, por exemplo, surgem proposições incompatíveis, sistemas inconsistentes do ponto de vista clássico, sem que o conjunto seja trivializado, no sentido de que todas suas proposições fossem demonstráveis. A lógica que corresponderia a tais situações é uma lógica paraconsistente, desenvolvida por Newton da Costa em outras obras, ou uma lógica ''multidedutiva''.
A idéia epistemologicamente fundamental de racionalidade científica é tratada nos dois capítulos consagrados aos dois tipos de ciência e em um capítulo especial, o quinto. Newton da Costa distingue três dimensões da racionalidade: a lógica, a indutiva e a crítica. A dimensão lógica é naturalmente aquela que mais diretamente interessa a Newton da Costa; a seu propósito, ele insiste no fato de que a ciência, e particularmente a ciência empírica, tem que ''compatibilizar, de um modo ou de outro, teorias inconsistentes entre si'', devendo por essa razão fazer uso de lógicas heterodoxas, como as lógicas paraconsistentes. Dessa perspectiva, a tese principal do autor pode, no entanto, parecer atenuada pelo seu reconhecimento do primado da busca ideal de uma verdade como correspondência.
A obra permite uma leitura agradável e instrutiva, ainda que as considerações propriamente filosóficas possam às vezes parecer insuficientemente profundas a um leitor com formação em filosofia. Cada capítulo é acompanhado de bibliografias e notas e, no fim do livro, foram incluídos apêndices redigidos pelo próprio autor e por seus colaboradores. São complementos muito interessantes ao texto, embora geralmente exponham de modo bastante sucinto os temas não desenvolvidos no corpo da obra, como a lógica paraconsistente, as lógicas multidedutivas, as aplicações da teoria dos conjuntos à biologia, uma axiomatização da economia matemática, a incompletude de certas estruturas finitas, a paraconsistência e teoria dos conjuntos.
Gilles-Gaston Granger é professor honorário do Collège de France (Paris) e autor de, entre outros, ''A Ciência e as Ciências'' (Unesp).
Folha de São Paulo
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