No caminho das ideias: historia de los intelectuales en América Latina
Diego A. MolinaÀ PRIMEIRA VISTA, uma história dos intelectuais na América Latina pode parecer uma tarefa desmesurada, anacrônica ou, simplesmente, pretensiosa. Porém, nenhum desses adjetivos consegue definir o conjunto de ensaios reunidos neste primeiro volume de Historia de los intelectuales en América Latina. O marco espaçotemporal, isto é, os pouco mais de quatrocentos anos que vão da conquista da América, a partir de 1492, até o final do século XIX longo (segundo a periodização hobsbawmsiana, que, inferimos, rege o volume), e o território da América hispânica e lusitana, parece realmente inabordável. De todo modo, o principal problema que o volume enfrenta no conjunto radica muito mais nas concepções múltiplas do intelectual do que no suposto recorte descomunal. Dessa maneira, apesar das duas introduções que - a modo de marcos referenciais - abrem a Historia, a maioria dos 22 ensaios que compõem o volume começa por realizar as definições pertinentes do valor que terá, se usado, o mote intelectual. Como se sabe, o termo intelectual foi cunhado pelo escritor Émile Zola em sua "Carta ao presidente da República (Félix Faure)", publicada no jornal L'Aurore com o emblemático título de "J'accuse". Nessa acusação aos abusos do poder, que é o ponto máximo da autonomia conseguida pelos escritores ao longo do século XIX, está a origem do trabalho intelectual. Na América Latina, o termo foi rapidamente implementado (como nota Carlos Altamirano na introdução), por exemplo, por José Enrique Rodó, que em seu Ariel, de 1900, declarava: "Eu gostaria que esta minha obra fosse ponto de partida de uma campanha de propaganda entre os intelectuais da América". Porém, e em diálogo com a obra de Ángel Rama - que desde o subtítulo do volume ("La ciudad letrada, de la conquista al modernismo") aparece como farol -, o termo intelectual perde força para dar lugar a um caudal de vocábulos, como: letrados, elite letrada, juristas, clérigos, letrados eclesiásticos, publicistas, eruditos, "gente de saber", homens de letras, editores etc. O que, de alguma maneira, responde à pergunta que Jorge Myers propõe como organizadora do volume: "em que consistiu ser um 'intelectual' na América Latina antes do começo do século XIX?".
Então, desde o clero - onde se destacam os jesuítas e suas missões, como nos casos de Bartolomé de Las Casas, José de Acosta, José de Anchieta ou Antônio Vieira -, passando pelos científicos, que, sob os lemas da Ilustração, substituíram os missionários quando o mundo colonial apresentava seu primeiro indício de esgotamento na América Ibérica, até os liberais, revolucionários e políticos que lutaram pela independência, a tarefa dos intelectuais completa o arco total entre o "poder secular" e o "poder espiritual" comtiano. Neste último caso, isto é, após a emancipação dos países do jugo metropolitano ibérico, o papel dos intelectuais terá um itinerário paradoxal, já que, enquanto eles participam do processo que articula e dá forma aos Estados nacionais emergentes, procuram a autonomia que lhes permita realizar sua crítica. As tensões entre as concepções do intelectual marxista como aquele que representa os interesses de uma classe socioeconômica, e o rasto que Karl Mannheim deixou em vários pensadores, entre eles Ángel Rama, sobre a autonomia das elites letradas, atravessam a maioria dos ensaios. Da mesma forma, a figura do "intelectual orgânico", nos termos em que Gramsci o concebeu, aparece, desde leituras retrospectivas, como possível esquema referencial; como é o caso da elite brasileira reunida em torno da figura de dom Pedro II, suas incursões como mecenas e a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1838.
Este primeiro volume da Historia de los intelectuales está articulado em cinco partes, ordenadas cronologicamente. Assim, a primeira, "El letrado colonial", aborda o papel da gente de saber nos virreinatos hispano-americanos (Óscar Manzín), analisa o caso específico das elites letradas do Peru virreinal, na chamada "Academia Antártica" (Sonia V. Rose) e dá conta da relação entre literatura e "intelectuais" no período colonial no Brasil (Laura de Mello e Souza). O trio de ensaios traz à tona as diferenças existentes entre Espanha e Portugal em razão da instalação de instituições em território colonial, onde se destaca a criação de universidades na América Hispano-Americana quase do início da conquista (México, 1551, e Lima, 1553) e a falta das "Casas de Altos Estudos" em território lusitano. No entanto, resgatam-se as semelhanças nos processos civilizatórios empreendidos pelos jesuítas em toda a América Ibérica, trabalho paralelo a ponto de a expulsão recair em todos os missionários da América no mesmo momento.
Entre os três ensaios da primeira parte e os sete da segunda, constata-se um salto elíptico considerável. Com o título de "Elites culturales y patriotismo criollo: prensa y sociedades intelectuales", a segunda parte contextualiza a marca iluminista e os rastros da Revolução Francesa na América Latina, no momento de maior esgotamento do regime colonial. O título abre o caminho para a leitura nacional a partir do "patriotismo criollo": o cenário de conflito europeu, a democracia emergente dos Estados Unidos, o uso da imprensa e os novos agentes culturais configuram o lento - às vezes violento, mas sempre firme - processo de emancipação latino-americano. Dessa maneira, o letrado patriota ou "os homens de letras" começam a se posicionar e engajar em suas pátrias no momento de colapso do império espanhol (Jorge Myers), gerando um clima intelectual "à altura das luzes" (Klaus Gallo). O processo secular, posto em marcha desde final do século XVIII, ganha ímpeto entre 1800 e 1850 (Annick Lempérière).
Nesse contexto, alguns ensaios analisam o papel de duas figuras preponderantes: os juristas e sua atuação no "nascimento dos Estados-nação" (Rogelio Pérez Perdomo) e os publicistas, os redatores e o surgimento da "opinião pública" (Paulette Silva Beauregard e Elías J. Palti). O primeiro indício de americanismo, que mais tarde ganhará outras formas e defensores, tanto durante o romantismo e sua procura do gênio local e americano, quanto durante o modernismo e sua oposição ao imperialismo britânico e norte-americano, aparece nos primeiros republicanos ou nos "tradutores da liberdade" (Rafael Rojas).
A terceira parte, "La marcha de las ideas", é composta de alguns dos mais interessantes ensaios do volume, embora a coesão entre eles seja mais difícil de entrever. Um dos ensaios analisa a desconfortável figura do venezuelano Laureano Vallenilla Lanz e seu Cesarismo democrático: "O que fazer, então, com um clássico como este?", pergunta-se o autor, Javier Lasarte Valcárcel. Sobre a construção dos "relatos de origem" na historiografia nacional, Fernando Devoto analisa os casos de Brasil, Argentina e Uruguai, assim como as três figuras determinantes dessa corrente: Varnhagen, Mitre e Bauzá. Uma segunda figura de americanista está dada pelo "erudito colecionador", cujo papel como intelectual híbrido, devido ao entrecruzamento de disciplinas, marcou um período do século XIX (Horacio Crespo). A análise dos intelectuais negros no Brasil do século XIX (Maria Alice Rezende de Carvalho), com suas atuações públicas, suas obras e suas trágicas saídas do mundo (André Rebouças, João da Cruz e Sousa e Afonso Henrique de Lima Barreto), estabelece um interessante diálogo de contrapontos com o ensaio "Tres generaciones y un imperio: José Bonifácio, Porto-Alegre y Joaquim Nabuco", de Lilia Moritz Schwarcz, que abre a quarta parte: "Entre el Estado y la sociedad civil".
Completam a penúltima parte: um instigante estudo sobre os intelectuais e o poder político durante o porfiriato no México, onde se analisa o "ódio aos científicos" (Claudio Limnitz); outra abordagem sobre o "novo espaço de formação e atuação intelectual" composto pela imprensa, pelas associações e pela esfera política (Hilda Sábato); a participação dos intelectuais argentinos exilados no Chile (entre 1840 e 1850) na "construção da esfera pública" (Ana María Stuven); e, atrelado aos estudos de gênero, o papel das "maestras, livres-pensadoras e feministas" na Argentina no começo do século XX (Dora Barrancos). Fecha o volume a quinta parte, intitulada: "Exilios, peregrinajes e nuevas figuras del intelectual", que começa a vislumbrar o mundo intelectual na América Latina até a década de 1920, no final do século XIX longo. Alejandra Laera analisa a figura ambígua do cronista e romancista (jornalista e escritor) no momento em que a imprensa periódica serve como meio de profissionalização. Susana Zanetti realiza um percurso pela obra e pela figura de Rubén Darío, o jovem líder do movimento modernista, aquele que condensa a imagem de "o intelectual artista". É o momento que Manuel Gutiérrez Nájera tinha prefigurado da Europa ao perceber que "Hoje os tempos têm mudado bastante. A literatura é na Europa uma carreira em toda forma, tão disciplinada como a carreira militar [...] Os escritos, como todas as mercadorias, sofrem a lei da oferta e da demanda" (1881), que agora renova a relação dos intelectuais latino-americanos com os espaços e meios de atuação.
Por último, Beatriz Colombi acompanha o itinerário dos escritores hispano-americanos no caminho para "a Meca" que Paris representa, ao menos até o começo da Primeira Guerra Mundial, que modificará para sempre a relação dos intelectuais com o poder e que, de alguma maneira, fecha o volume.
Trabalho pioneiro, Historia de los intelectuales en América Latina enfrenta as dificuldades de realizar uma leitura, não uma tabula rasa, mas um palimpsesto de vozes que ao longo dos séculos pensaram a relação das elites letradas com seus meios de produção e nos próprios contextos de atuação. Devemos destacar que, ainda que o peso esteja distribuído em certas tendências, nas quais prevalecem os enfoques que priorizam Argentina e México, achamos pertinente a inclusão das diversas abordagens do Brasil colonial e imperial. Essa inclusão vem saldar uma dívida como os estudos comparados latino-americanos, que, em geral e com apenas algumas exceções, deixam de lado o Brasil ou colocam-no em relação bilateral com a metrópole, estabelecendo linhas de ruptura ou continuidade entre Brasil-Portugal e desestimam contatos, semelhanças e diferenças com o restante dos países da América Latina.
A pluralidade de critérios para dar conta de uma figura tão complexa como a do intelectual pode suscitar certo ar de falta de unidade ou organização do volume. Mas na "introdução" está feita a aclaração sobre a quantidade de disciplinas que deveriam convergir no momento de realizar uma história dos intelectuais: "a história das ideias, a história da literatura, a história política e a sociologia dos intelectuais" (p.23). Portanto, ficam pautadas as próprias limitações a que se veem sujeitos os organizadores do volume pela enorme quantidade de abordagens que admite a realização do trabalho. Por sua vez, a América Latina, ao não ser recortada ou definida por critérios sociopolíticos, geográficos ou culturais, ganha diversos enfoques e apelativos de acordo com as necessidades expositivas de cada ensaísta, assim como os gentílicos: hispano-americano, ibero-americano, luso-brasileiro, latino-americano, por exemplo. Por isso, o conjunto tem certa independência conceitual, apesar da ordem cronológica, o que enriquece a obra em sua totalidade, embora às vezes, entre um ensaio e outro, possam surgir as contradições às quais/a que todo trabalho crítico está sujeito. De todo modo, dar conta das contradições é, sem dúvida, uma das mais dignas tarefas do intelectual.
Diego A. Molina é bacharel em Letras Modernas pela Universidade de Buenos Aires (UBA) e pós-graduando em Literatura Brasileira pela USP. @ -
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