Os estudantes mais velhos decidiram rapar os pêlos púbicos do caloiro num "julgamento" durante a Queima das Fitas a um estudante da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra que ficou ferido nos órgãos genitais, na sequência de um ritual da praxe académica designado como "o julgamento". Alegando ter sido vítima de uma agressão, o caloiro de Medicina apresentou queixa no Conselho de Veteranos (o órgão que regula a praxe na Academia de Coimbra) contra os alunos mais velhos, mas a queixa à polícia não está posta de lado.
O incidente terá ocorrido há cerca de uma semana, durante a Queima das Fitas de Coimbra, quando o aluno foi submetido, juntamente com outros colegas de Medicina, a um "julgamento".
Neste ritual, os caloiros são confrontados pelos estudantes mais velhos com "acusações" normalmente relacionadas com a sua conduta ou postura durante a praxe e submetidos às mais variadas penas. Neste caso, os estudantes mais velhos decidiram rapar os pêlos púbicos do caloiro, provocando um ferimento nos órgãos genitais que levou o aluno a dirigir-se, por precaução, ao hospital.
João Luís Jesus, do Conselho de Veteranos da Academia de Coimbra, tem estado em contacto com o aluno e não exclui a possibilidade de recurso às autoridades policiais. "Vamos ouvir e recolher depoimentos, para perceber como tudo ocorreu. Se estivermos perante uma agressão, aí aconselharemos o aluno a fazer queixa na polícia; mas também pode ter sido um acidente", admite.
Hoje em dia, o "julgamento" é pouco frequente na Academia, embora, segundo João Luís Jesus, "continue a ser levado a cabo pontualmente".
De acordo com código da praxe da academia, o "julgamento" tem que ocorrer obrigatoriamente numa República ou noutra casa de praxe autorizada e segue alguns preceitos que tornam o ritual "algo assustador", refere o veterano. "A sala onde decorre o julgamento tem que estar iluminada apenas com velas e apenas se vêem os olhos dos estudantes que fazem o ritual. Tem que haver camaradagem", declara, lembrando alguns casos "menos felizes" no passado. "Tivemos um caso em que vários alunos eram "condenados" em julgamento a passar uma hora dentro de um caixão. É preciso bom senso", apela.
O primeiro caso conhecido relacionado com praxes a chegar à justiça foi o de Ana Francisco. Em Fevereiro de 2003, a então caloira da Escola Agrária de Santarém denunciou uma sucessão de actos que considerou violentos.
O Tribunal de Santarém começou por pronunciar seis alunos. A advogada de defesa da jovem, Manuela Miranda, recorreu. E, em Março, diz a causídica, o Tribunal da Relação de Évora acrescentou mais um jovem à lista. Os sete arguidos estão acusados de coacção e ofensa à integridade física qualificada. O julgamento não está marcado. Ana estuda actualmente noutra escola.
Fonte: jornal Público
O MATA ( Movimento anti-tradição académica) já tornou público um comunicado que fui buscar ao saboroso blogue O Bitoque:
Começou por ser mais um caso público de praxe violenta. No dia seguinte passou a dois. No primeiro caso, um jovem estudante viu-se "imobilizado por colegas mais velhos e alguns começaram a rapar-lhe os pêlos púbicos com uma lâmina de barbear" do que "resultou o rompimento de parte do escroto do caloiro", segundo conta um jornal diário. O outro "para além de unhas negras, resultantes de apanhar com uma colher de pau" sofreu cortes no couro cabeludo com uma tesoura enquanto lhe cortavam o cabelo, segundo outro jornal diário regional. Um apresentou queixa ao Conselho de Veteranos (CV), o outro, junto das autoridades policiais.
José Luís Jesus, dotado do "nobre título" dux veteranorum da Universidade de Coimbra, garante-nos que os agressores "estão devidamente identificados"; que ainda "esta semana serão feitas todas as averiguações"; e que caso tenha havido abusos "o CV vai até às últimas consequências". Além de se fazer passar por uma autoridade para tratar o que as leis normais, iguais para toda a gente, deveriam resolver, este estudante acrescentou ainda, em declarações mais recentes: "já sabemos que é tudo mentira! Se o estudante tem um rompimento no escroto, foi porque fez outra coisa qualquer!" Parece incrível, mas é verdade: as "leis" da praxe são feitas para proteger e fomentar a barbaridade e não precisam de grandes averiguações para "julgar" e tomar as suas "decisões".
Surge então uma pergunta: Que entidade é esta, o "CV", e as pessoas que o constituem, os "duces", que se auto reveste do poder de identificar, averiguar, julgar e condenar situações nas quais não esteve directamente envolvida? O Estado reconhece-lhe esse direito?
É inaceitável que se pense que as pessoas que praticam as praxes podem ser as mesmas a fiscalizar os actos por si praticados, e ainda para mais consideradas idóneas. Como se pertencessem a uma instituição à parte, numa proposta de mundo à parte – a Universidade. É exactamente essa proposta de Universidade-fortaleza, fechada ao mundo, que recusamos.
A sociedade vai perdendo a ilusão de que as praxes não passam de um conjunto de brincadeiras menores e que até é normal que tenham instituições próprias que a regulem. Mas se por algum motivo não tivessem acontecido cortes no escroto ou no couro cabeludo, nódoas negras e hematomas, estes casos teriam sido notícia? O CV consideraria aquela praxe admissível?
O Conselho de Veteranos talvez responda sim a esta pergunta alegando, em defesa dos agressores, que o aluno aceitou ser praxado. E novas questões se colocam: em que condições aceitou ser praxado? Foi de livre e espontânea vontade que avançou para a praxe, com o conhecimento prévio do que lhe poderia acontecer? Não foi persuadido sob nenhuma forma, física ou psicológica (e o motivo da integração adapta-se perfeitamente a este tipo de persuasão) para se submeter à vontade dos praxantes?
Infelizmente, sabemos que a coragem de não aceitar e denunciar estas violências é quase sempre "premiada" com o abandono e a hostilização das vítimas e a cumplicidade com os agressores: o passado recente mostra-nos que os responsáveis pelas escolas e pelo ministério são os primeiros a contribuir para o clima do medo e da impunidade.
O Movimento Anti "Tradição Académica" não aceita esses poderes obscuros e sem qualquer legitimidade e considera que estes casos não são acontecimentos isolados mas que acontecem devido à própria natureza da praxe. Condenamos as violências inerentes às praxes quer se tornem em casos públicos ou não. Apelamos aos estudantes que rejeitem qualquer forma de praxe, bem como todas as imposições e os poderes absurdos de estudantes sobre estudantes disfarçadas de brincadeiras e "tradição". A lei da praxe não vale nada, nem pode sobrepor-se às leis do país e ao convívio entre estudantes sem imposições, sem chefes e sem violências.
Por último, mantemos a expectativa de que o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Prof. Mariano Gago, mantenha o perfil de indignação que já demonstrou relativamente a situações semelhantes, esperando ainda pelo momento em que verdadeiramente coloque na agenda a reflexão e acção sobre este tema. Para ele, como para toda a comunidade escolar e sociedade em geral, desistir e abreviar responsabilidades seria uma atitude inaceitável. E speremos que, à semelhança do que aconteceu noutros casos como o de Ana Sofia Damião, não seja a própria instituição escolar a querer ocultar o que se passou para manter o bom nome da casa
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