A propósito da não-violência e das lutas sociais ilegais
Ciências Humanas e Sociais

A propósito da não-violência e das lutas sociais ilegais


Ceifeiros Voluntários de Transgénicos (OGMs)

Tirar fotocópias de um livro é um acto ilegal, mas um acto não-violento.
E o mesmo se passou em Silves com a acção contra os transgénicos: tratou-se também de um acto ilegal não-violento.


A intoxicação é tanta, o confusionismo que se instalou é enorme que se torna imperioso que as pessoas mais sensatas e esclarecidas intervenham e mostrem que a acção não-violenta contra os transgénicos em Silves foi mais uma das muitas que se tem registado desde há anos por essa Europa fora.

É PRECISO CONTRARIAR A DESINFORMAÇÃO E O OBSCURANTISMO que é incutido por gente ao serviço de interesses inconfessáveis.

Por isso aqui vão alguns esclarecimentos para os que estão mais confusos.

A acção contra os transgénicos em Silves foi uma acção ilegal ( como é ilegal tirar fotocópias de um livro, ou impedir a circulação numa estrada) , mas todos esses actos são acções não-violentas.

Juridicamente a violência física define-se como o emprego de força sobre o corpo da vítima, com alguma lesão corporal para a sua integridade física. Ora nada disso aconteceu.


Para mostrar o carácter não-violento da acção contra os transgénicos coloco aqui abaixo um texto com uma entrevista a Jean-Baptiste Libouban, uma das figuras destacadas do movimento dos ceifeiros voluntários que tem levado a cabo ceifas anti-OGM em França.

Jean-Baptiste Libouban pertence e foi responsável pelas Comunidades de l’Arche, que são as comunidades inspiradas na filosofia da não-violência de Lanza del Vasto.


O texto de Boaventura Sousa Santos, o mais prestigiado sociólogo português, e também doutorado em direito penal pela Faculdade de Direito de Coimbra, que há dias atrás transcrevi aqui, fala que os actos ilegais foram fundacionais das democracias modernas.


Um texto de José Carlos Marques, que também entretanto apareceu ( pesquisar no Fórum do Gaia), mostra igualmente que muitas das acções na recente história do movimento ecologista foram ilegais.

Victor Louro, engenheiro de silvicultura, num texto publicado no jornal Público do passado domingo, escreve:

«Em Portugal assistimos, por exemplo, nas décadas de 80 e 90, a acções contra a eucaliptização indiscriminada, nem todas respeitadoras da legalidade instituída. No entanto, foi graças a tais acções (algumas também atentatórias da propriedade privada), que a eucaliptização selvagem foi sendo travada, dando origem a legislação mais atenta ao bem público. Mas nem nessa altura se viu a berraria a que temos assistido a propósito desta acção relativa ao milho transgénico!»







Entrevista com Jean-Baptiste Libouban:
http://www.terre-net.fr/outils/fiches/FicheDetail.asp?id=2731

Jean-Baptiste Libouban é um membro das Comunidades de L’Arche (movimento criado por Lanza del Vasto), de que ele foi um dos principais responsáveis entre 1990 e 2005. Ele é ambém um dos iniciadores do movimento dos «Ceifeiros Voluntários» (Fauchers Volontaires) para cuja criação ele apelou no encontro de Larzac 2003.
Participou em numerosas ceifas anti-OGM e foi condenado pelo tribunal de Toulouse em 8 de Novembro de 2004 por uma acção de destruição de uma parcela de milho transgénico em 25 de Julho de 2004 em Menville ( Haute-Garonne, França), tendo apelado para o tribunal superior dessa decisão, esperando uma decisão final para o próximo dia 10 de Janeiro de 2007.

Acerca de Libouban, da não-violência e das Comunidades de L’Arche de Lanza del Vasto, ver:
http://amopie.free.fr/l_arche_de_lanza.htm



«Nós não pedimos à Monsanto para vir poluir os nossos campos»(Jean-Baptiste Libouban)

No momento em que se multiplicam as acções anti-OGM em França a tensão entre activistas e agricultores de transgénicos aumenta à medida que estes vêem os seus campos a serem periodicamente destruídos, apesar dos processos judiciais contra os primeiros e do apelo a mais dureza lançado pelo procurador-geral.
Trata-se de um fenómeno que marca o aparecimento mediático dos «Ceifeiros Voluntários», um grupo que soube impor-se na paisagem pública em poucos anos. Encontro com Jean-Baptiste Libouban, agricultor reformado, que está na origem da criação do colectivo.

Pergunta – Como nasceram os ceifeiros voluntários?
Resposta de Jean-Baptiste Libouban – A génese do movimento remonta à destruição de um stock de sementes transgénicas no laboratório da Novartis em Lot-et-Garonne, em Fevereiro de 1998. Quando José Bové e os seus colegas foram condenados, criminalizados pelo seu acto, pareceu-me insuportável que uma vez mais fossem os camponeses, os únicos a arcar com a responsabilidade por uma acção concebida e realizada pelo bem comum. Daí surgiu a ideia de alargar a base de militantes. No dia da saída da prisão, fui ter com José Bové para lhe apresentar o meu projecto, que imediatamente lhe agradou. A ideia era de reunir, à volta da questão dos OGM, gente de todos os horizontes que, conscientemente, se empenhassem contra os cultivos transgénicos. Por ocasião do encontro de Larzac de 2003, montamos um stand para informar os participantes da nossa iniciativa. No fim do encontro tínhamos reunido mais de 400 assinaturas de pessoas prontas a associarem-se ao movimento. Hoje somos 3.2000 ceifeiros. Todos se identificam no combate contra os OGM em razão do risco que eles representam para o património vegetal., do perigo latente em matéria de saúde humana, e da vontade conjunta de defesa do mundo camponês.

Pergunta – Vocês definem-se como «colectivo cidadão», enquanto os agricultores de transgénicos qualificam as vossas acções como de «simples delinquentes». Como concebe um movimento de cidadãos actuando na ilegalidade?
Resposta – Toda a noção de desobediência civil está aí. Estamos conscientes em que actuamos contra as normas legais. Mas diferentemente dos criminosos não fugimos à sanção, porque actuamos por aquilo que estimamos ser o interesse colectivo. É preciso mudar a lei que protege as empresas que colocam em perigo o nosso património comum, o património vegetal. Por exemplo, nenhuma responsabilidade foi pedida em caso de contaminação de um terreno por uma cultura vizinha de OGM . Isso é intolerável. Não me considero delinquente, mas enquanto membro da sociedade civil, entendo que de deve ouvir a voz da maioria dos franceses que, recorde-se, se opuseram aos OGM.

P – As acções dos ceifeiros voluntários obedecem a um certo número de regras.
R – Sim, absolutamente.As manifestações lançadas e reivindicadas pelos ceifeiros voluntários são feitas sistematicamente a luz do dia, de cara descoberta e de maneira não-violenta.. A este títuloreivindicamos até agora 3 acções. As de Menvile, Marsat e Pithiviers, as únicas que preencheram essas condições. Além disso, não somos uma associação, o que evita eventuais demandas judiciárias contra nós. Cada cefeiro responde inteiramente, e unicamente, pelos seus actos face à justiça. É por essa situação, ou antes por falta de um estatuto definido, que se explica o facto de na hora em que algumas figuras conhecidas do movimento serem ouvidas nos postos policiais também haver uma massiva comparência de activistas. De resto, a atitude das autoridades é contraditória. Actualmente somos nove pessoas processadas por um «delito cometido em reunião com 400 co-autores ou cúmplices». Se assim é porque não ouvir esses 400 «cúmplices»? Porquê que são seleccionados apenas os eleitos e as caras conhecidas – eis uma pergunta a ser feita ao proocurador.

P – A propósito disso como explica que, no momento em que o Procurador-geral pede maior dureza contra os ceifeiros voluntários, são muitas as pessoas que se surpreendem com a relativa impunidade que os activistas beneficiam durante as suas acções?
R – É verdade que em Menville,por exemplo, os poucos polícias presentes não impediram a destruição das culturas de transgénicos, mas identificaram os participantes com vista a acusações posteriores. Penso que se trata de uma orientação dos poderes públicos para não fazerem de nós mártires, o que multiplicaria o número de ceifeiros. Dito isto, tal não impede o risco de apnharmos penas de cinco anos de prisão e 75.000 euros de multa, e o dobro para José Bové, que é reincidente. Aceito que a situação é igualmente difícil para os agricultores de transgénicos que perdem muito dinheiro e trabalho nessas destruições. Mas não fomos nós que pedimos à Monsanto e a outros para virem poluir os nossos campos.

P – Uma nova destruição é prevista para o dia 5 de Setembro. O objectivo da vossa luta não será afinal de forçar a justiça prender-vos, em desespero de causa?
R – Mas isso só iria reforçar o movimento. Caso eles nos prendam, tal seria lamentável, mas lá estaremos. Em todo o caso, ninguém se subtrairá à justiça. Representamos a sociedade civil, em que uma maioria rejeita os OGM. Se o Estado não assume o seu papel, nós faremos o seu. Somos uma espécie de cirurgiões As culturas transgénicas ao ar livre são membros atingidos por gangrena que se torna necessário amputar antes que o mal se lastre aos campos vizinhos. As grandes empresas de sementes empurraram o governo a aceitar as culturas ao ar livre, pensando num mercado a conquistar. Pela minha parte, penso que a agricultura francesa deve ter outras ambições.

P- O que pensa sobre o impacto nos media do colectivo a que pertence?
R – Acho que os ceifeiros dão um boa resposta de cidadania a um problema da sociedade. Diz-se que os Franceses não votam, que se desinteressam do debate: eu, por mim, vejo pessoas que se mobilizam. Isso agrada-me, mesmo que me vá custar caro.

P – Os ensaios sobre os OGM devem continuar?
R - Nós não somos contra uma investigação pura, desde que seja confinada, e independente das empresas privadas.O que eu receio é a difusão de produtos de que não tem a mínima ideia do seu impacto no ambiente, nem sobre a saúde humana. E os ensaios ao ar livre, para além de um risco elevado de contaminação que provocam. Constituem um autêntico perigo para as culturas sãs vizinhas. Ao contrário do que ouvi dizer da boca de eminentes cientistas, o princípio da precaução defendido entre outros por Hervé Gaymard é tudo menos um travão à pesquisa.


Ler um artigo do jornal L'Humanité sobre Libouban, sintomaticamente com o título «Em nome dos fora-da-lei»:
http://www.humanite.fr/2004-08-05_Politique_-Au-nom-des-hors-la-loi

Ler ainda:
http://non-violence-mp.org/reflexions_fichiers/libouban.htm



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