O espírito da utopia em Ernst Bloch
Ciências Humanas e Sociais

O espírito da utopia em Ernst Bloch


Pensar significa ultrapassar
(in O Princípio da Esperança, de Ernst Bloch)

«O utópico encontra-se espalhado por todos os lados, não há uma só cultura conhecida que ignore a sua presença visto que se converteu numa "dimensão antropológica essencial". Uma sociedade sem utopia é tão impossível como a um ser humano não sonhar. »

Ernst Bloch (8 de julho de 1885 - 4 de agosto de 1977) foi um filósofo alemão que dedicou uma atenção especial ao tema da utopia, vista como uma força revolucionária. As suas principais obras são «Princípio Esperança», «O Espírito da utopia», «Sujeito e Objecto em Hegel», todas elas abordando a problemática das utopias e a dimensão utópica da história humana: o homem não é só o produto do seu ser, mas está ainda dotado de um «excedente», de um «princípio de esperança», que se concretiza nas utopias sociais, económicas e religiosas, e se expressa nas artes e na música ("A relação com este mundo torna a música um sismógrafo social, ela reflete fracturas sob a superfície social, expressa desejos de transformação, convida à esperança. [...] O som exprime o que ainda está mudo no ser humano", afirma Bloch em O princípio esperança). O socialismo e o comunismo ilustrariam a capacidade de aplicação desse mesmo excedente humano.

«O que lhe fascinava eram os elementos imaginativos, os "sonhos diurnos" de todos nós, e como eles tinham o poder de modelar o comportamento e a cultura dos homens. Afastando-se da pretensão científica do marxismo, procurou enfatizar o conteúdo messiânico que a revolução era portadora. Para ele, o atraente dela estava nos seus elementos emocionais-redentores e não na sua dimensão racionais-evolucionista como Marx defendia. »

Defendendo-se de acusações de perseguir o irrealizável, Bloch desenvolverá o conceito, aparentemente paradoxal, da "utopia concreta", distanciando-se assim tanto do puro sonho quanto do banimento de todas as esperanças para um mundo melhor num qualquer além transcendental.

À ideia freudiana do inconsciente como algo "não-mais-consciente", o filósofo justapõe a existência do "ainda-não-consciente". "Sobretudo nos dias de expectativa, em que predomina, não o que já foi, mas sim o que está por vir, na dor indignada, na gratidão da felicidade, na visão do amor [...], transpomos claramente as fronteiras de um saber ainda-não-conhecido."

Importa esclarecer o uso do conceito utopia por Bloch,que é utilizado por ele de maneira bem mais ampla e genérica do que é comum. A palavra utopia é sempre associada à descrição de uma sociedade inexistente, a algo ainda não concreto e que jamais houve de facto, como na dialéctica de Platão ("República") ou na narrativa de Thomas More ("Utopia"), e tantos outros narradores utópicos. Este uso afigura-se-lhe limitado, pois é apenas um dos aspectos de como o fenómeno utópico aparece.
A utopia de Bloch é algo difenrente. É, por assim dizer, todo e qualquer pensamento maravilhoso que brota da mente humana. Pode ser a constituição de uma sociedade perfeita, a arquitectura intelectual de uma infinidade de reformadores religiosos e de filósofos sociais, ou um simples desejo de que ocorram coisas melhores no futuro. Pode surgir igualmente nos versos de um poeta, no sonhar acordado de um Goethe, de um Hölderlin,ou ainda nos castelos no ar das histórias infantis e das aventuras.

Bloch recebe influência de Hegel e Marx, e é amigo de Lukács, mas o seu marxismo sai fora de qualquer ortodoxia e adquire uma tonalidade singular que faz do filósofo alemão uma das vozes únicas no panorama intelectual europeu do século XX, e é considerado uma das fontes de todas as movimentações de contestação social ocorridas ao longo dos anos 60. Influenciou, por sua vez, filósofos como Adorno, Walter Benjamin e Erich Fromm.
A sua primeira obra, O Espírito da utopia, aparecida no início dos anos 20, faz dele um dos principais teorizadores do conceito de utopia, graças à qual é possível repensar a história e constitui, segundo ele, uma forma de messianismo moderno, e não por acaso escreveu uma obra de divulgação e análise a Thomas Muntzer («Thomas Muntzer, teólogo da revolução»), uma personagem mítica que protagonizou um movimento herético de cariz messiânico. No espírito da utopia ele escreve: "O mundo existente é o mundo passado, porém o anseio humano, em ambas suas formas – como inquietude e como sonho acordado – é a vela que leva ao outro mundo".

Mas a sua obra principal é o seu «Princípio da Esperança» em 3 volumes. A pré-condição para que se supere a servidão e as estruturas hierárquicas da sociedade é o princípio vital da esperança. Este não se deixa abalar por uma decepção qualquer, pois o ser humano precisa de coragem e de disposição à luta, um "optimismo militante". Prescinde pois de toda a leninista para fazer a Revolução.

Pelos seus escritos e pela sua descendência judia teve de se refugiar nos Estados Unidos, durante o regime nazi, após o qual voltou à Alemanha, tendo preferido em 1949 ir para a Universidade Karl Marx em Leipzig preterindo uma regência para que tinha sido convidado na Universidade Goethe de Frankfort. Pelas suas posições anti-estalinistas e opiniões libertárias resolve abandonar a RDA em 1961, quando se começa a construir o Muro de Berlim, passando a ser professor na Universidade de Tubingen


Bloch saudou o movimento estudantil nos anos 60 como uma "revolta contra a repressão primária", capaz de pôr em desordem e movimento uma sociedade estagnada. "Os nossos senhores fazem, eles próprios, que o homem comum se torne seu inimigo e se indigne, e a isso eles chamam de rebelião."


Títulos originais dos seus livros :
• Kritische Erörterungen über Heinrich Rickert und das Problem der Erkenntnistheorie, Dissertation, 1909.
• Geist der Utopie, 1918.
• Thomas Müntzer als Theologe der Revolution, München, 1921.
• Spuren, Berlin, 1930.
• Erbschaft dieser Zeit, 1935.
• Freiheit und Ordnung, Berlin, 1947.
• Subjekt - Objekt, 1949.
• Christian Thomasius, 1949.
• Avicenna und die aristotelische Linke, 1949.
• Das Prinzip Hoffnung, 3 vol., 1954-1959.
• Naturrecht und menschliche Würde, 1961.
• Tübinger Einleitung in die Philosophie, 1963.
• Atheismus im Christentum, 1968.
• Politische Messungen, 1970.
• Das Materialismusproblem, seine Geschichte und Substanz, 1972.
• Experimentum Mundi. Frage, Kategorien des Herausbringens, Praxis, 1975.


Traduções francesas
• Traces, Paris, Gallimard, 1968 (1998, coll. Tel)
• Thomas Munzer: théologien de la révolution, Paris, UGE, 10/18, 1975.
• Droit naturel et dignité humaine, Paris, Payot, 1976.
• L'esprit de l'utopie, Paris, Gallimard, 1977.
• Héritage de ce temps, Paris, Payot, 1977.
• Sujet-Objet. Éclaircissements sur Hegel, Paris, Gallimard, 1977.
• L'athéisme dans le christianisme: la religion de l'Exode et du Royaume, Paris, Gallimard, 1978.
• Experimentum mundi: question, catégories de l'élaboration, praxis, Paris, Payot, 1981.
• Le principe espérance, 3 vol., Paris, Gallimard, 1976, 1982, 1991.
• La philosophie de la Renaissance, Paris, Payot, 1994.


http://www.bloch.de/

http://www.ernst-bloch.net/



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