O fim de um mundo
Ciências Humanas e Sociais

O fim de um mundo


Quem nunca teve a impressão de o mundo estar acabando? Seja motivada por doutrinas escatológicas, pela crescente devassidão moral ou pelo poder destruidor cada vez maior das armas, a percepção de que o mundo está na iminência de acabar é clara para muitos.

No entanto, perceber esse fenômeno é fácil; difícil é explicá-lo. E é isso que o metafísico francês René Guénon (1886-1951) fez em The Crisis of the Modern World. Embora relativamente conhecido nos meios religiosos e filosóficos, René Guénon é amplamente ignorado pelo mercado editorial brasileiro.

Neste livro, Guénon afirma que o fim do mundo é, na verdade, o fim de um mundo: o mundo moderno. O desprezo e até mesmo ódio pela tradição, pela contemplação e pelas coisas ligadas a Deus são as marcas do mundo moderno e caracterizam esta era como a verdadeira Idade das Trevas.

Segue um rápido resumo do livro, cujo objetivo é introduzir o leitor nos pensamentos deste grande metafísico e entender a explicação que ele dá ao fim do mundo.

* * *

PREFÁCIO


Há uma clara percepção de que o mundo está acabando. Embora nem sempre explicada de maneira adequada ? muitas vezes dando vazão a messianismos e imaginações ? a idéia de ?fim do mundo? está correta. Trata-se, em verdade, do fim do mundo moderno (ocidental). As características desta era são precisamente as que as doutrinas tradicionais apontam para este período cíclico. O que parece desordem e anormalidade é, em verdade, conseqüência necessária das leis que governam as manifestações.

1 ? A IDADE DAS TREVAS

Segundo a doutrina hindu, um ciclo humano é dividido em 4 períodos durante os quais a espiritualidade primordial desvanece-se mais e mais ('materialização progressiva'). Estamos agora no quarto período, chamado Kali-Yuga. A história convencional (?clássica?) vai até o século VI a.C., o que é uma prova da ignorância e desdém do homem moderno pela tradição. Coisas importantes ocorreram à época:

Cristianismo então surge como um 'resgate', uma espécie de reajuste típico dos ciclos cósmicos. Começa uma ordem normal: a Idade Média. Renascença é o fim da Idade Média, engendrando o humanismo. Um novo reajuste não ocorrerá, pois é necessária uma completa renovação, além de tal reajuste não estar previsto na doutrina hindu.

2 ? A OPOSIÇÃO ENTRE ORIENTE E OCIDENTE

O mundo moderno caracteriza-se, em larga escala, pela oposição entre Oriente e Ocidente.

Ocidente já foi berço de tradições, como a civilização de Atlantis e os celtas (que aproveitaram elementos de Atlantis). Os elementos célticos foram absorvidos pelo Cristianismo. Somente o Cristianismo (Catolicismo) é capaz de restaurar a tradição no Ocidente. É necessário contato com uma tradição viva para assimilá-la, e não por meios livrescos. O primeiro resultado desse retorno ocidental à tradição seria um entendimento com o Oriente, pois todas as tradições concordam sobre princípios fundamentais. Esse entendimento vem de cima para baixo, isto é, da elite intelectual-espiritual. Isso servirá, se houver tempo, para assentar bases para o próximo mundo.

3 ? CONHECIMENTO E AÇÃO

O conflito Oriente vs. Ociente se revela na oposição entre contemplação e ação.

Ocorre que a ação não carrega em si princípios ou razão de ser, que só podem ser encontrados na contemplação (conhecimento). Saturado de ação, o Ocidente é incapaz de enxergar sua degeneração, expressa em agitações vãs e estéreis, e sua incapacidade para concentração e síntese. Os ocidentais insistem em negar a intuição intelectual e, se assim persistirem, não conseguirão recuperar a tão necessária tradição.

4 ? CIÊNCIA SAGRADA E PROFANA

Nas civilizações tradicionais, a intuição intelectual é a base de tudo. As ciências são apenas prolongamentos do conhecimento absoluto. Os modernos, recusando-se a unificar seu conhecimento a uma ordem superior, acabam no ?conhecimento ignorante?. Para Aristóteles, a física é secundária em relação à metafísica. Os modernos confundem ciência (conhecimento) com aplicação (indústria). A ciência moderna, confiando apenas em fatos brutos, acaba restrita ao âmbito da hipótese, destituída de qualquer valor científico.

Exemplos: astrologia -> astronomia; alquimia -> química; psicologia tradicional -> psicologia moderna; matemática pitagórica -> matemática moderna (-> = 'degenerou-se em').

Ciência só é válida quando de posse dos princípios absolutos. O mesmo dito aqui vale para as artes, que devem refletir os princípios absolutos. Raiz desses erros: individualismo.

5 ? INDIVIDUALISMO

Individualismo é a negação de qualquer princípio superior ao indivíduo. Sinônimo = humanismo. Numa civilização tradicional, não há uma idéia que seja atribuída a uma pessoa, pois a idéia pertence a todos. Conseqüências do individualismo:

O Renascimento e a Reforma foram conseqüências de uma ruptura anterior, que data do século XIV. Trata-se da oposição ao espírito tradicional. A tradição ocidental encontrava-se manifesta na forma religiosa e, portanto, é na religião que devemos buscar a origem do antitradicionalismo. Tal sentimento adquiriu, ao longo dos anos, uma forma mais evidente, que chamamos de Protestantismo. O livre exame protestante solapou a autoridade religiosa. O número de seitas, por conseqüência, explodiu, diluindo a doutrina em favor do moralismo. Protestantismo é ilógico porque, embora retenha a revelação (elemento supra-humano), a humanizou. Catolicismo reteve a tradição, mas não há uma elite capaz de entender seu significado mais profundo. A doutrina, assim, reduz-se a nada, praticamente igualando catolicismo com protestantismo.

6 ? O CAOS SOCIAL

As castas não mais existem no Ocidente. A negação das diferenças entre as naturezas dos homens é a causa de toda a desordem social: é o conceito de 'igualdade'. A democracia é refutada pela simples inferência de que o superior não pode vir do inferior, o maior não pode vir do menor. O povo não pode conferir poder pois não o tem. O poder tem de vir de cima, da autoridade espiritual. Numa democracia, a lei é feita pela opinião da maioria, mas essa opinião é facilmente guiada e manipulada. É a supremacia da multiplicidade (materialismo) sobre a unidade. A conseqüência direta da democracia é a negação da idéia de elite, a democracia é oposta à aristocracia.

7 ? UMA CIVILIZAÇÃO MATERIAL

?Materialismo é o estado mental que consiste em colocar as coisas materiais, e as preocupações que surgem delas, em primeiro lugar?. O materialismo moderno, mesmo que negado ou não declarado, é de facto. Realidade agora se restringe às coisas sensíveis. Aquilo que não é captado pelos sentidos é ilusório. Indústria não é mais a aplicação da ciência, mas a razão dela. O homem moderno tornou-se escravo da matéria. Economia torna-se o fator mais importante da sociedade. As invenções modernas liberam forças cuja natureza o homem moderno desconhece. A civilização material adiciona necessidades artificiais para o homem moderno, e sua incapacidade de atendê-las o torna infeliz.

8 ? INVASÃO OCIDENTAL

A confusão materialista parece estar invadindo o Oriente. O espírito tradicional não pode morrer, mas pode desaparecer do mundo aparente, marcando assim o fim do mundo. Os orientais protegem a tradição dos ocidentais pela simples razão de que não vale a pena compartilhar verdades com quem não tem capacidade de entendê-las.

9 ? ALGUMAS CONCLUSÕES

A situação no Ocidente só poderá ser mudada por meio do conhecimento. Apenas uma pequena elite será suficiente, uma vez que a massa seria posteriormente influenciada sem perceber, sem suspeitar de nada. Como não há mais condições do Ocidente restaurar sua própria tradição, é necessária uma ajuda da elite oriental. A organização ocidental por onde seria melhor começar é a Igreja Católica. No entanto, é imprescindível restaurar o conteúdo tradicional da ICAR anterior ao desvio moderno. Um aviso aos jovens: VINCIT OMNIA VERITAS.




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