O ESPAÇO DO CIDADÃO
Ciências Humanas e Sociais

O ESPAÇO DO CIDADÃO


Milton de Abreu Campanário
Prof. da Faculdade de Economia e Administração - USP

O ESPAÇO DO CIDADÃO - Milton Santos, NOBEL, São Paulo, 1987.

No momento em que novas formas de convívio social são debatidas na Constituinte, a questão da cidadania ganha um novo relevo com a publicação de O Espaço do Cidadão do Professor Milton Santos. Trata-se, a bem da verdade, de um texto que aponta a indignação de um cidadão perante a falta de integralidade de sua própria condição e a simples inexistência da mesma para milhões de brasileiros.

O grande mérito do livro está em procurar inserir a espacialização da cidadania no contexto da redemocraticação brasileira. Parte-se, então, para a defesa de um "modelo cívico-territorial"onde a gestão democrática do uso do espaço, construído ou não pelo homem, sirva de instrumento para políticas efetivamente redistributivistas e que promovam a justiça social. Em defesa desta tese, a arma utilizada é a denúncia. Inúmeros são os aspectos da vida nacional denunciados pelo autor e que comprometem o exercício da cidadania. A começar pela pergunta: há cidadãos neste País? A resposta está contida na própria definição de cidadania como uma conquista social. A sociedade brasileira ainda não aprendeu a conquistá-la. A cultura não foi impregnada com direitos e deveres de respeito à dignidade e à liberdade humanas.

A cidadania é uma conquista pouco conhecida no País. De fato, a partir de uma história onde o destaque maior é para os escravos e párias do que para proletários, a cidadania assumiu, inicialmente, a forma de trabalhismos onde obviedades como direito a férias e de voto para mulheres foram "conquistados"juntamente com o direito do trabalhador de possuir e vender sua capacidade de trabalho no espaço urbano tomado pela indústria. A espacialidade da cidadania brasileira, até hoje eminentemente urbana, foi instrumentalizada na formação de força de trabalho industrial, confundindo-se com a urbanização da acumulação primitiva que deu popularidade aos seus padrinhos políticos, particularmente Getúlio Vargas e herdeiros.

O Professor revolta-se contra aquela origem do modelo cívico e do arquétipo político brasileiros: "Numa democracia verdadeira, é o modelo econômico que se subordina ao modelo cívico. Devemos partir do cidadão para a economia e não da economia para o cidadão". Tal subordinação encontraria no consumismo exacerbado de épocas recentes o maior obstáculo ao exercício da cidadania. O consumismo é o ópio do povo, insinua o Professor. Criticá-lo é auxiliar o aprendizado da cidadania. Socializar a informação, a educação e o consumo do espaço (acessibilidade compulsória aos bens e serviços sociais) são itens imprescindíveis do modelo cívico-terrítorial proposto.

Em torno desta utopia, cuja armação teórica envolve uma dose bastante forte de idealismo, a cidadania aparece, aos olhos do autor, como que inviabilizada pela divisão da sociedade em classes e pela subordinação do trabalho ao capital. Convém aleitar, contudo, que é precisamente na busca da cidadania, na busca da sociedade civil, que descobriremos as diferenciações sociais, territoriais e de classe, que estiveram encobertas tanto tempo pelo populismo e pelo arbítrio. Procurar identidades políticas e desvendar desigualdades sociais é a prática da dernocracia e a conquista permanente da cidadania.

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