A União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) está contra a possível criação, por parte da Câmara Municipal de Santa Comba Dão, de um museu sobre o período do Estado Novo e Salazar. O núcleo de Viseu e Santa Comba Dão desta entidade marcou para o próximo dia 3 de Março, pelas 15H00, uma “sessão pública de afirmação dos ideais antifascistas”.
A sessão decorrerá no auditório municipal santacombadense e conta com a participação do coordenador do conselho directivo da URAP, Aurélio Santos. Alberto Andrade, da URAP, adiantou, que está igualmente previsto lançar um abaixo-assinado contra esta intenção do município. Para aquele elemento da URAP, a autarquia quer “criar uma organização centrada na propaganda da ditadura corporativo-fascista, em conflito com a Constituição da República e afrontando todos os portugueses que se identificam com a democracia e o acto fundador do 25 de Abril”.
“Realizamos esta sessão pública, porque é preciso, imperioso e urgente afirmar os ideais antifascistas em Santa Comba Dão e em todo o país, e travar mais esta tentativa de branqueamento do fascismo e de degradação do regime democrático”, frisou. Mostra-se igualmente crítico pelo facto de a autarquia ter efectuado um protocolo com Rui Salazar Mello, sobrinho-neto de Salazar, “em que irá pagar dois mil euros por mês para este senhor fazer parte da gestão do museu, em troca da cedência de documentos do ditador”. Gravura de José Dias Coelho (1923-1961), assassinado por uma brigada de esbirros da PIDE, polícia política do regime fascista de Salazar
Foi recentemente lançado um novo livro de autoria de João madeira, Irene Flunser Pimentel e Luís Farinha com o título Vítimas de Salazar, Estado Novo e Violência Política.
Transcrevemos, com a devida vénia, uma breve resenha do livro retirada de:
http://ppresente.wordpress.com/
Vítimas de Salazar, de João Madeira, Irene Flunser Pimentel e Luís Farinha, permite percorrer esse duplo caminho que atravessa resistência e repressão. Ao mesmo tempo que aborda a violência cometida pelas autoridades, recupera o rosto daqueles que arriscaram romper o cerco e lutar, das mais variadas formas, contra o regime ditatorial. Como declara João Madeira na introdução, este não é o estudo sistemático «que é globalmente indispensável» e «que tem vindo a ser parcelarmente realizado» sobre este domínio. Ainda assim, convém esclarecer que a obra não se limita a coligir e elucidar situações mais ou menos emblemáticas, mais ou menos desconhecidas – tarefa já de si altamente louvável – mas proporciona uma útil visão de conjunto sobre os mecanismos da repressão política.
No prefácio, Fernando Rosas elabora algumas considerações sobre os dois temas que, visível e invisivelmente, percorrem a obra: a violência e a memória. Sobre esta, Rosas salienta que a revolução de 1974/75 se fez, desde logo, em nome da «memória do antifascismo», o que explicaria o assalto à PIDE, a libertação dos presos políticos, a liquidação do partido único e da censura, a extinção da Legião Portuguesa (LP), da Mocidade Portuguesa (MP) e da Mocidade Portuguesa Feminina (MPF), bem como os saneamentos de governantes, delatores e colaboradores do regime.
Num segundo momento, colocado na curva da década de setenta para a década de oitenta, teria emergido uma «cultura de negação/revisão» dessa memória que fora dominante durante o biénio revolucionário. Fernando Rosas identifica três manifestações deste processo: 1. «a anulação ou esvaziamento prático de grande parte das medidas de justiça exigidas e parcialmente impostas»; 2. «o prolongado fecho de alguns arquivos essenciais à investigação histórica do Estado Novo e suas instituições»; 3. «a construção progressiva de um discurso de revisão historiográfica», que não tem a ver com a querela relativa a classificação (ou não) do regime como um fascismo, mas com uma dada interpretação que lhe enfatiza o lado civilista. Liderada por um professor catedrático e temperada por uma «matriz católica», a ditadura portuguesa ter-se-ia caracterizado pelo seu «baixo teor de violência».
É precisamente sobre a questão da violência, central neste volume, que Rosas faz mais algumas breves alusões. Enquanto projecto de superação do liberalismo e de cura da Nação através da erradicação dos «traidores da Pátria», a violência dos regimes de tipo fascista era «potencialmente irrestrita», variando a sua extensão de acordo com as circunstâncias e as possibilidades. A durabilidade dos regimes implicaria, pois, uma cuidadosa gestão entre a «violência preventiva» e a «violência punitiva», caminhos apostados em «enquadrar a massa» e «moldar os espíritos».
A primeira seria a forma mais constante, ainda que menos evidente, de violência política, e sustentava-se na intimidação, na dissuasão e no medo. Neste campo jogaram um papel essencial a igreja católica – sobretudo até a década de cinquenta –, o aparelho censório e os organismos estatais de inculcação ideológica. Aqui se traçava um «primeiro círculo de segurança que toda a gente que não quisesse correr sérios riscos ou arranjar problemas graves, interiorizava não poder pisar». O segundo domínio da violência – o da repressão directa – agia sobre um número quase sempre mais escasso de indivíduos e servia-se de uma rede própria: a PIDE, a PSP, a GNR, a LP, os tribunais especiais, as prisões e os campos de concentração, bem como por uma legislação penal que suportava e permitia uma série de arbitrariedades.
Mobilizando uma quantidade apreciável de documentos, informações e testemunhos, os autores de Vítimas de Salazar desenham um retrato inequívoco da identidade agressiva do Estado Novo. Nele se destacam as perseguições, os assassinatos, os interrogatórios da PIDE – onde, como lembrou o psiquiatra Afonso de Albuquerque, o que interessava não era fazer falar mas «a destruição da personalidade do preso e a criação de um clima de terror» – ao mesmo tempo que se vai apontando a referida «violência preventiva»: a censura, as escutas telefónicas, o medo, a mentalidade delatória, a violação de correspondência, as estruturas ideológicas do regime, são alguns dos temas documentados. Não se confundindo, pois, com um libelo acusatório, o livro não abdica de «tomar partido», isto é, de mostrar que na dialéctica entre torcionários e vítimas, delatores e perseguidos, opressores e oprimidos, a dignidade está apenas num dos lados.
João Madeira, Luís Farinha, Irene Flunser Pimentel (2007), Vítimas de Salazar. Estado Novo e Violência Política. Prefácio de Fernando Rosas. Lisboa: A Esfera dos Livros. 452 pp. [ISBN 978-989-626-044-6]
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