O TEATRO DAS IDÉIAS
Ciências Humanas e Sociais

O TEATRO DAS IDÉIAS



Um gênio duro de aguentar
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
Há um tipo de pessoa que costuma aparecer em reuniões familiares, viagens de avião, festas onde não conhecemos ninguém, e que parece, no início, ser a grande salvação da noite. Sorridente, puxa conversa conosco. Interessa-se por tudo, leu tudo, tem opiniões sobre tudo, é inteligente e além disso está de ótimo humor. Uma bela companhia, pensamos.
Pergunta-nos alguma coisa, parece querer ouvir nossa opinião. Mas aí percebemos que, mal abrimos a boca, ele já começou a falar de outro assunto. Interessa-se por tudo, menos pelo interlocutor. É simpático, mas nada afável. Seu bom humor é uma forma de esmagar o ouvinte. Ele tem outras. Sente-se superior a nós pelos mais variados motivos: o de entender de automóveis tão bem quanto de música, o de ter ótima saúde ou um filho cancerologista, o de só beber cerveja ou o de não comer carne vermelha, o de nunca ter tido cáries ou o de ir ao dentista cinco vezes por ano. Dedica-se à conversa com a mesma energia férrea com que faz pesca submarina, estuda saxofone ou exporta suco de laranja. Caímos em sua rede; teremos de ouvi-lo, até que jogue fora nosso bagaço.
Um dos maiores dramaturgos deste século, George Bernard Shaw (1856-1950) parece ter sido esse tipo de pessoa. A reunião de cartas, ensaios, prefácios, resenhas e críticas que Daniel Piza apresenta ao público brasileiro traz um Bernard Shaw em excelente forma; seria preferível, talvez, um pouco menos do que isso.
O primeiro ensaio já dá idéia do que vem pela frente. Tem por título ''Como Tornar-se um Gênio'', e começa assim: ''No fundo, o grande segredo é o seguinte: não existem gênios. Eu sou um gênio e portanto sei. O que há é uma conspiração para fazer de conta que os gênios existem e uma escolha das pessoas certas para assumir o papel imaginário de gênio''.
Encontraremos muitos exemplos dessa mistura de bravata e de trivialidade mascarada em paradoxo. Shaw escreve um prefácio, por exemplo, para ''ajudar meus críticos de 'Major Barbara', explicando-lhes o que comentar a respeito da peça''. Eis como inicia uma carta a T.E. Lawrence: ''Como todos os heróis, e devo acrescentar como todos os idiotas, você exagera fortemente seu poder de moldar o universo segundo suas convicções''. A uma mulher que o abandonou: ''Pois vá: o meu ar puro queima os seus pulmõezinhos... você feriu minha vaidade: audácia inconcebível. Crime imperdoável''.
O fato de ele saber dos seus truques autopropagandísticos torna-o mais irritante ainda. Bernard Shaw diz, de Bernard Shaw: ''Não existe tal pessoa... eu o inventei, divulguei, promovi e personifiquei e agora estou aqui... dando um toque adicional em minha maquiagem por intermédio de minha máquina de escrever''. Imagine-se o impacto disto numa sociedade ainda presa ao convencionalismo vitoriano. Shaw foi um grande iconoclasta em seu tempo, mas hoje estamos diante de um dramaturgo que criou uma personagem de segunda ordem, para os mass media da época; algo mais próximo de Camille Paglia do que de Voltaire. Pois é vítima da afoiteza, do excesso de opiniões; parece tão preocupado em tê-las a qualquer custo que cada artigo é mais uma autocongratulação pelos próprios achados do que um caminho em que pudéssemos acompanhá-lo.
O diabo é que Bernard Shaw não é o exportador de suco de laranja a que me referi no começo do artigo. Ele nos esmaga tanto quanto, mas saímos ganhando. Basta ler o que ele escreve sobre arte moderna (contestando um filósofo alemão, Max Nordau, que 40 anos antes de Hitler já falava de ''degeneração da arte''); sobre homens e mulheres (os homens talvez nunca foram vencedores no duelo dos sexos); sobre a pobreza (dizer que alguém é pobre, mas honesto, é tão intolerável e imoral quanto dizer que alguém é um esplêndido criminoso). Ele defende até a novidade do ''imposto de renda negativo''. É contra qualquer pena de prisão. É, como se sabe, um excelente crítico de música. Você só ganhará se ler este livro; mas é quase certo que, fazendo isso, poderá perder sua paciência.

Folha de São Paulo



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