A luta contra o impeachment não pode vir dissociada da luta contra o ajuste fiscal, pois não estão em jogo apenas a democracia e o Estado de direito, mas também os direitos sociais e trabalhistas, as condições de vida de milhões de trabalhadores e a soberania nacional
Em 1992, o movimento “Fora Collor” não conseguiu articular a luta pelo impeachment do então presidente Fernando Collor com a luta contra a política neoliberal. Na medida em que os meses se passaram e o movimento foi ganhando força, duas frentes de luta conquistaram centralidade: 1) a luta contra os efeitos do neoliberalismo (desemprego, arrocho salarial, desindustrialização etc.) – mas não contra suas causas; e 2) a luta em defesa da ética na política e contra a corrupção.
No clímax do movimento, quando ocorreu a deposição de Collor, as atenções estavam fundamentalmente voltadas para a crítica moralista à corrupção, ainda que tal crítica assumisse uma feição mais progressista por estar vinculada a uma perspectiva mais distributivista.
Tal processo impactou o governo Itamar Franco, que teve que fazer mudanças na política econômica e social, mas o impacto foi de fôlego curto, pois os setores progressistas já se encontravam desarmados para enfrentar a consolidação da hegemonia neoliberal nos anos seguintes.
Em 2015, deparamo-nos com um estelionato eleitoral. A candidata vitoriosa no pleito presidencial de 2014, ao se reeleger, optou por implementar o programa do adversário. A oposição de direita, que é favorável à aplicação do ajuste fiscal, muito espertamente aproveitou-se das insatisfações sociais em relação ao estelionato eleitoral e aos efeitos deletérios provocados pelo ajuste sobre as condições de vida da maioria da população, para empreender uma campanha que resumia tudo ao envolvimento do partido do governo com a corrupção.
A corrupção do PT passaria a ser, assim, a origem de todos os males sociais e não mais o ajuste fiscal. Como saída apontavam – e ainda apontam – para a defesa da prisão seletiva dos “petralhas” (e não dos “tucanalhas” e seus asseclas) e do impeachment de Dilma.
Levantaram a lebre aqui da crítica moralista da corrupção, mas a partir de uma perspectiva conservadora ancorada numa visão antidistributivista e conectada com a política neoliberal.
Aos setores progressistas, coube denunciar o estelionato eleitoral e fazer a crítica do ajuste fiscal. É verdade que nem sempre foi assim, já que parte dos setores progressistas sustentou que a crítica ao ajuste fiscal poderia ainda mais enfraquecer o governo Dilma e se acomodou à lógica de ter que tomar o remédio amargo.
Diante da decisão da Câmara dos Deputados de abrir o processo de impeachment da presidenta Dilma por conta das “pedaladas fiscais” – que estão muito longe de poderem ser caracterizadas como crime de responsabilidade -, começou a ganhar força um movimento alimentado por setores progressistas de centrar as atenções na luta contra o impeachment e fazer, com isso, cortina de fumaça sobre o ajuste de fiscal.
Consideramos que a luta contra o impeachment não pode vir dissociada da luta contra o ajuste fiscal, pois não estão em jogo apenas “a democracia, o Estado de direito e a República”, como sugere um manifesto assinado por intelectuais progressistas. Estão em jogo também os direitos sociais e trabalhistas, as condições de vida de milhões de trabalhadores e a soberania nacional.
Enfim, insistimos: é preciso articular a luta contra o impeachment com a luta contra o ajuste fiscal, pois o inimigo a combater são as forças que compõem o campo político do rentismo. Se tal articulação não for feita, corremos o risco de repetir os erros de 1992 e desarmar os setores progressistas para a necessária luta contra o neoliberalismo.
Por:
Danilo Enrico Martuscelli
É professor de Ciência Política da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e editor do blog marxismo21. Autor do livro "Crises políticas e capitalismo neoliberal no Brasil" (Curitiba, CRV, 2015)
Crédito da foto da página inicial: Arnildo Schulz/CB/D.A.Press (saída de Fernando Collor de Mello e Rosane Collor de Mello do Palácio do Planalto em 2 de outubro de 1992).Fonte: Debate Brasil
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