Carta de um Contratado (poema do escritor angolano anti-colonialista António Jacinto, dito por José Ramos)
Carta de um Contratado
Eu queria escrever-te uma carta amor uma carta que dissesse deste anseio de te ver deste receio de te perder deste mais que bem querer que sinto deste mal indefinido que me persegue desta saudade a que vivo todo entregue...
Eu queria escrever-te uma cara amor uma carta de confidências íntimas uma carta de lembranças de ti de ti dos teus lábios vermelhos como tacula dos teus cabelos negros como dilôa dos teus olhos doces como macongue dos teus seios duros como maboque do teu andar de onça e dos teus carinhos que maiores não encontrei por aí...
Eu queria escrever-te uma carta amor que recordasse nossos dias na capôpa nossas noites perdidas no capim que recordasse a sombra que nos caía dos jambos o luar que se coava das palmeiras sem fim que recordasse a loucura da nossa paixão e a amargura nossa separação...
Eu queria escrever-te uma carta amor que a não lesses sem suspirar que a escondesses de papai Bombo que a sonegasses a mamãe Kieza que a relesses sem a frieza do esquecimento uma carta que em todo Kilombo outra a ela não tivesse merecimento...
Eu queria escrever-te uma carta amor uma carta que te levasse o vento que passa uma carta que os cajus e cafeeiros que as hienas e palancas que os jacarés e bagres pudessem entender para que se o vento a perdesse no caminho os bichos e plantas compadecidos de nosso pungente sofrer de canto em canto de lamento em lamento de farfalhar em farfalhar te levasse puras e quentes as palavras ardentes as palavras magoadas da minha carta que eu queria escrever-te amor...
Eu queria escrever-te uma carta... Mas ah meu amor, eu não sei compreender por que é, por que é, por que é, meu bem que tu não sabes ler e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!
António Jacinto do Amaral Martins (1924-1991), poeta angolano, ganhou reconhecimento através de sua poesia de protesto. Devido à sua militância política anti-colonialista e de base marxista, foi exilado no Campo de Concentração de Tarrafal, em Cabo Verde, no período de 1960 a 1972. Voltou para Angola em 1973, e se juntou ao MPLA [Movimento Popular de Libertação da Angola]. Com a independência do país frente à colonização portuguesa em 1975, foi nomeado Ministro da Educação e Cultura, cargo que ocupou até o ano de 1978.
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