Este é o capítulo 6 do livro How to Live a Holy Life ("Como viver uma vida santa
"), do Metropolita Gregório de São Petersburgo (1784-1860). Fiz a tradução do inglês que, por sua vez, é uma tradução do russo. No entanto, como o conteúdo é relativamente simples, restringindo-se a orientações de ordem prática, creio que pode ser considerado como fiel ao original russo. Jamais comece ou termine uma refeição sem uma fervorosa oração ao Senhor Deus. Hoje em dia, infelizmente, muitos cristãos não cumprem essa orientação. É espantoso como esses cristãos chegaram a um estado de alma na qual começam e terminam suas refeições sem uma fervorosa oração ao Senhor Deus. Ora, é exatamente o Senhor Deus que nos dá todo alimento. Sim, é verdade, nós também trabalhamos para obter nossos alimentos, mas de que adiantaria nosso trabalho sem a benção do Senhor Deus? De que adiantaria, por exemplo, se Ele não nos desse o clima apropriado, a umidade, os ventos e o sol para que pudéssemos cultivar e colher? Absolutamente para nada, como todos devem saber. Além disso, é exatamente o Senhor Deus quem confere aos alimentos propriedades nutritivas e aos nossos corpos a possibilidade de usar estas propriedades em benefício da nossa saúde. O que aconteceria se o Senhor Deus não tivesse dado qualidade nutricional aos alimentos? Ora, não importa o quanto consumíssemos esses alimentos, mesmo os mais nutritivos: não adquiriríamos força física e, portanto, não conseguiríamos desempenhar nossas tarefas diárias e nem mesmo continuar vivos. Desta forma, nenhum de nós permaneceria vivo. E mais: o que aconteceria se o Senhor Deus tirasse dos nossos estômagos sua função digestiva, nem que fosse por somente duas semanas? Ora, mesmo o alimento mais nutritivo não adiantaria de nada, mas, pelo contrário, nos deixaria exaustos, doenças acabariam surgindo ou até mesmo a vida nos seria tirada. Afinal, a experiência prova que mesmo os alimentos mais saudáveis podem ser danosos.
Nossas refeições devem sempre ser moderadas. Todos os santos tinham por hábito exercer uma intensa vigilância sobre si mesmos. Eles ensinavam, em uníssono, que (1) é necessário pouquíssimo alimento para satisfazer nossos corpos; (2) nossas barrigas, por si só, são incapazes de exercer a moderação; (3) às vezes, nossas barrigas exigem comida mesmo quando já têm o suficiente; e, portanto, (4) para exercer a moderação, é melhor parar de comer quando a vontade ainda não tiver cessado por completo. São João Crisóstomo deu uma excelente dica para que exercêssemos a moderação na alimentação:
Coma apenas o suficiente para aliviar a fome. Outro santo ensinou:
Você não deve comer tudo aquilo que deseja, mas sim comer o que você tem, de maneira que após comer ou beber, você ainda sinta vontade de comer.
Por falar em comida, os santos observavam, com muita propriedade, que os leigos deveriam comer pouquíssimos alimentos pesados, estimulantes, de difícil digestão, gostosos e doces, e que os monges, viúvos e viúvas deveriam se privar por completo desses alimentos. Os alimentos gostosos e doces devem ser evitados porque somos facilmente tentados a abusar deles, e os alimentos pesados, estimulantes e de difícil digestão devem ser evitados porque engendram na carne tendências malignas, e porque, quando fazemos uso deles, é quase impossível neutralizar tais tendências. Contudo, o alimento é necessário ao corpo. Não devemos negar ao corpo o alimento necessário. Por um lado, temos de satisfazer as necessidades naturais que dão sustento aos nossos corpos e almas. Por outro, se faltarem os alimentos necessários ao corpo, estaremos insurgindo contra nós mesmos um inimigo que, do contrário, não seria nosso inimigo.
Durante as refeições, especialmente no jantar, jamais consuma alimentos de maneira imoderada ou em excesso. Nossos alimentos são uma dádiva de Deus, e todas as dádivas de Deus, por serem divinas, devem ser recebidas com reverência, decoro, com temor a Deus, e consumidos apenas para o propósito a que nos foram concedidos. O alimento não é dado para a saciedade, mas para a satisfação.
A saciedade é extremamente prejudicial ao corpo, pois as desordens estomacais, a corrupção do sangue, as doenças e a morte prematura são, em grande parte, resultado de intemperança e de excessos. Tanto os médicos quanto a experiência e o Espírito de Deus atestam esse fato.
Pois o excesso de alimento é a causa de doença...Muitos morreram por causa de sua intemperança (Eclesiástico 37,33-34).
A saciedade é extremamente prejudicial à alma. Quem quer que exagere na comida ou na bebida é incapaz de fazer exercícios espirituais e nem conseguirá rezar ou refletir sobre algo divino, pois o excesso de comida engendra preguiça, indolência, sonolência, conversas vãs, comportamentos ridículos e a uma multidão de pensamentos e desejos impuros. Além disso, inflama o ódio e o amor aos prazeres, como se fosse óleo atirado ao fogo. Via de regra, quem come em excesso não tem o verdadeiro Deus, mas sim sua própria carne e seus desejos. Portanto, quem exagera na comida é capaz de violar até mesmo as mais sagradas obrigações e está preparado para cometer os mais terríveis atos. Quem quer que observe a si próprio e as pessoas ao seu redor não precisa de evidências para provar esses fatos.
Durante as refeições, nunca diga nada pecaminoso. Ora, insultar Deus ao mesmo tempo em que você está comendo Suas dádivas é uma das piores ingratidões, pois este deveria ser exatamente o momento em que você precisaria estar sentindo e demonstrando gratidão. Mas, infelizmente, é durante as refeições que muitas pessoas travam as mais ímpias conversas: elas difamam, condenam, debocham umas das outras, especialmente de quem está ausente, contam piadas sugestivas, se entregam a comportamentos ridículos, zombam da fé e de vários assuntos relacionados à fé, e assim por diante. Tais condutas representam uma enorme ingratidão ao Senhor Deus. Guarde-se delas a todo custo.
Durante as refeições, deve-se dizer ou ouvir coisas edificantes: histórias santas, vida dos santos, histórias naturais que revelem a sabedoria e a bondade de Deus, ensinamentos espirituais etc. Os verdadeiros cristãos, durante as refeições, tentam se lembrar vividamente da morte e do temeroso julgamento, a fim de que se mantenham em um estado de espírito agradável a Deus e inacessíveis a qualquer tipo de depravação. Isso se faz necessário porque, à mesa, as pessoas tendem a se tornar indolentes e sonolentas por causa da comida.
Às vezes, acontece de um alimento malcozido ser servido; nesses casos, os santos imaginavam que todos nós, por causa de nossos pecados e nossos constantes insultos a Deus, somos indignos não só desse alimento malcozido, mas até mesmo da lavagem dos porcos. E então, eles o consumiam como se tivesse sido bem cozido. Quem quer que consuma sua refeição desta maneira, isto é, com moderação e gratidão ao Senhor Deus, está agindo como deveria, ou seja, de maneira reta e agradável a Deus. Talvez não venha a ter abundância em sua casa, mas certamente não passará por total pobreza. O Santo Profeta Davi disse:
Fui moço, e agora sou velho; mas nunca vi desamparado o justo, nem a sua semente a mendigar o pão. Compadece-se sempre, e empresta, e a sua semente é abençoada (Salmo 37:25-26), ou seja, todo dia ele dava algum sustento aos pobres e os ajudava com alguma coisa. Então, quem não tem seu pão de cada dia deve examinar a si mesmo de maneira atenta e imparcial, a fim de determinar se está rezando ao Senhor Deus antes das refeições, e se está trabalhando por esse pão. Aquele que não reza ao Senhor Deus ou não trabalha pelo pão não deveria ficar surpreso por não ter seu pão de cada dia.
Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também, conforme disse o Apóstolo Paulo (II Tessalonicenses 3:10).
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