O livre pensamento contra o fanatismo religioso e a quadrilha clerical
Ciências Humanas e Sociais

O livre pensamento contra o fanatismo religioso e a quadrilha clerical





Deus anda à boa vida

(texto de Artur Queiroz, retirado do jornal A Voz da Póvoa)

Saramago escreveu mais um livro condenado ao sucesso. Mal a obra chegou ao mercado, o laureado autor resolveu recordar que é ateu e que considera a Igreja Católica uma quadrilha. Como diria o meu avô, quem ataca a Corja Negra não vai longe. Mas quando ele fazia esta profecia, José Saramago ainda não tinha o rótulo de Prémio Nobel da Literatura. Portanto, o velho sábio errou.


A bulha entre o escritor e alguns membros da Igreja deixa-me perplexo. Não percebo porque razão Saramago tem tanta necessidade de falar do que não existe. E muito menos percebo porque razão os membros da quadrilha se enxofram todos quando alguém lhes lembra que à pala da fé cristã foram cometidas carnificinas, genocídios e prosperou a escravatura e o colonialismo. No afã de negarem as evidências, os membros do Clero dizem coisas de um ridículo atroz. A Bíblia, livro sagrado de milhões de crentes, não pode ser lida à letra. Nós, os que não somos do Clero, temos de aprender com os doutores da Igreja o que quer dizer aquilo. Mesmo quando o Padre Eterno, na sua velhacaria, manda passar a fio de espada crianças que por definição são sempre inocentes. Ou deixa que uns quantos facínoras tratem seu filho Jesus com tal violência que até Hitler se revoltava e saltaria em seu socorro.


Saramago é o melhor que temos na escrita de alto rendimento e das grandes superfícies. Lobo Antunes, Miguel Sousa Tavares, Rodrigo Guedes de Carvalho, Margarida Rebelo Pinto ou a sua réplica Agualusa, todos com lugar de primeira nas grandes superfícies, não lhe chegam aos calcanhares. Desde logo porque semeiam erros de ortografia da primeira à última página. Não quero dizer com isso que Saramago não tenha pontos fracos. Tem. É mau na primeira página e péssimo na última. Mas no miolo tem uma escrita de alto rendimento que considero imbatível.


Desde o “Memorial” que não compro livros do Prémio Nobel. Custou-me tanto ler o livro que jurei nunca mais gastar um tostão em material saído da sua pena. Mas coloquei Saramago na lista dos escritores cujos livros só leio nas livrarias. Vou à prateleira das novidades, pego no livro, leio a primeira página, depois passo para a 37, a seguir para a 137 e finalmente passo para a última. É por isso que descobri que o nosso Prémio Nobel da Literatura é fraco na primeira e na última página. Mas como não dá erros de ortografia nem pontapés na gramática, é, sem dúvida, o nosso melhor escritor vivo. Mas não aprecio.


Os meus gostos literários vão para Virgílio (até traduzi algumas peças das “Bucólicas”) Homero, Horácio, Tito Lívio, a elegância de Cícero. Concluí há muitos anos que gregos e romanos não só escreveram tudo o que havia para escrever como maldosamente encaixotaram as máquinas de fazer Literatura. Mesmo assim fui surpreendido por um irlandês louco, James Joyce. E nos escritores que só leio nas livrarias, vejo alguma imitação do mestre. Ao mesmo tempo fiquei siderado com Céline.

Em língua portuguesa temos os maiores. Gil Vicente, Sá de Miranda, Camões, Camilo Castelo Branco, Aquilino, Pessoa. Dos contemporâneos sou vidrado no Mário-Henrique Leiria, Manuel de Lima e no Luís Pacheco. Na poesia rendi-me a Agostinho Neto, António Jacinto, Ramos Rosa e Herberto Hélder. Com gostos destes, tão caóticos e imprudentes, é óbvio que sou um mau leitor, não estando, por isso, à altura da grandeza do escritor Saramago.


E quanto ao Criador, escrevi há uns anos um livro intitulado “Deus Anda à Boa Vida e a GNR Tomou Conta da Ocorrência”. Não cheguei a publicá-lo porque, entretanto, Júlio Carrapato publicou a magnífica obra “Deus Tem Caspa”. Ele disse tudo, e melhor, do que eu havia escrito. Em Deus não creio. Mas prometi ao meu querido amigo e colega Rui Osório, um dos maiores jornalistas portugueses e padre, que passo a acreditar em Deus quando ele, em pessoa, me vier dizer, cara a cara, que acredita em mim.

Por fim sempre vos digo que fiquei deliciado com as seis ou sete páginas que li de Caim. Senti-me muito reconfortado. É preciso não deixar a quadrilha estrebuchar.



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