Um dos mitos propagandeado pelos diáconos do capitalismo e apropriado acriticamente por muitas ONGs é o do consumo responsável. Este mito diz-nos que podemos mudar o mundo pelo consumo, usando o nosso dinheiro para “votar” em produtos ecológicos. Assim se transfere a responsabilidade pela crise ecológica dos produtores para os consumidores e se cria a ilusão de que vivemos numa “democracia de mercado”. Obviamente, a realidade é muito diferente.
Dizer que consumindo produtos que vão de encontro a determinados padrões de ética ambiental podemos ter um impacto positivo no mundo em que vivemos é enfatizar uma evidência. Mas partir daqui para defender que a mudança social pode vir da acção descentralizada de consumidores individuais é não perceber nada sobre como funciona o sistema capitalista.
No mercado, quem determina o que é produzido e o modo de produção é o produtor, não o consumidor. Ninguém nos perguntou se queríamos que as empresas destinassem o dinheiro que lhes damos à invenção de novos produtos electrónicos, como I-phones ou televisores plasma, ou ao desenvolvimento de produtos electrónicos mais eficientes no uso de energia. Ninguém nos perguntou se queríamos viver numa sociedade dominada pelo automóvel, se queríamos que a electricidade que entra em nossa casa fosse gerada maioritariamente por combustíveis fósseis ou se queríamos passar os fins-de-semana enfiados em grandes superfícies comerciais. Numa economia de mercado, a oferta gera a procura, não o contrário. Defender a ideia da soberania do consumidor implica cair no absurdo de acreditar que os triliões de euros gastos pelas empresas em publicidade não têm (quase) nenhuma influência nos comportamentos dos consumidores.
Uma economia de mercado é uma economia dominada por um grupo restrito de grandes corporações. Estas corporações não só têm o poder de criar procura para os seus produtos, por muito inúteis que sejam, mas também de definir a sua durabilidade. Podemos passar o resto da vida à procura de um telemóvel ou um computador que dure uma vida que não vamos encontrar nenhum. Uma vez esgotada o tempo de garantia de um produto, arriscamo-nos a que a reparação de uma avaria fique mais cara que a compra de um novo. Através da obsolescência planeada e do marketing, as empresas conseguem criar assim uma sociedade cada vez mais consumista e escoar a sua produção continuamente crescente.
Neste ponto, um entusiasta do “consumerismo verde” pode insistir: mesmo com todo o poder das empresas, nós temos o direito de escolher o que consumir e, se fizermos as escolhas certas, as empresas terão de seguir as nossas escolhas. Isto seria verdade teoricamente se o mercado fosse transparente e as escolhas de consumo não estivessem restritas pela disponibilidade de produtos ecológicos e pelo poder de compra. Ora, o mercado é tudo menos transparente e torna-se cada vez mais complicado para um consumidor saber qual é a marca mais ecológica quando todas se afirmam como amigas do ambiente, através das suas campanhas de propaganda. Por outro lado, basta sair à rua e entrar numa loja ou superfície comercial para perceber que o leque de escolhas oferecido pelo mercado é muito restrito e que os produtos ecológicos são frequentemente comercializados a preços proibitivos para a maioria da população.
Outra realidade ignorada pelos defensores da “democracia de mercado” é que o número de votos varia em função do dinheiro que cada consumidor possui. Não só os ricos têm mais votos que os pobres individualmente mas também têm mais votos colectivamente. No mundo de hoje, os 2% mais ricos detêm mais de 50% da riqueza, enquanto os 50% mais pobres detêm menos de 1% da riqueza ( [1]).
A difusão do mito do consumo responsável serve os interesses de quem determina o que produzir e como produzir, lucrando com o processo, mas não traz nenhum ganho para a sociedade. Nunca, em toda a história da humanidade, uma mudança social importante foi conseguida meramente pela acção descentralizada de indivíduos. Quem pensa que podemos mudar o mundo pela sensibilização (e culpabilização) dos consumidores está apenas a criar uma barreira para a construção de um mundo mais justo e ecológico, por muito nobres que as suas intenções possam ser.