Começou a revolta que ainda não faz barulho
(texto de Kátia Catulo publicado no jornal i)
Professores estão ansiosos por gritar nas ruas contra os cortes na escola pública e nem querem esperar pela convocação dos sindicatos
O apelo circula nos emails, nos corredores das escolas, nos encontros marcados ao fim-de-semana, nos plenários organizados ao final da tarde ou à mesa dos restaurantes. Os professores conspiram quando e onde é possível, sem esperar pelos sindicatos para preparar os protestos contra a vaga de despedimentos e os cortes anunciados para o próximo ano lectivo. Querem ir para a rua depressa e a falta da logística das organizações sindicais não os impede de acreditar que vão conseguir mobilizar milhares de colegas nas praças ou nas avenidas de Lisboa. O comboio já está em movimento e a cada dia ganha mais velocidade.
Nas escolas de Setúbal ou de Oeiras são os professores que saem das aulas com vontade de se reunirem em vez de irem para casa ruminar sobre as desgraças que julgam virem aí. "A facilidade com que os professores se juntaram espontaneamente há poucos dias na Escola Básica Luísa Todi foi surpreendente", conta Jaime Pinho, do Movimento Escola Pública (MEP). Foi o princípio de uma corrente que em poucas horas contagiou a escola onde dá aulas mesmo ali ao lado - a Secundária D. João II - e estará prestes a entrar noutros agrupamentos de Setúbal ou de Palmela.
"Na minha escola, por exemplo, há uma grande vontade por parte dos professores de começarem a fazer qualquer coisa para travar o Ministério da Educação", explica Jaime Pinho. Os contactos já começaram - professor a professor, escola a escola, até entrarem em todas e conseguirem organizar um plenário com os docentes de todo o concelho de Setúbal. E depois logo se vê: "O que fazer com este movimento que está agora a germinar é ainda uma incógnita. Sentimos que o mínimo que podemos fazer é gritar alto numa praça da capital."
Em crescendo Em Oeiras a onda de protestos também já está formigar dentro das escolas. Começou sem fazer muito barulho, mas é para ir crescendo até ganhar a escala de uma manifestação nacional. Na próxima semana distribuem-se panfletos aos pais e encarregados de educação para mostrar o ponto de vista dos professores sobre as consequências dos cortes orçamentais previstos para a educação. Na semana seguinte há pelo menos duas escolas do concelho em que os professores vão parar e fazer um minuto de silêncio. Ainda antes de Fevereiro terminar, o murmúrio vai sair dos portões e ficar frente às escolas. Algumas dezenas de professores irão empunhar cartazes e faixas em "defesa da escola pública".
Todo esse reboliço tem um grupo de professores por trás - o movimento 3R - Renovar, Refundar e Rejuvenescer. São pouco mais de 40 professores da Grande Lisboa, mas esperam vir a contaminar outras escolas. E é por isso que esta tarde vão ocupar um restaurante de Carcavelos. A convocatória para os professores participarem neste encontro chegou por emails disseminados com a eficácia de um vírus informático. "O objectivo desta iniciativa é apenas partilhar as ideias que vamos tendo para lutar contra aquilo que consideramos ser a destruição da escola pública", diz André Pestana, professor contratado em Oeiras e um dos coordenadores do 3R. Partilhando as ideias com os colegas vão encorajando outras escolas a fazerem o mesmo.
À mesa do restaurante, André Pestana vai tentar chegar mais longe. Quer sondar até onde os colegas estão dispostos a ir: "Estamos ainda a ponderar lançar algumas ideias para concretizar iniciativas que se traduzam num protesto forte." Só que antes disso é preciso alargar a influência do movimento e chegar a mais professores e a outros movimentos. O 3R quer aproveitar esta terça-feira - dia em que a ministra Isabel Alçada será ouvida na comissão de Educação da Assembleia da República - para estender o seu campo de acção. Haverá movimentações na rua, protestos de professores e até de encarregados de educação das escolas privadas com contratos de associação. O ambiente perfeito para contactar outros movimentos e fazer crescer essa vontade de mobilizar os colegas para uma missão ainda maior.
Unir forças Quem for dos sindicatos e quiser juntar-se será bem-vindo - esclarece André Pestana -, mas o movimento 3R assegura que não vai ficar à espera que sejam as estruturas sindicais a dar o passo seguinte: "Os sindicalistas estão muito centrados em ganhar a guerra nos tribunais e ainda alimentam a esperança de vir a negociar com o ministério, mas nós acreditamos na mobilização de base para vencer este ataque contra a escola pública."
Só que há-de chegar o momento em que sindicatos e movimentos independentes de professores têm de se entender, avisa Jaime Pinho, do MEP. "No início houve muita desconfiança mútua, mas hoje é essencial reconhecer que a única via para chegarmos a algum lado é trabalhar em conjunto." Resta ver quem dá o primeiro passo. "Alguém terá de estender a mão", diz o coordenador do Movimento Escola Pública. E esse "alguém" são os sindicatos, que, por terem "maiores responsabilidades", deviam ter a "grandeza" de reconhecer a "força que os movimentos podem fazer para travar o governo". O comboio já partiu. Falta saber quem fará a viagem.
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