Cognition and Commitment in Hume's Philosophy
Ciências Humanas e Sociais

Cognition and Commitment in Hume's Philosophy



Bruno Pettersen1

Don Garrett, Cognition and Commitment in Hume's Philosophy. New York: Oxford University Press, 1997, 270 Páginas

Certos pensadores são capazes de instigar ou perturbar os seus leitores mesmo após mais de 200 anos da publicação de sua obra. Este é o caso de David Hume. Mesmo com a clareza de estilo, a substancial obra de Hume gera constantemente diversos puzzles aos seus intérpretes. É no intuito de solucioná-los que Don Garrett nos apresenta seu livro Cognition and Commitment in Hume's Philosophy, o qual é dividido em dez capítulos de uma cuidadosa investigação do texto humeano.

No primeiro capítulo a discussão é centrada no seguinte problema: como os dois termos ";intelecto"; e ";imaginação"; se dispõem na obra de Hume? A resposta de Garrett provém de uma longa referência destes dois termos à tradição moderna: Hume nega o intelecto (junto com Locke) e enfatiza o conceito de imaginação. Tal conclusão leva Garrett a expor cinco tipos de empirismo, cada qual representando uma faceta do empirismo humeano, são eles: o empirismo metodológico, conceitual, nomológico, explanatório e redutivista.

O famoso ";Princípio da Cópia"; é focalizado no segundo capítulo, sendo que Garrett indica duas possíveis inconsistências neste princípio dadas segundo a orientação empirista de Hume: primeiro, seria ele um princípio a priori, e segundo, seria ele um princípio universal que não admite exceções? Garrett afirma que estas duas aparentes inconsistências são resolvidas ao assumirmos que o princípio da cópia é um princípio metodológico apenas, não a priori e, que este é um princípio de psicologia cognitiva, dado como uma generalização empírica que, portanto, aceita exceções, como é o caso do próprio Hume oferecer-nos um contra-exemplo (o matiz de azul. Ver EHU §13).

Intitulado de ";The Separability Principle"; o terceiro capítulo discute o princípio de separabilidade de idéias, dito por Hume como: ";(...) whatever objects are different are distinguishable, and whatever objects are distinguishable are separable by the thought and imagination"; (THN §18). Segundo alguns comentadores este princípio seria inconsistente com aspectos da filosofia de Hume, como o seu empirismo reducionista ou mesmo sua teoria acerca do espaço/tempo (especialmente o problema do vácuo). A inconsistência se daria na medida em que estes aspectos da filosofia de Hume pressupõem o atomismo, que aparentemente é negado pelo princípio da separabilidade o qual pode sugerir que uma haveria uma separação infinita. Para descartar tal problema, Garrett fornece o seguinte argumento: a aparente inconsistência proviria de uma aplicação universal deste princípio, o que é errôneo, na medida que este princípio é utilizado por Hume em referência apenas às idéias complexas.

A relação entre razão e indução é o objeto do quarto capítulo. Nele, Garrett expõe a famosa discussão cético-naturalista da relação entre indução e razão. Para solucionar este problema, ele nos indica um dos principais equívocos dos intérpretes de Hume, que é a utilização do termo ";razão"; em um sentido racionalista, enquanto o objeto de Hume é antes de utilizar este termo em um sentido probabilístico. Tendo resolvido isto, Garrett desloca o problema da indução tradicionalmente visto como epistêmico, para um problema de psicologia cognitiva, sendo, portanto, a indução uma descrição de um certo processo cognitivo humano.

";Two Definitions of 'Cause'"; é o título do quinto capítulo, no qual Garrett discute as duas definições de causa que aparecem tanto no THN quanto na EHU. Neste instigante capítulo Garrett mostra que apesar de Hume nos fornecer duas definições de causalidade, aparentemente diferentes, isso não implica em inconsistência. Seu argumento se concentra na tese de que as duas definições tratam da mesma coisa (conexão necessária), contudo enfocando dois ângulos do problema, sendo que, apesar de aparecerem em diferentes formatos no EHU e THN, uma das definições enfocaria a conjunção constante, e a outra definição apresentaria o processo psicológico pelo qual formamos tal relação. Sendo assim, apesar de indicar duas definições de causa, Hume nos fornece duas abordagens desse conceito, todas duas abordagens, como atesta Garrett, bastante amplas.

O sexto capítulo se concentra na relação entre liberdade e necessidade. Garrett interpreta essa tópica relacionando- a com a sua análise da relação causal: com isso, primeiro, ele demonstra que a tese humeana é mais fraca que um tipo de ";causação universal";, a qual envolveria um conhecimento das conexões necessárias, que não temos; e, segundo, que a análise realizada por Hume na questão da liberdade e necessidade esta intimamente ligada à explicação de Hume dos seres humanos como agentes cognitivos, como seres que atribuem, segundo seus mecanismos psicológicos, liberdade ou necessidade aos eventos.

No sétimo capítulo Garrett indica que o que alguns comentadores tomam como inconsistências acerca da tese humeana dos milagres, tais como a importância da experiência de um indivíduo como evidência contrária aos milagres, ou a definição de leis da natureza, não são realmente problemas, desde que sigamos com cuidado a tese da probabilidade de Hume. Não se tratará, segundo esta tese, de indicar uma experiência individual como uma refutação de um testemunho dum milagre, mas sim indicar que uma experiência deve ser colocada em uma balança contra o testemunho dos milagres, para então proceder como o sábio e douto: proporcionando a crença à evidência; no caso das leis da natureza, não se tratará de mostrar leis metafísicas e apodíticas, mas sim indicar que as leis da natureza são derivadas de experiências recorrentes. Desta forma é uma questão de tratar ";experiência"; e ";lei da natureza";, entre outros problemas, a luz da tese probabilística acerca da evidência empírica, para então solucionarmos tradicionais puzzles.

O oitavo capítulo é provavelmente o mais surpreendente do livro. Ao analisar as várias interpretações do problema da identidade pessoal, Garrett termina por seguir Hume no Abstract (vide ATHN 633) indicando que a tese apresentada por Hume (como ele mesmo atesta) é problemática. Ao negar as teses anteriores ao Abstract acerca da questão da identidade pessoal, Garrett mostra o erro que Hume mesmo parece ter percebido em sua tese: Hume falharia em seu objetivo primeiro, qual seja, a descrição do mecanismo cognitivo dos seres humanos. Um dos principais argumentos de Garrett é que a psicologia cognitiva apresentada por Hume é insuficiente para explicar a mente como uma ";(...) entidade potencialmente distinta dos outros"; (ver pág. 186); pois se, para Hume o ";eu"; é um feixe de impressões, e uma impressão que aparece para mim neste momento pode ser a mesma que aparece para você, como eu me distinguiria de você já que teríamos o mesmo feixe de impressões?

";Moral Evaluation"; é o título do nono capítulo. Nele Garrett discute o por quê da tese humeana afirmar que as distinções da moral não são descobertas pela razão (THN, III). Mostrando que a moral é uma faculdade não-inferencial e não proposicional, ao contrário da razão que é proposicional e inferencial, temos que a razão não pode descobrir os meandros de uma faculdade que procede de maneira diferente. Na separação entre proposicional e não-proposicional, Garrett soluciona esta questão de difícil interpretação tanto no âmbito da moral, quanto da epistemologia.

No décimo capítulo, intitulado ";Skepticism and Commitment"; Don Garrett perpassa toda a interpretação cética de Hume analisando tanto o próprio ceticismo, quanto o sentimento de que dele deriva. Garrett mostra que o ceticismo humeano gira em torno da mesma questão e é ela quem leva ao ceticismo: a incapacidade da razão em alcançar a verdade. Ele afirma que o que nos salva do ceticismo e o que garante a utilização desta razão (um tanto ";precária";) responsável pela eliminação da superstição (Title Principle) - é a própria natureza humana. E é justamente isto que garante o comprometimento com a razão e a com filosofia por parte de Hume. Este compromisso é de que a razão deve ser utilizada como guia contra as superstições e que, portanto, desempenha um papel central na filosofia de Hume. Esse compromisso assegura uma das teses mais fortes em Hume: a possibilidade da realização da ciência e da filosofia.

Nestes dez capítulos Garrett apresenta uma interessante tese geral, a qual perpassa todo seu livro, e que seria o tema da obra humeana (pelo menos parte dela): a psicologia cognitiva. Segundo Garrett vários problemas de interpretação só emergem quando ignoramos o fato de que Hume está interessado nesta psicologia da mente humana, e é justamente quando a reconhecemos que entendemos que, por exemplo, o princípio da cópia é um processo psicológico (sem negar o aspecto normativo deste), que a indução é uma maneira como seres humanos tratam a experiência, e que o Title Principle, que valoriza a razão como eliminadora das superstições, é um princípio que regulas nossas propensões naturais. Apesar desta visão da obra de Hume ser esclarecedora e bastante próxima de uma filosofia contemporânea (p.ex. da epistemologia naturalizada de Quine), ela parece afastar a epistemologia de seus problemas tradicionais _ i.e. modernos. Talvez na interpretação de Hume seja muitas vezes importante reconhecer seu caráter ";moderno";, tendo em vista a sua tentativa de análise num nível epistemológico antes do que psicológico: no caso da indução, a questão apesar de estar perpassada de problemas ";psicológicos";, o que importa é uma certa compreensão do que podemos e não podemos conhecer. A análise de Hume é assim, de tipo mental e psicológica, mas num sentido moderno de ";análise da mente como órgão que justifica o conhecimento"; e não num sentido contemporâneo de ";análise da mente como órgão que conhece";. Apesar disso, a análise de Garrett não omite a questão epistemológica, mas apenas atribui-lhe posterioridade em relação à psicologia cognitiva, algo que pode ser corroborado quando Garrett nos mostra que cada uma das definições de causa oferecidas por Hume serve a um propósito: uma de caráter psicológica, e uma de caráter epistêmico. Sendo assim, será que Hume guarda realmente uma epistemologia apenas à luz de uma psicologia? Esta querela bastante em voga entre os comentadores de Hume, e que desfruta hoje de um certo consenso junto à tese de Garrett, ainda está longe de ser resolvida, principalmente nesta resenha.

Em exatamente 270 páginas Don Garrett fornece àqueles que se detêm na obra de Hume duas excelentes contribuições: primeiro, uma aproximação de textos clássicos a questões contemporâneas, como ele o faz no tratamento da psicologia cognitiva humeana. E segundo, uma análise detalhada dos textos humeanos, contudo sem nunca evitar o contraponto com as teses contrárias as suas. Um texto realmente instigante.

1 Estudante do Departamento de Filosofia da UFMG. Email: [email protected]

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