O Labirinto: ensaios sobre ambientalismo e globalização
Ciências Humanas e Sociais

O Labirinto: ensaios sobre ambientalismo e globalização



Cristiano Luis Lenzi
Doutorando em Ciências Sociais no IFCH/UNICAMP

O Labirinto: ensaios sobre ambientalismo e globalização.
Héctor Ricardo Leis
Ed.Gaia, São Paulo, FURB, Blumenau,1996

O alcance e a amplitude da questão ambiental parecem chegar a patamares cada vez maiores no que diz respeito às influências disciplinares e temáticas no campo das ciências sociais contemporâneas. Embora seja variável a intensidade com que esse processo ocorre, por vezes de forma rápida e outras vezes de forma vagarosa e tímida, a gama de disciplinas que vem incorporando o tema parece atingir um número cada vez mais amplo, indo da sociologia, antropologia e história até à economia e à ciência política. Também a forma pela qual a questão ambiental vem sendo associada com os temas tanto clássicos como mais contemporâneos das ciências sociais parece tomar um perfil bastante amplo e diversificado. Temas como classes, industrialização, ideologia, utopia, movimentos sociais, capitalismo, globalização, só para citar alguns deles, parecem adquirir uma nova coloração e importância quando associados à questão ecológica.

Mas esta aproximação entre as questões ecológicas e a ciência social possui também o seu reverso. Embora o caráter de evidência desses novos problemas e de sua tematização por estas ciências pareça receber cada vez maior atenção, também não deixam de existir ainda certas resistências como também frustrações rodeando o encontro de ambas. Tal resistência talvez tenha o seu fundamento no que poderíamos chamar de "Cavalo de Tróia" do ambientalismo. Existe um receio que permeia muitos intelectuais da possível reintrodução nas ciências sociais de velhos fantasmas, variações remodeladas do determinismo tecnológico e dos reducionismos naturalistas do passado, via ambientalismo. Fantasmas estes que por sinal teriam sido objeto de crítica dos pais fundadores da sociologia (Marx, Durkheim e Weber) e que volta e meia aparentemente retornam sob um novo disfarce.

Essa posição tem suas justificativas, mas também não deixa de ter conseqüências perniciosas. Se não abordam a questão ecológica a partir da divisão intelectual atual, estudando-se aí somente a percepção cultural da natureza, deixam por outro lado o tema totalmente livre para ser abordado pelo determinismo tecnológico impregnado nas ciências naturais. De outro lado, para aqueles que concedem um caráter de evidência e de importância destes problemas no campo das ciências sociais haveria também uma certa frustração. Esta surgiria pela avaliação do caráter ainda superficial e de pouco impacto que ocorre no entendimento entre sociedade e meio ambiente. O caráter ontológico da divisão entre sociedade e meio ambiente manter-se-ia ainda intocado e a aproximação desses campos seguiria as regras de um conhecimento ainda excessivamente "disciplinar" e "especializado". O conhe-cimento das partes, alguns argumen-tariam, nem sempre leva ao conhecimento do todo.

Estas talvez sejam algumas das questões que fazem parte do "labirinto ecológico" que parece atingir a agenda do conhecimento e da política atual. Desta forma, a obra O Labirinto : ensaios sobre ambientalismo e globalização, de Héctor R. Leis, surge num bom momento do cenário intelectual brasileiro uma vez que resgata algumas das questões envolvidas entre as ciências sociais, a sociedade e o meio ambiente e de suas relações com os temas do ambientalismo, da globalização e da política internacional. Esse ponto pode ser fundamental na avaliação do leitor com relação a esta obra visto que o trabalho de Héctor R. Leis surge num quadro especificamente histórico da divisão intelectual das ciências como já mencionado. O próprio autor parece ter consciência dos desafios aí presentes quando argumenta que por "incorporar elementos e perspectivas transdisci-plinares, em um meio acadêmico ainda excessivamente positivista e "disciplinado", isto o faz acreditar que seu livro não "pertence, para bem ou para o mal, ao mainstream das ciências sociais atuais" (1996: 13). Nesse caso, o trabalho de Leis é uma tentativa de mostrar como temas até então "entrincheirados" na academia passam a estar interligados quando se começa a assumir uma posição mais ampla e de reflexão das próprias fronteiras que permeiam a realidade e o conhecimento.

Mas o desafio que o livro coloca para o seu autor não pára somente em seu caráter transdisciplinar. Como já indicado, o trabalho também incorpora temas que parecem ser vistos ainda com certas reservas, o que o autor chama como o mainstream das ciências sociais. Entre eles basta citarmos globalização e ambientalismo. Embora o caráter de evidência e de impacto destes temas para as ciências sociais seja aceito de uma forma aparentemente crescente dentro de seu campo de atuação, existem ainda focos de resistência que caso não negligenciem totalmente estes fenômenos, vêem neles, especificamente no que diz respeito à globalização, a pré-configuração de tendências já longamente estabelecidas pela sociologia clássica. O ambientalismo, como já assinalamos, seria ainda cercado por medos e frustrações difíceis de extirpar. Porém o leitor não somente encontrará várias reflexões isoladas sobre estes temas como terá o privilégio de poder avaliar as possíveis relações existentes entre eles. Leis está de certa maneira correto ao afirmar que "são poucos os estudiosos que abordam essas problemáticas em nosso país, e, menos ainda, os preocupados com seu cruzamento" (1996: 12).

O livro do autor está dividido em duas partes principais. A primeira parte se intitula Pensando os Impactos do ambientalismo na globalização, que está subdividida em quatro capítulos. Aqui Leis mescla algumas considerações de ordem mais filosófica com relação ao pensar sobre o meio ambiente, reportando-se para isso até mesmo aos pré-socráticos, indo terminar com uma análise e uma avaliação crítica das abordagens tradicionais da política internacional frente aos problemas ambientais. E Pensando o ambientalismo brasileiro e mundial no contexto da globalização constitui a segunda parte e nela poderá ser encontrada uma avaliação ampla do ambientalismo mundial, incluindo a tentativa do autor de encontrar uma classificação ético-histórico-vivencial do movimento, como também uma análise mais focada na experiência brasileira. Outra característica que vale ressaltar é o perfil de co-autoria de partes do livro. Duas delas foram realizadas em conjunto com dois outros autores : A emergência e evolução do ambientalismo no Brasil, em co-autoria com Eduardo J. Viola, e Para uma teoria da prática do ambientalismo realizada em conjunto com José Luis D`Amato.

Quem vem acompanhando o trabalho do autor já há algum tempo talvez não encontre muita novidade na obra, isso porque ela é basicamente uma compilação de artigos escritos pelo autor em revistas e livros nacionais durante a década de 90. Mas aqueles que não conheciam o seu trabalho terão a oportunidade de contemplar de uma só vez as várias reflexões que o autor vem desenvolvendo ao longo dos anos e que se mantiveram até então dispersas.

Há algumas observações que podem ser importantes para esclarecer as possíveis diferenças existentes entre as posições do autor e outras abordagens sociológicas relacionadas com o tema do ambientalismo. Uma delas se reporta a uma questão de ordem conceitual, mas que pode ter ou não, dependendo da posição que se tome aqui, conseqüências analíticas diferenciadas. O termo ambientalismo que Héctor Leis usa incisivamente em seu trabalho, por exemplo, não parece receber em outras abordagens sociológicas o aval analítico que o autor parece lhe conferir. Enquanto autores norte-americanos como Paehlke (1989) parecem incluir no movimento ambientalista grupos os mais diversos e heterogêneos possíveis, o que Leis parece fazer de forma semelhante, outros autores, como o inglês Andrew Dobson que escreveu Green political thought (1990), procuram fazer uma distinção clara entre ecologismo e ambientalismo. No entanto, se o próprio Leis parece estar consciente dessa diferenciação em partes de seu livro, ele não parece dar-lhe credibilidade e nem a incorpora em seu trabalho como um todo, e se o faz em determinados momentos de sua obra isso ocorre de uma maneira aparentemente superficial. As conseqüências disto se dirigem, em primeiro lugar, ao impacto que a "ética ecológica" do movimento ambiental pode ter para a época moderna. Na visão de autores como Dobson, esse impacto é algo restrito tão somente para aqueles que podem ser incluídos no movimento ecologista. Nessa visão, os valores, as propostas e práticas do ambientalismo passam a ser vistos até como distintos e opostos ao movimento ecológico em específico. Uma visão por demais restrita desse movimento ? Talvez, mas de qualquer modo ela parece apontar para possíveis conflitos que são inerentes a ele. É claro que esta avaliação poderá variar de autor para autor. No caso do livro de Leis, as raízes dessa discordância terminológica talvez residam no fato do autor ver no movimento ambientalista algo que está além dos movimentos sociais tradicionais, vendo-o como um movimento com um impacto histórico.

Por fim deve-se salientar que embora se possa encontrar nessa obra algumas propostas bastante provocativas, como aquelas endereçadas à Assembléia Geral da ONU, por exemplo, o leitor não encontrará soluções prontas e nem respostas finais. Serão, por um lado, as possibilidades que envolvem a reestruturação política internacional e o impacto dos novos valores que provêem do ambientalismo e, de outro, os perigos envolvidos na globalização, na crise ambiental e nos dilemas que envolvem ora a ação individual ou de cooperação entre os países que colocarão o leitor numa espécie de Labirinto. O livro é justamente, no sentido mais positivo do termo, um labirinto, onde se examinam determinados corredores e alternativas relacionados ao ambientalismo, à globalização e à política internacional, para então nos levar para outros corredores e outras portas não menos desafiadores e enigmáticos. E se o caminho tortuoso que se vai tomando nesse Labirinto parece ser por vezes gratificante, noutras ele pode se mostrar bastante desapontador pelas próprias surpresas e desafios que a realidade ambiental, global e política atual parece nos impor. Quanto a este ponto as palavras do autor podem nos servir como advertência: "o imprevisível labirinto da condição humana está voltando a ser o que sempre foi : a melhor metáfora do destino da civilização" (Leis, 1996: 154).

NOTAS
DOBSON, A. Green political thought, London, Routledge, 1990.

PAEHLKE, R. Environmentalism and the future of progressive politics, New Haven, Yale Univ. Press., 1989.

Revista Ambiente & sociedade



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