Demócrito, de quem não se conservou qualquer texto original, segundo a lenda, ria-se sobretudo da estupidez humana e, por isso, autores romanos como Horácio utilizam a sua figura para criticar os seus contemporâneos e dizem que o filósofo se teria rido à gargalhada deles.
O riso de Demócrito pode ser visto de duas maneiras: por um lado, expressa uma decepção perante a condição humana e, nesse sentido, seria uma variante do pranto de outro filósofo, Heraclito; por outro lado, o riso de Demócrito tem um aspecto afirmativo que mostra que, apesar de toda sua decepção perante a humanidade, o filósofo grego não estava disposto a renunciar a gozar a vida.
Diferentemente de Demócrito, para quem o riso e o humor pareciam ser um a atitude vital, Diógenes o Cínico, acérrimo rival de Platão, utilizava esses dois elementos como armas críticas. Os alvos de Diógenes eram as cidades gregas e os costumes dos seus habitantes, o poder político e, acima de tudo, a doutrina platónica.
Platão quis efectivamente desterrar o riso ao ver o hábito de rir como uma manifestação de arrogância, muitas vezes injustificada. Rabelais, por sua vez, via o riso como o melhor que há no ser humano. Kant via no humor um sintoma de argúcia e inteligência, e concebia o riso como uma consequência de uma tensão que se dilui subitamente quando entra em jogo algo absurdo e incoerente.
À teoria do riso como expressão de um sentimento de superioridade e da gargalhada em consequência de uma incoerência, aparece uma outra teoria, centrada na ideia do contraste que, com diferentes matizes, representam Arthur Schopenhauer, Soren Kierkegaard e Henri Bergson, entre outros.
O riso materialista é aquele que se ri dos temores, das superstições e até dos valores seguidos pela humanidade. É o riso de filósofos como Demócrito, Epicuro, Spinoza, Rabelais, La Mettrie, etc. Um riso que humaniza e nos aproxima uns dos outros.
O riso é necesário, indispensável mesmo. Mas o riso tanto pode ser a expressão de um prazer, como um máscara que assumimos. Diz-se por exemplo que os profissionais, que fazem rir os outros, são pessoas desesperadas.
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Em 1674, na corte da Rainha Cristina da Suécia, em Roma, o padre Antônio Vieira profere - em italiano - um discurso em que defende o pranto de Heráclito em contraposição ao riso de Demócrito. Traduzido mais tarde para o português, As Lágrimas de Heráclito passaria a integrar as principais edições das obras de Vieira.
«Demócrito ria, porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heraclito chorava, porque todas lhe pareciam misérias: logo maior razão tinha Heraclito de chorar, que Demócrito de rir; porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias, e não há ignorância que não seja miséria».
(…)
«Há chorar com lágrimas, chorar sem lágrimas e chorar com riso: chorar com lágrimas é sinal de dor moderada, chorar sem lágrimas é sinal de maior dor; e chorar com riso é sinal de dor suma e excessiva... »
Padre António Vieira - O Pranto e o Riso ou as Lágrimas de Heráclito
Discurso integral do Padre António Vieira,
em Roma no ano de 1674,
a convite da Rainha Cristina da Suécia
Se o mundo é mais digno de riso ou de pranto, e se à vista do mesmo mundo tem mais razão quem ri, como Demócrito, ou quem chora, como chorava Heraclito, eu pretendo defender a parte do pranto.
Confesso que a primeira propriedade do riso é o risível; e digo que a maior impropriedade da razão é o riso.
O riso é o final do racional; o pranto é o uso da razão.
Quem conhece verdadeiramente o mundo, precisamente há-de chorar; e quem ri, ou não chora, não o conhece.
Que é este mundo senão um mapa universal de misérias, de trabalhos, de perigos, de desgraças, de mortes?
E à vista deste teatro imenso, tão trágico, tão lamentável, que homem haverá (se acaso é homem) que não chore?
Se não chora, mostra que não é racional, e se ri, mostra que também as feras são capazes de rir.
Mas se Demócrito era um homem tão grande entre os homens, e um filósofo tão sábio, e se não via este mundo, mas tantos outros mundos por si inventados como poderia rir?
Poderá dizer-se que ele não ria deste mundo, mas daqueles seus mundos.
E com razão; porque a matéria de que eram compostos os seus mundos imaginados, toda era de riso.
É certo porém, que ele ria neste mundo e que se ria deste mundo. Como pois se ria ou podia rir-se Demócrito do mesmo mundo e das mesmas coisas que via e chorava Heraclito?
A mim, senhores, me parece que Demócrito não ria, mas que Demócrito e Heraclito ambos choravam, cada uma seu modo.
Que Demócrito não risse, eu o provo.
Demócrito ria sempre, logo, nunca ria.
A sequência parece difícil, mas é evidente.
O riso, como ensinam todos os filósofos, nasce da novidade e da admiração; e cessando a novidade e a admiração, cessa também o riso.
Por isso, quando vemos uma figura ridícula, ou então ouvimos algum dito engraçado e faceiro, rimos de princípio, mas uma vez dada razão àquela primeira surpresa, uma vez que cesse a novidade, cessa ao mesmo tempo o riso; e como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo e o que quando sai de casa rindo, sendo sem controvérsia, já que o que é comum e vulgar não pode causar nenhuma admiração nem novidade, depreende-se, como consequência, que, se ria sempre, nunca ria, e aquilo que parecia, de facto não era riso.
Há chorar de lágrimas, chorar sem lágrimas e ainda chorar com riso.
Chorar com lágrimas é sinal de dor moderada; chorar sem lágrimas é sinal de maior dor; e chorar com riso é sinal de dor suprema e excessiva.
A dor moderada solta as lágrimas, a grande dor as enxuga e as seca.
Dor que pode sair pelos olhos, não é grande dor; por isso não chorava Demócrito.
E como era pequena demonstração da sua dor, não só chorar com lágrimas, mas ainda sem elas, para declarar-se com o sinal maior, sempre se ria.
Desta sorte a tristeza, se moderada, faz chorar, se excessiva, pode fazer rir.
Se a excessiva alegria é causa de pranto, a excessiva tristeza não será causa de riso?
Na guerra morrem muitos soldados rindo e a razão é, diz Aristóteles, porque são feridos no diafragma.
Não se ria Demócrito, como contente, ria como ferido.
Os olhos poderão queixar-se desta minha filosofia mas, acho eu, sem razão, pois o pranto vem da dor provocada pelo batimento nas mãos e, se se reflectir, vê-se que os olhos não são necessários à capacidade de falar.
E se choram as mãos por que não há-de a boca chorar?
Heraclito chorava com os olhos; Demócrito chorava com a boca; o pranto dos olhos é mais fino; o da boca mais mordaz.
Demócrito ria porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heraclito chorava porque todas lhe pareciam misérias; logo, tinha mais razão Heraclito para chorar do que Demócrito para rir, porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias e não há ignorância que não seja miséria.
E como nem todas as misérias são ignorâncias e todas as ignorâncias são misérias, razão tinha Heraclito de chorar que Demócrito de rir, antes digo, que só Heraclito tinha toda a razão e Demócrito nenhuma.
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