Frontier Goiás, 1822-1889
Ciências Humanas e Sociais

Frontier Goiás, 1822-1889



José Carlos Barreiro

Professor Titular do Departamento de História da Unesp, Campus de Assis


McCREERY, David. Frontier Goiás, 1822-1889. Stanford, Califórnia, Stanford University Press, 2006. 297p

Frontier Goiás, 1822-1889, escrito pelo Prof. David MacCreery, é um livro que examina o desenvolvimento do estado, da nação e da economia durante o período Imperial brasileiro. Trata-se de uma contribuição densa e bem documentada que vem juntar-se aos estudos já existentes sobre o tema.

As reflexões sobre a formação do Estado-Nação no Brasil do século XIX tem sido ultimamente objeto de muitas indagações e pesquisas. Porém o tema, como sabemos, não é novo, o que não significa que não deva continuar a ser estudado, pois em virtude de sua extensão e importância, está longe de ser esgotado. Poderíamos lembrar trabalhos mais antigos como os dos historiadores nacionalistas Manuel de Oliveira Lima, escrito no início da década de 1920 e o de José Honório Rodrigues dos anos 70 do século passado, que defenderam para o Brasil a existência prévia de uma Nação mesmo antes da existência do Estado.1

As teses mais recentes sobre a questão no Brasil, porém, alinham-se às idéias de Hobsbawm, segundo as quais em todas as experiências de constituição das sociedades modernas o estado antecede a criação da nação e não o contrário.2 A tese de Hobsbawm tem ganhado sustentação em estudos sobre determinados países da América Latina e até mesmo para este Continente como um todo.3 Nesta linha perfilam-se os estudos do Prof. McCreery, objeto principal de nossos comentários. Também com esta mesma orientação um dos estudos mais recentes e polêmicos é o artigo do Prof. Richard Grahan, em que após criticar os historiadores nacionalistas defende a tese de que o interesse de classe no Brasil impulsionou a formação de um estado centralizado, que conduziu à formação de uma nação e não o contrário, embora ressalte que o processo seja mais circular do que linear.4

Com a preocupação de responder como o Brasil manteve a unidade territorial na formação de seu estado-nação, ao contrário da América espanhola que se fragmentou em várias pequenas repúblicas à época das Independências, Graham critica e discorda de várias teses: a de José Murilo de Carvalho, que atribuiu a conquista da unidade territorial brasileira à formação ideológica e intelectual comum da elite política brasileira; a de Ilmar Rohloff de Mattos que atribuiu as origens da coesão nacional pós-independência às lideranças centralizadas no Rio de Janeiro e seus arredores.5 A partir das críticas a esses autores Graham expõe e defende a idéia de que para o entendimento da questão não se deve buscar explicações apenas no Rio de Janeiro, mas investigar a influência de lideranças de outras partes do Brasil. Tais lideranças, que no princípio exigiam autonomia local mais ampla, mudam de ponto de vista a partir de um determinado momento, principalmente quando percebem que perderam o controle sobre as revoltas populares regionais que pareciam fazer a própria instituição da escravidão perigar. Desta forma, entre 1830 e 1850 passaram a apoiar uma série de medidas nacionais destinadas a fortalecer a autoridade central e a limitar as liberdades regionais, pois só assim seus interesses imediatos pareciam estar protegidos.

Sem perder de vista a importância das várias elites regionais para a explicação da formação do pacto de centralização e da unidade territorial conseguida pelo Império brasileiro (como bem comprovou o Prof Graham), os interesses do Prof. McCreery orientaram-se para estudar apenas a província de Goiás e sua relação dialética na formação do estado centralizado brasileiro. Essa província, no século XIX, era talvez a mais pobre e uma das mais distantes dos centros de influência da Coroa.

A linha de investigação do Prof. McCreery apresenta boas contribuições historiográficas que vale a pena pontuar. A primeira delas é que os historiadores preferem refletir sobre o papel das províncias que tiveram destaque político, econômico e social no Brasil colônia, e principalmente o Rio de Janeiro, capital do Brasil à época da independência, quando se trata de estudar a formação do Estado Nacional. As províncias menos destacadas ficam relegadas a plano secundário no entendimento desse processo. Esta deficiência historiográfica torna-se mais acentuada quando se trata de zonas de fronteira, ou regiões sertanejas como foi o caso de Goiás no século XIX. O Prof. McCreery parece ter visto na escolha de seu objeto uma oportunidade ímpar para a historicização dos significados do sertão, lido freqüentemente como espaço vazio.6 A busca da ressignificação desse espaço implicou às vezes densas passagens francamente descritivas, como reconhece o próprio autor. Mas isso nada tem de negativo em virtude do muito pouco que ainda se conhece de Goiás e do sertão brasileiro do século XIX.

Cabe destacar desde já que as conclusões do Prof. McCreery, pelo menos estudando a província de Goiás, diferenciam-se das hipóteses do Prof. Graham, segundo as quais as elites nacionais renderam-se ao pacto de centralização a partir do momento em que se viram ameaçadas pelas revoltas populares e pelo medo da "haitinização" do Brasil. As elites goianas não enfrentaram esse temor. Exceto a população indígena, nenhum grupo impôs um sério desafio à autoridade pública ou ameaçou o poder de Estado em Goiás do século XIX. A província goiana foi amplamente bem-sucedida em suas funções de controle e defesa. Ao se perguntar como e por que isso ocorreu, o Prof. McCreery responde que o pequeno número de escravos afro-brasileiros lá existentes impôs pouco perigo de rebeliões, e o número de escravos declinou ao longo do século em contraste direto com outras províncias ameaçadas com real ou imaginária "haitinização" em virtude da crescente população de cativos. Acrescente-se a isso que a extrema pobreza da província de Goiás favoreceu uma espécie de "estado transnacional", em que o governo central delegava autoridade às elites locais para que pudessem assumir certo poder paroquial. Como resultado as manifestações do estado no interior eram contraditórias. Se por um lado a população rica e pobre de Goiás desejava um estado forte o suficiente para protegê-los dos Índios e criminosos, por outro lado eles também queriam um estado fraco quando se tratava de intervir em suas vidas. Os baixos níveis da atividade econômica, especialmente nas áreas mais facilmente taxadas, tornaram difícil a captura de renda. Sem renda o estado não poderia desenvolver a infra-estrutura que ajudaria a estimular o crescimento econômico. A estratégia era a de o estado goiano extrair suficientes somas de dinheiro para funcionar, mas não muito a ponto de esmagar a economia ou provocar resistências violentas. Ineficiência, contrabando e corrupção faziam parte de uma racionalidade que permitia a sobrevivência do estado Goiano. Por outro lado o Império, ao longo do século XIX introduzia substanciais fundos em Goiás, drenados de fora da província e investidos com pouca probabilidade de retorno a curto prazo. Nenhum sistema de assalariamento forçado ou coerção extra-econômica ameaçou a população livre, e os patrões ajudaram na proteção do pobre diante das imposições como recrutamentos militares e coerção de juízes.

Enfim, o estado Imperial prometia às elites locais apoio nacional para as suas preeminências locais, em troca do qual concordavam em fazer avançar ou pelo menos tolerar o projeto nacional, um pacto que lançou as bases para a função do estado brasileiro entrando no século XX.

O estado brasileiro não conseguiu se formar nos moldes dos Estados-Nação liberais modernos desenvolvidos ao longo do século XIX, cuja característica foi, com diversidades e variações de graus, a separação entre os recursos públicos e privados e o exercício despersonalizado de suas funções. Em compensação a unidade territorial e a centralização do poder que se conseguiu aqui (e em nenhuma parte tão bem quanto na fronteira, segundo o Prof. McCreery) foram desesperadamente tentadas, mas amplamente malsucedidas por vários regimes hispano-americanos. Tais acertos e acomodações proporcionaram paz através da produção de uma modesta extensão de serviços para um crescente número de pessoas a um custo mínimo e reforçaram a hierarquia de classes, enquanto ofereciam uma módica deferência à autoridade central. A alternativa para isso seria o colapso e a desintegração do Império.

Pela densidade da pesquisa apresentada sobre a província de Goiás do século XIX, ainda bem pouco conhecida dos historiadores e do público universitário mais amplo e pela originalidade da tese apresentada sobre a formação do Estado-Nação no Brasil a partir do estudo da província de Goiás, esperamos que surjam interesses editoriais para a publicação do livro em português.


NOTAS:

1 LIMA, M. de O. O Movimento da Independência (1821-1822).6ª. ed. São Paulo, Topbooks, 1997; RODRIGUES, J.H. Independência: Revolução e contra-revolucao. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1975. [ Links ]Y [ Links ]
2 HOBSBAWM, E. J. Nations and Nationalism Since 1780: Programme, Myth, Reality. Cambridge, Cambridge University Press, 1990. [ Links ]
3 Cf. estudo de Góngora para o Chile, in: GÓNGORA, M. Ensayo Histórico sobre la noción de estado em Chile em los siglos XIX y XX. 2a. ed. Santiago, Editorial Universitária, 1986. p. 25. Para estudos sobre a América Latina como um todo, cf. TAYLOR, W. B. Between Global Process and Local Knowledge: In Inquirity into early Latin American Social History, 1500-1900. In: ZUNZ, O. (Org.) Reliving the Past: The Worlds of Social History. North Carolina, Capel Hill: University of North Carolina Press, 1985. [ Links ]Y [ Links ]Y [ Links ]
4 GRAHAM, R. Constructing a Nation in Nineteenth-Century Brazil: Old and New Views on Class, Culture and State. The Journal of the Historical Society, vol. 1, n.2-3, 2001. [ Links ]
5 Cf. CARVALHO, J. M. A construção da Ordem; a elitie política imperial. Rio de Janeiro, Campus, 1980; MATTOS, I. R. O Tempo Saquarema. São Paulo: Instituto Nacional do Livro, 1987. [ Links ]Y [ Links ]
6 Sobre a leitura dos sertões, desertos e oceanos como espaços vazios, cf. DRIVER, Felix ? Sea-Changes: Historicizing the Ocean, c. 1500 ? c1900. History Workshop Journal, 51, 2001, p. 278 ? 279.

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