Os 10 mandamentos da religião (neo)liberal em veneração ao divino Mercado apresentados por Dany-Robert Dufour
Nota prévia: a divulgação aqui das teses de Dany-Robert Dufour não significa obviamente a nossa concordância com todas elas. Pensamos sim que o seu conhecimento permitirá um debate mobilizador sobre os efeitos da ideologia neo-liberal e a consequente capacitação crítica de quem resiste a mais este deus, desta vez sob a forma do divino Mercado.
Um novo deus subiu aos altares nas nossas sociedades contemporâneas, o Mercado.
Um deus que se apresenta como um remédio para todos os males e que promete a felicidade eterna.
A religião, que o glorifica, esteve em gestação nos últimos 3 séculos e assistimos hoje aos seu triunfo e consagração.
Na sua origem está um princípio axiomático tão simples quanto paradoxal - «os vícios privados fazem as virtudes públicas», ou seja, os maus vícios privados levam à fortuna pública.
Este princípio moral reinante hoje em dia pode-se traduzir em 10 Mandamentos implicítos, muito poderosos, que são os 10 mandamentos do (neo)liberalismo:
1) Deixar-te-ás guiar pelo egoísmo e entrarás alegremente no rebanho dos consumidores
Nota: o que equivale à destruição de qualquer individualidade
2) Utilizarás o outro como um meio para alcançares os teus fins
Nota: o que equivale à destruição de toda a «common decency»
3) Poderás venerar todos os ídolos à tua escolha, desde que adores o deus supremo, o mercado
Nota: trata-se aqui do retorno (e reforço) do elemento religioso
4) Não quererás ser um Kant-em-si a fim de escapares ao rebanho
Nota: o que equivale à neutralização do ideal ( isto é, do espírito) crítico
5) Combaterás todo o governo e serás tu a assumir a boa governação
Nota: este mandamento acabará por se traduzir na destruição da dimensão política substituída pela soma dos interesses privados
6) Ofenderás todo o professor que esteja em posição para te educar
NOTA: o que equivale à desconsideração da transmissão de saberes e ao descrédito do poder formador das obras
7) Ignorarás a gramática e maltratarás o vocabulário
Nota: tal conduzirá à criação de uma novlíngua
8)Violarás as leis sem te importares com isso
Nota: o que vai levar, paradoxalmente, à proliferação do direito e dos procedimentos quanto à invalidação de toda a Lei
9) Abrirás indefinidamente a porta já aberta por Duchamp
Nota: o que comduzirá à transformação da negatividade da arte numa comédia de subversão
10) Libertarás as tuas pulsões e procurarás uma fruição sem limites
Nota: o que equivale à destruição de uma economia do desejo e sua substituição por uma economia de fruição
«Os vícios privados fazem as virtudes públicas» é uma fórmula que se tornou hoje banal mas que escandalizaou a Europa das Luzes quando foi enunciada em 1704 por Bernard de Mandeville, médico, e precursor mal conhecido do liberalismo. O seu enunciado, considerado perverso na época, foi fazendo escola ao longo dos séculos até se ter tornado hoje no princípio moral que rege o nosso planeta, na medida em que se constituiu no núcleo de uma nova religião que parece reinar um pouco por todo o lado e votada à veneração do divino Mercado. A pergunta que nos assalta de imediato é logo a de saber se as fraquezas individuais contribuem para as riquezas colectivas, não se deverá então privilegiar os interesses egoístas de cada um?
Quem se interroga assim e nos faz um diagnóstico analítico da nova religião éo filósofo Dany-Robert Dufour, apostado como está em interrogar as últimas evoluções das nossas sociedades contemporâneas.
No seu último livro, com o sugestivo título «Divino Mercado.A revolução cultural liberal», ele aponta 10 mandamentos que consubstanciam a moral neoliberal hoje dominante em domínios tão variados como a relação de cada um em relação a si mesmo e ao outro, a sua relação para com a escola, bem com para com a política,a economia, a empresa, o saber, a língua a Lei, a arte, o inconsciente, etc. Com a sua abordagem o autor mais não pretende que dar conta da autêntica revolução cultural que vivemos hoje, e que não sabemos onde nos pode levar.
Com efeito, no livro «O Divino Marcado, a revolução cultural liberal» o filósofo francês Dany-Robert Dufour pretende mostrar que longe de termos saído da dominação religiosa acabamos na actualidade por sermos submergidos por uma nova e poderosa religião, o Mercado, duplamente mais eficaz, e funcionando segundo um princípio muito simpes que já fora apresentado por Bernard de Mandeville em 1704 : «os vícios privados fazem as virtudes públicas». Um milagre foi possível graças à intervenção de uma Providência divina, nada mais nada menos que a célebre «mão invisível» de que dam Smith falava. O autor apresenta ainda os 10 Mandamentos desta nova religião que se revela menos proibicionista que as religiões anteriores, porque apostada sobretudo em incitar e orientar os seus fiéis.
No seguimento da sua teorização e na linha de um Jean-Claude Michéa, tenta analisar o acontecimento histótico que foi o Maio 68 como uma formidável armadilha na medida em que os estudantes em luta contra o capitalismo acabaram por obter efeitos exactamente opostos àqueles que pretendiam atingir com o seu combate, uma vez que este acabou por abrir o passo a uma nova forma capitalismo, um capitalismo desregulado e desinstitucionalizado. Nesse sentido Maio de 68 é-nos apresentado como desencadeador de um espírito liberal, e não tanto libertário, uma vez que a transgressão permanente preconizada acabaria por desencadear uma libertação de paixões e de pulsões que se mostrava indispensável para o emergente reino da livre circulação das mercadorias.
Os pensamentos de Deleuze, Bourdieu e Foucault , aparentemente revolucionários quando questionavam toda a identidade e toda a cultura dominante, redundaram antes numa desimbolização liberal dos indivíduos ( isto é, numa desinibição simbólica), numa desubjecitivação do humano, contribuindo involuntariamente para o mercado conquistar mais facilmente os espíritos.
Livro:
Le Divin Marché. La révolution culturelle libérale
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Comunismo = é um colectivismo de classe.
Anarquismo...