Ciências Humanas e Sociais
Crónica da visita da ministra da (des)educação às Escolas Secundárias em Ovar
Ainda a propósito da visita a Ovar, da Ministra da Educação, que, sem que os próprios profissionais e comunidade em geral soubessem, visitou a Secundária Júlio Dinis e de forma “meia” camuflada na comunidade local (só com a imprensa mais mediática atrás de si) participou no dia do Patrono na Secundária Dr. José Macedo Fragateiro. E quando estão em calendário de luta e resistência, no caso dos docentes, jornadas como a do dia 26, com paralisação entre as 8h e as 10h30. Um dia nacional de protesto e de luto, que só pode culminar com mais uma grandiosa manifestação em Lisboa no dia 30, para que se repitam mais de 100 mil vozes, que bem podiam gritar em honra do poeta, “Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”.
Nesta hora de mobilização e exigência de mais unidade em defesa da Escola Pública e defesa da dignidade dos profissionais da educação, é gratificante recorrer a um desabafo de uma docente, a propósito da visita da Ministra a Ovar.
“7 de Maio de 2009, dia do patrono da ES/3 Dr. José Macedo Fragateiro. A Ministra da Educação aproveitou a efeméride para ir à escola entregar diplomas e, supostamente, ver a Escola antes das obras que aí vão ser realizadas. Tudo ocorreu com grande secretismo, mas, no próprio dia, adivinhava-se que a visita ia mesmo acontecer.
Ao final da tarde, no exterior, foram-se juntando professores/as de várias escolas de Ovar, vestidos de luto, que de mãos dadas em silêncio, foram ladeando a porta de entrada da escola, por onde presumivelmente passaria o carro da ministra.
Finalmente chegou, mas “num golpe de rins” o carro guinou para um portão lateral.
Maria de Lurdes Rodrigues teve medo daquele luto e daquele silêncio. A indignação foi tão grande que, espontaneamente, em coro (forte, muito forte) os professores gritaram: "há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!". Foi um momento de grande emoção colectiva.
Dentro da escola os professores também vestiam de luto.
A ministra entrou, falou, entregou diplomas, mas os professores mantiveram-se obstinadamente juntos e silenciosos. Depois o "Canto Décimo", também de luto vestido dedicou o seu canto aos professores portugueses, e à memória de José Fragateiro, evocando a frontalidade democrática que o caracterizava, e que o faria, certamente, estar ao lado dos professores, nestes tempos tão difíceis que estão a passar.
No fim da sessão, um grupo de professores entregou à Ministra um documento de protesto, que deixamos aqui, para que conste. A resistência continua! E a Ministra foi-se embora sem visitar a Escola."
Mas para completar a notícia que em primeira-mão tinha sido divulgada no Movimento Escola Pública, fica aqui agora o texto entregue à responsável pelo Ministério da Educação.
Senhora Ministra da Educação
Excelência
Hoje, dia 7 de Maio de 2009, a nossa Escola – a Escola Secundária com 3.º Ciclo do E.B. José Macedo Fragateiro – está em festa.
Durante todo o dia foi possível verificar, em muitos dos nossos espaços interiores e exteriores, o profissionalismo, a dedicação e empenho dos professores, dos alunos e dos funcionários que integram o conjunto da nossa comunidade escolar.
Ao longo do dia, por entre todas as actividades aqui realizadas, pudemos também perceber e sentir o espírito e a presença do legado que nos deixou o nosso patrono, colega e companheiro de alguns de nós em tempos difíceis do nosso sistema educativo, o Dr. José Macedo Fragateiro
O Dr. Fragateiro foi e continua a ser para nós um modelo de pedagogo que, sem alaridos nem arruaça, soube mostrar-nos (a professores, a alunos e a funcionários) como se deve combater pela liberdade, pela justiça e pela qualidade da escola pública. O Dr. Fragateiro foi e continuará a ser para nós um exemplo de cidadão que não verga a cerviz e não cede a tiques de autoritarismo ou à imposição de quaisquer tipo de mordaça ou inibição da liberdade e autonomia que deve reger o verdadeiro trabalho docente (um magistério!) nem ficaria indiferente perante toda e qualquer manifestação de ataque à dignidade e prestígio da função docente. Se cá estivesse ainda, certamente estaria ao nosso lado e não aceitaria a perda da democracia na gestão das escolas nem alinharia com processos de pseudo-avaliação de desempenho docente nem com a divisão da nossa carreira em diferentes categorias.
Neste dia, portanto, que foi de festa e de alegria, não poderíamos deixar de lhe manifestar – em nome da grande maioria dos professores desta escola – a nossa tristeza e mágoa por tudo o que o seu Ministério nos tem feito e continua a fazer, destruindo a nossa vontade de trabalhar mais e sempre em prol da formação dos nossos alunos como cidadãos livres, críticos e independentes.
A senhora Ministra sabe certamente as razões por que lhe dizemos isto.
Professores da Escola Sec. José Macedo Fragateiro
O saudoso pedagogo, humanista e democrata, combatente das liberdades, politico honesto e tolerante, como foi, José Macedo Fragateiro, falecido em 1991, que já alguns anos viria a ser justamente homenageado como Patrono da Escola Secundária N.º1 em Ovar, em que foi professor e presidente do Conselho Directivo durante onze anos. Não merecia que o Dia do Patrono da Secundária José Macedo Fragateiro, assinalado no dia 7 de Maio, se transformasse num palco de protagonismo para personagens de governantes tão intolerantes para com as gerações actuais de professores, sujeitos às infâmias e arrogâncias dos responsáveis pela Educação neste país, que o viu nascer a 7 de Maio de 1918 em Portel, Alentejo.
Considerado “um idealista e um sonhador” Fragateiro, foi preso pelo regime salazarista e partilhou a cela em Caxias, com figuras, como, Mário Soares e Salgado Zenha. Em Ovar em que se viria a radicar, fundou a primeira célula do Partido Socialista local, e apesar de socialista, ainda que incompreendido até á sua morte, a dignidade do homem íntegro que marcou várias gerações de alunos, exigia que ao seu nome, como Patrono da Secundária, não ficasse associado à imagem de marca da governação Sócrates, como são as propagandeadas Novas Oportunidades, que a Ministra da Educação, veio entregar uns certificados aos alunos.
Felizmente que há quem não se cale e resista, como os professores que junto à escola, com peças de roupa preta, fizeram um simbólico cordão humano, bem como a leitura de um texto feita por uma docente desta Secundária, em que era lembrada a figura do pedagogo, José Macedo Fragateiro, que, não terão dúvidas, estaria ao lado dos seus colegas nos momentos difíceis que estão a viver no quadro actual, e se manifestaria certamente contra a politica de ataque à escola pública que vem sendo desferida, de que resulta o fantasma do medo.
Do “programa” fez ainda parte a actuação do Grupo Coral da própria Secundária José Macedo Fragateiro, Canto Décimo, formado essencialmente por professores, que começou por receber a Ministra com “Conta-me um conto…” de João Lóio, em que fala da “bruxa malvada”, terminando de forma empolgante, com a força musical de, a “Jornada” de Lopes Graça, que fez cantar em coro, “unidos como os dedos da mão…, havemos de chegar ao fim da estrada…”. Uma marcante jornada, que a Ministra não vai esquecer na sua passagem por Ovar, onde foi recebida com “letras” de indignação, em memória do Patrono, José Macedo Fragateiro.
Crónicas retiradas do blogue:http://movimentoescolapublica.blogspot.com/
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