A acção dos activistas em Copenhaga, que estiveram também em Seattle, será muito mais desobediente ( Naomi Klein)
Ciências Humanas e Sociais

A acção dos activistas em Copenhaga, que estiveram também em Seattle, será muito mais desobediente ( Naomi Klein)


A Vida neste nosso mundo pode acabar
por causa de muitos actos de obediência!


JUSTIÇA CLIMÁTICA ou CAOS CLIMÁTICO



The Seattle activists' coming of age in Copenhagen will be very disobedient

Texto de Naomi Klein publicado no jornal inglês The Guardian




A conferência do clima testemunhará uma nova maturidade do movimento que se iniciou há uma década atrás. Mas isso não significa sentirmo-nos mais seguros.


Há dias atrás recebi a pré-publicação do livro «A Batalha da História da Batalha de Seattle», por David e Rebecca Solnit. Feito para sair 10 anos após a histórica coligação de activistas que acabaram com a cimeira da OMC em Seattle e que serviu de faúlha que incendiou o movimento anti-corporativo global.


O livro é um fascinante relato do que realmente aconteceu em Seattle; mas quando falei com David Solnit, um dos defensores da acção directa, que ajudou a acabar com o encontro, encontrei-o menos interessado em relembrar 1999 do que em falar sobre o encontro acerca do aquecimento global das Nações Unidas que se realiza nos próximos dias em Copenhagen e as acções de "justiça climática" que ele está a ajudar a organizar nos EUA. "Este é definitivamente um momento do tipo Seattle" disse-me ele. "As pessoas estão prontas pra arrebentar."


Há, certamente, uma qualidade de Seattle nas mobilizações de Copenhaga: a diversidade de grupos que estarão lá; as táctica diversas que serão mostradas; e os governos dos países em desenvolvimento prontos a trazer as reivindicações dos activistas ao encontro. Mas Copenhagen não é meramente uma outra Seattle. Ao contrário, sente-se ao mesmo tempo em que as placas tectónicas progressivamente se movem, a criação de um movimento que se constrói sobre as forças de uma era anterior mas também que aprende com os seus erros.

A grande crítica ao movimento que os media insiste em chamar de "anti-globalização" foi sempre que tinha uma grande lista de queixas e poucas alternativas concretas. O movimento que converge em Copenhagen, ao contrário, recai sobre a questão do aquecimento global, mas agita uma narrativa coerente sobre as suas causas, e curas, que incorporam virtualmente cada questão no planeta.

Nessa narrativa, o clima não está mudando somente por causa de práticas poluidoras específicas mas em razão da latente lógica do capitalismo, que valoriza lucro a curto prazo e crescimento perpétuo sobre qualquer outra coisa. Os nossos governos queriam que acreditássemos que a mesma lógica poderia ser aproveitada para resolver a crise climática, criando um produto de troca chamado "carbono" e transformando as florestas e áreas rurais em pias que iriam supostamente compensar tais emissões.

Os activistas em Copenhaga vão questionar isso, porque longe de resolver a crise climática, o negócio do carbono representa uma privatização sem precedentes da atmosfera, e essas compensações e "pias" viriam a ser um recurso de proporções coloniais. Não somente essas "soluções-baseadas-no-mercado" falham ao tentar resolver o problema da crise climática, como essas opções irão aprofundar ainda mais os níveis de pobreza e desigualdade, pois os mais pobres e vulneráveis são as primeiras vítimas do aquecimento global, tal como os porquinhos da índia foram vítimas desses esquemas de negócios em torno das emissões.

Mas os activistas em Copenhaga não vão somente dizer não a tudo isso. Eles vão agressivamente avançar com soluções que, simultaneamente, permitam reduzir as emissões e diminuir as desigualdades sociais. Diferente dos encontros anteriores, onde as alternativas pareciam ficar em segundo plano, em Copenhagen as alternativas estarão no centro do palco.


Por exemplo, a coligação de acção directa «Acção Justiça Climática» tem apelado aos activistas para perturbar o centro de conferências no dia 16 de Dezembro. Muitos farão isso através do "bike block", pedalando juntos, e mostrando a "irresistível nova máquina de resistência", feita de centenas de bicicetas velhas. O objectivo dessa acção não é bloquear o encontro, estilo-Seattle, mas abri-lo, transformando-o em "um espaço para falar sobre nossa agenda, uma agenda dos de baixo, uma agenda da justiça climática, de soluções reais contra as falsas ... Esses serão os nossos dias".

Algumas das soluções apresentadas pelo campo activista são as mesmas que o movimento pela justiça global tem levado a cabo ao longo dos últimos anos: agricultura local e sustentável; projectos pequenos e descentralizados; respeito por terras e direitos indígenas; deixar os combustíveis fósseis no solo; e pagar por essas transformações através de impostos sobre transacções financeiras e cancelando as dívidas externas. Algumas soluções são novas, como a reivindicação de que os países ricos paguem o "débito do clima" para a reparação dos países pobres. Temos visto, como no ano passado, o tipo de recursos que nossos governos podem dispor quando é para salvar as elites financeiras. Como bem o diz um slogan pré-Copenhaga ao proclamar que "Se o clima fosse um banco, já teria sido salvo", isto é, não ficaria entregue à brutalidade do mercado.

Acresce à narrativa coerente e à focalização nas alternativas, muitas outras mudanças: uma aproximação mais pensada à acção directa, uma que reconheça a urgência de se fazer mais do que ficar somente no discurso, mas determinada a não entrar no velho script activistas vs. polícia. "A nossa acção é uma desobediência civil," dizem os organizadores da acção de 16 de Dezembro. "Passaremos por qualquer barreira que esteja no nosso caminho, mas não responderemos com violência se a polícia (tentar) agravar a situação." (Ou seja, não se vê maneira de como o encontro a realizar daqui a 2 semanas não inclua umas poucas batalhas entre polícia e os meninos de preto; afinal de contas, isto aqui é a Europa.)

Uma década atrás, num comentário do New York Times após o bloqueio de Seattle, escrevi que um novo movimento, reivindicando uma forma radicalmente diferente de globalização "acabara de ter a sua festa de estreia". Qual será a importância de Copenhaga? Coloquei essa questão a John Jordan, cuja previsão do que aconteceu em Seattle eu citei no meu livro No Logo. E ele respondeu: "Se Seattle foi a festa de estreia do movimento dos movimentos, então provavelmente Copenhaga será a celebração do nosso amadurecimento."

Ele pensa, porém, que amadurecer não significa "jogar com mais segurança", ou abster-se de desobediência civil em favor de reuniões. "Espero crescermos para nos tornarmos muito mais desobedientes," disse Jordan, "porque a vida neste nosso mundo pode terminar por causa de muitos actos de obediência" .



Versão original: aqui



The Seattle activists' coming of age in Copenhagen will be very disobedient

The climate conference will witness a new maturity for the movement that ignited a decade ago. But that does not mean playing it safe
The other day I received a pre-publication copy of The Battle of the Story of the Battle of Seattle, by David and Rebecca Solnit. It's set to come out 10 years after a historic coalition of activists shut down the World Trade Organisation summit in Seattle – the spark that ignited a global anti-corporate movement.

The book is a fascinating account of what really happened in Seattle; but when I spoke to climate change summit in Copenhagen and the "climate justice" actions he is helping to organise across the United States on 30 November. "This is definitely a Seattle-type moment," Solnit told me. "People are ready to throw down."

There is certainly a Seattle quality to the Copenhagen mobilisation: the range of groups that will be there; the diverse tactics that will be on display; and the developing-country governments ready to bring activist demands into the summit. But Copenhagen is not merely another Seattle. It feels, instead, as though the progressive tectonic plates are shifting, creating a movement that builds on the strengths of an earlier era but also learns from its mistakes.

The big criticism of the movement the media insisted on calling "anti- globalisation" was always that it had a laundry-list of grievances and few concrete alternatives. The movement converging on Copenhagen, in contrast, is about a single issue – climate change – but it weaves a coherent narrative about its causes, and its cures, that incorporates virtually every issue on the planet.

In this narrative, the climate is changing not only because of particular polluting practices but because of the underlying logic of capitalism, which values short-term profit and perpetual growth above all else. Our governments would have us believe the same logic can be harnessed to solve the climate crisis – by creating a tradable commodity called "carbon" and by transforming forests and farmland into "sinks" that will supposedly offset runaway emissions.

Activists in Copenhagen will argue that, far from solving the climate crisis, carbon trading represents an unprecedented privatisation of the atmosphere, and that offsets and sinks threaten to become a resource grab of colonial proportions. Not only will these "market-based solutions" fail to solve the climate crisis, but this failure will dramatically deepen poverty and inequality because the poorest and most vulnerable are the primary victims of climate change – as well as the primary guinea pigs for these emissions trading schemes.

But activists in Copenhagen won't just say no to all this. They will aggressively advance solutions that simultaneously reduce emissions and narrow inequality. Unlike at previous summits, where alternatives seemed like an afterthought, in Copenhagen the alternatives will take centre stage.
For instance, the direct action coalition Climate Justice Action has called on activists to storm the conference centre on 16 December. Many will do this as part of the "bike bloc", riding together on an as yet to be revealed "irresistible new machine of resistance", made up of hundreds of old bicycles. The goal of the action is not to shut down the summit, Seattle-style, but to open it up, transforming it into "a space to talk about our agenda, an agenda from below, an agenda of climate justice, of real solutions against their false ones … This day will be ours".
Some of the solutions on offer from the activist camp are the same ones the global justice movement has been championing for years: local, sustainable agriculture; smaller, decentralised power projects; respect for indigenous land rights; leaving fossil fuels in the ground; loosening protections on green technology; and paying for these transformations by taxing financial transactions and cancelling foreign debts. Some solutions are new, like the mounting demand that rich countries pay "climate debt" reparations to the poor. These are tall orders, but we have seen during the last year the kind of resources our governments can marshal when it comes to saving the elites. As one pre-Copenhagen slogan puts it: "If the climate were a bank, it would have been saved" – not abandoned to the brutality of the market.

In addition to the coherent narrative and the focus on alternatives, there are plenty of other changes too: a more thoughtful approach to direct action, one that recognises the urgency to do more than just talk but is determined not to play into the tired scripts of cops versus protesters. "Our action is one of civil disobedience," say the organisers of the 16 December action. "We will overcome any physical barriers that stand in our way – but we will not respond with violence if the police [try] to escalate the situation." (That said, there is no way the two-week summit will not include a few running battles between cops and kids in black; this is Europe, after all.)

A decade ago, in a New York Times comment piece published after Seattle was shut down, I wrote that a new movement advocating a radically different form of globalisation "just had its coming-out party". What will be the significance of Copenhagen? I put that question to John Jordan, whose prediction of what eventually happened in Seattle I quoted in my book No Logo. He replied: "If Seattle was the movement of movements' coming-out party then maybe Copenhagen will be a celebration of our coming of age."
He cautions, however, that growing up doesn't mean playing it safe, eschewing civil disobedience in favour of staid meetings. "I hope we have grown up to become much more disobedient," Jordan said, "because life on this world of ours may well be terminated because of too many acts of obedience."




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