Poesia da Guerra Colonial: uma antologia do «eu» estilhaçado ( Conferência Internacional no CES, Coimbra, a 30 de Março)
Ciências Humanas e Sociais

Poesia da Guerra Colonial: uma antologia do «eu» estilhaçado ( Conferência Internacional no CES, Coimbra, a 30 de Março)


Os corpos

Vede
que jazem
à minha frente

a pele citrina
da morte
biliosa
os habita

espécie de pacto
sobre tudo isto que vedes
a maneira de olhar
o sangue

calar a revolta
este pânico entreaberto
nos olhos dos cadáveres
e os coágulos duros deste sol

há uma mentira acreditável
em quem vê as armas caídas
ao lado destes corpos

cumplicidade de admitir nos mortos
a espera da nossa morte

vede que jazem
estes membros como insónia
sobre os corpos destruídos das granadas
perfil rígido
das metralhadoras
para sempre presas no sovaco

cratera da nossa boca
de comer e tanto vomitar a guerra

mas vede também
que ira interrompida
se morde contra a morte
sobre estes mortos

João de Melo(1980), Navegação da Terra, Lisboa, Editorial Veja (1ª. Edição)


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Balada Apócrifa

Olhai os lírios do campo
meninas de saia rodada
íris de teias de aranha
desvendam o mar nas searas
Olhai os lírios do campo
em copos de limonada
Os soldados em manobras
enterram a sombra caiada
(Bebei os lírios de água
com grandes bicos de aves)
Sofreram sempre derrota
deixaram mãos enforcadas
em lençóis com clarins
grades de pernas doadas
Olhai os lírios do campo
meninas virgens por dentro
Os soldados em manobras
têm noite por espingarda
Colhei os lírios do corpo
meninas de saia travada.

Luiza Neto Jorge(1993), poesia 1960-1989, organização e prefácio Fernando Cabral Martins, Lisboa, Assírio e Alvim



A poesia da Guerra Colonial (1961-1974) vai ser o tema de uma conferência internacional que decorrerá a 30 de Março no Centro de Estudos Sociais (CES) da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

A realização da conferência decorre do projecto de investigação "Poesia da Guerra Colonial: uma ontologia do 'eu' estilhaçado", em curso no CES e coordenado pela professora universitária Margarida Calafate Ribeiro, responsável pela cátedra Eduardo Lourenço da Universidade de Bolonha.


A experiência de Portugal na guerra colonial (1961-74) teve o seu registo estético na narrativa, dando origem a mais de uma centena de romances sobre o tema e na poesia com uma vasta e ainda não delimitada produção. Esta poesia, de autores directa e indirectamente envolvidos na guerra, e elaborada, ou no momento da vivência do evento bélico, ou em seguida, enquanto espaço de memória e de elaboração pós-traumática, carece de atenção, reflexão e divulgação.


O projecto «Poesia da Guerra Colonial» visa realizar uma primeira e exaustiva recolha crítica do material poético acessível, não só enquanto poesia de guerra no panorama literário ocidental e português em particular, mas também enquanto valioso testemunho subjectivo de um episódio marcante do século XX português, que modificou a própria identidade histórica de Portugal. O projecto propõe-se reunir um banco de dados amplo do arquivo poético da memória da guerra colonial e combiná-lo com uma organização de uma antologia de poemas de guerra. Trata-se de um projecto aberto à colaboração.

Objectivos
- Avaliar o impacto da Guerra Colonial na poesia portuguesa contemporânea;
- Recolher e analisar criticamente poesia da Guerra Colonial Portuguesa;
- Discutir criticamente o conceito de poesia da guerra moderna;
- Delinear e analisar criticamente uma ontologia poética do indivíduo e do 'eu nacional' num momento de risco e trauma;
- Definir o enquadramento teórico para uma leitura da poesia da Guerra Colonial;
- Produzir uma antologia de poesia da Guerra Colonial Portuguesa;
- Contribuir para o debate e a memória pública sobre a Guerra Colonial portuguesa



www.ces.uc.pt/projectos/poesiadaguerracolonial/pages/intro.php



CONFERÊNCIA INTERNACIONAL

Poesia da Guerra Colonial: uma ontologia do ‘eu’ estilhaçado

30 de Março de 2009, 9:30, Sala de Seminários do CES (piso 2)

Programa

09.30 - Recepção dos Participantes

10:00 – Apresentação
Margarida Calafate Ribeiro (CES)

10:15 – 10:45 – Manuel Simões (Universidade “Ca’ Foscari” de Veneza)
A poesia “universitária” e a guerra colonial

10.45 - 11.15 – Margarida Calafate Ribeiro (CES)
Guerra, poesia e trauma: leituras da poesia da Guerra Colonial

11.15 – 11:30 – Coffee Break

11.30 - 12.00 – Cristina Néry Monteiro (CES)
.a contínua memória na retina: para uma poética de restos

12.00 – 12:15 – Debate

12:45 – 14:00 – Almoço

14:00 – 14:30 - Vincenzo Russo (Universidade de Bolonha)
Che cos'è la poesia? Apontamentos para um cânone da poesia
supérstite

14:30 – 15:00 - Roberto Vecchi (Universidade de Bolonha/CES)
Vozes póstumas e línguas mortas: “tentar o canto mesmo de
gatas” e o real da poesia

15:00 – 15:15 - Debate

15:30 – 16:00 - Comentários finais: Helder Macedo (Emeritus Professor King’s
College, Londres/ CES)

16:15 – 16:30 – Coffee Break

16:30 – 18:00 - Grupo TeatroMosca, Projecto IGNARA#Guerra Colonial



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